sonho piromaníaco
É uma imagem que me persegue, presente dia e noite: que os meus papéis "burocráticos" arderam todos e não sobrou um único. Nem um, não se dê o caso de o sobrevivente ser hermafrodita e multiplicar-se.
neste blogue é PERMITIDO FUMAR
(Nestes sobressaiem logo os da trilogia 'o senhor dos anéis' de J.R.R. Tolkien: que não assuste o tamanho: quando comecei o primeiro não consegui parar até chegar à última folha do último, já lá vão uns vinte e tal anos.
Na fila de cima, topo do lado esquerdo, um curioso manual que ensina a construir abrigos nucleares domésticos. Coisa útil, e reza o registo que o comprei na década de oitenta. No outro lado, direito, alguns Livros 'B', aqueles pequeninos de capa preta. Por eles fui introduzido a Baudelaire, Merrimé, Flaubert, na minha juventude. Em homenagem a esse tempo houve uma altura, já cá, que comprei alguns: eis os sobreviventes.
Consigo ainda ver um Breton (mas há mais) e os dois volumes de 'o pacto', de James Michener: no registo dos 'romances históricos' trás uma visão muito pormenorizada do nascimento da África do Sul enquanto país e dos seus povos.
Ainda na de cima mas encoberto deverá estar o 'rififi' de Auguste Le Breton, um dos primeiros - senão mesmo o primeiro - policial "negro" da história deste género: é-me livro de culto, lado a lado com os Hammet e mais alguns de que ainda falarei)
(Nestas duas filas manda a História. História que encontrei quando, aos trinta e tal anos e quando resolvi continuar a estudar, vi que me faltava um ano escolar que no 'meu tempo' não existia: o 12º. Fui fazê-lo ao liceu de Santarém, à noite.
Foi assim que encontrei os 'annales' e apaixonei-me pelas diversas formas de ler a História; durante anos mergulhei que nem estudante em vésperas de exame na leitura de livros de História, muitos teóricos do tema do seu estudo. São estantes que hoje pouco visito mas muito por falta de tempo para tudo: o amor ao estudo da História não morreu e gosto de sentir ao alcance da minha mão os objectos que me dão esse prazer e ajudam-me na interpretação do resto das leituras)
Mas agora tem um cão. Em rigor é uma cadela, a Tufas, que já aqui apresentei (e mais aqui), bicha que em casa a todos seduziu tão facilmente como o faz a qualquer um que a veja: é bonita a cachopa, com aquele ar traquinas e meio gremlin, e 'fofinha' é o adjectivo mais ouvido embora não imaginem que o seu maior prazer é... morder; será da mudança de dentes - nossa grande esperança.
Há dias atrás (e contra os conselhos da veterinária que acha que ela só deve sair à rua aos quatro/cinco meses, quando lá vamos neste peregrinar penoso dum bichinho minúsculo que, em seis meses, tem de levar mais vacinas que eu levei em cinquenta anos), bem, dizia, há dias levei-a à socapa à loja onde nos conhecemos, comprei-lhe uma 'coleira' que não é coleira mas sim uns mini arreios que enlaçam o corpo, modelo de gato pois são os únicos possíveis para o seu tamanho mini-mini. Tirou-se logo lá o guizo, está claro, pois não quero que alguém pense que a minha Tufas é arraçada de gato, nada dessas mariquices: é mesmo "fera" (mas é 'fofinha') E comprei aquela maquineta de desenrolar e enrolar frio: uma destas trelas modernaças com aspirações a telecomando, cinco metros de fio e uma mola.
Se na ida para lá a viagem já fora prometedora pois a carita peluda e curiosa que eu levava ao colo despertou sorrisos, o regresso foi um sucesso. Sem estar a comparar performances e gracinhas duma com a outra, senti-me como nos domingos de café de há dez anos atrás. Não era a miúda que corria de mesa em mesa e em todo o lado lhe queriam fazer uma festinha e meter conversa, agora era a bichana que corria alegre da vida, cheirando o tanto mundo novo, novo como ela nunca imaginara que existisse. Zangando-se com as formigas que faziam um carreiro que mexia ou dando as corriditas que a sua pouca força permitiam, nunca mais de dois três metros de trela pois não tem forças para fazê-lo mais longe, sem incómodo. E regressa para mim, ela contente pelas suas infanto-caninas razões e eu por estar obrigatoriamente incluído na fotografia: grupos de estudantes no jardim paravam de galhofar, namorados de namorar, velhotes de ver correr o ar, e todos a apontavam e a chamavam para lhe fazer uma festa: "é tão fofinha!" Foram trezentos metros de glória local como antes nunca conhecera, em sete ou oito anos que já levo deste bairro.
Daí o título: um manipulador. Como aqui: quem leu e não teve um bocadinho de inveja de mim?
:-)
O meu desejo é que a equipa na próxima época seja a mesma desta. Sem tirar nenhum nem contratar mais ninguém. Todos: a equipa técnica e os jogadores, o Bola de Prata e todos os seus colegas do 'deixa andar', mais os seccionistas e os dirigentes, os enfermeiros e os empresários deles todos, que não haja uma única desistência ou substituição.
Para quê? para perceberem (e sentirem) aonde conduziram um clube que é maior que as suas carreiras e glórias, e ainda o será quando deles ninguém se lembrar além das chorosas viúvas e demais herdeiros. Para aprenderem a lutar pelos seus próprios resultados e não ficarem à espera dos azares dos outros. Para. Para. E ainda Para. Que nenhum se balde ou seja 'baldeado'. Todos, sem excepção, a cumprirem penitência que lhes amaine os tiques de prima-donas e os faça ter (ao menos essa...) dignidade de profissionais.
Hoje é o meu desejo. Hoje, ainda a digerir a má notícia. E apressei-me a escrever pois, sei-o, amanhã fá-lo-ia de forma pior. Se hoje falo em 'humildade' e 'brio', a dura realidade do amanhã poderá trazer-me palavras menos simpáticas.
Fim de história.
(um dia o meu sentido estético será entendido; e o meu 'abecedário da cor' fará as ruínas de museus, que competirão por mais e mais letras)
(para que não deixe impressão errada, este pensamento profundo tem a ver com o post de baixo, esse por sua vez tem a ver com até lá ao fundo, depois o outro e o outro, e o outro ainda, e aí pelo meio estou eu, já meio perdido. percebido? ah!... a imagem veio deste blogue)
Estava para escrever um post e procurei uma imagem. No Google escrevi "flyer papers" e apareceu-me este quadro. Já não escrevo: 'perdi-me' acerca da ideia original e fico a olhar para ele, a pensar que, este, eu gostava de o ter pintado! que festa de cor!
(foi aqui)
"Foi lá, na fronteira com a França e quando mudei de comboio, que comecei a aperceber-me do Inter Rail, e a identificar'-nos', a fauna do Inter Rail no sul da Europa. No cais e no bar as mochilas de grande volume, com armações em alumínio e cores berrantes, são o primeiro sinal que me guia e me leva a tentar uma aproximação à 'tribo', verificando com grande agrado que ninguém parece reparar especialmente em mim por causa da idade. Mas, mesmo assim, suspiro por encontrar alguém com barbas brancas e uma mochila às costas.
Mais tarde, depois de ter passado o tempo entre cigarros e uma espreitadela ao movimento da rua em frente à estação, duas visitas preventivas às casas de banho e uma primeira miradela aos jornais e revistas à venda fora do meu mundo antigo, fui 'ler' horários dos comboios mas depressa desisti. Ainda mais complicado que os de cá: milhares de números e nomes que não conheço de lado nenhum. Sabia qual o meu, antes de chegarmos a San Sebastian o revisor espanhol foi simpático e veio avisar-me, mais a três miúdos que iam lá em frente na mesma carruagem, que o 'nosso' comboio era na linha F. Meia hora antes da marcada já estava sentado, conferido e reconferido o número da cadeira, e a minha mochila e o saco-cama guardados numa divisão à entrada da carruagem que, não há que enganar, tinha 'valises' em letras bem grandes.
À minha frente e ao meu lado sentou-se um grupo de rapazes de aspecto inglês ou nórdico. Lá, na estação e enquanto fazia as minhas primeiras mini deambulações em 'território estrangeiro', atento a todas as conversas que viessem de grupos da brigada da mochila, percebera que o inglês era a língua dominante. Estes, os da minha cabine, raramente a usavam, embora quando um deles participava nas conversas, sardento e de óculos e que dormitava constantemente, os outros recorriam à língua dos bifes, a universal. A que entre eles falavam não a conseguia identificar. Parecia-me menos agressiva que o alemão, mas, em princípio de tournée após 51 anos de calmaria militante, ainda me era impossível distinguir os sons graves dum sueco ou dum dinamarquês, mais cantado.
Eram dez e meia quando fui até à carruagem-bar, mais para fumar um cigarro que para beber alguma coisa. Antes, aproveitando a embalagem dos meus companheiros que fizeram umas sandes enormes de salpicão, queijo, pepino e regaram aquilo com um molho que não percebi o que era: duma bisnaga, amarelado e cremoso, mas já estou a ver que não identifico quase nenhum rótulo das coisas usuais; senti-o na estação quando fui a uma máquina que vendia snacks e latas, e não havendo 'Nestlés' à venda - verifiquei mais tarde que é marca omnipresente em todo o lado, conforme mais se penetra no centro da Europa - a única coisa que reconheci foram as latas de Coca-Cola; tudo o resto é por dedução e atracção pelas cores, mais nada... bem, aproveitando a happy hour que se instalara, lá abri uma das tupperware-terrinas da Inez e sorvi uma sopa de albroengas com chouriço, perante o mal disfarçado espanto geral. Não lhes passei cartão e até me apeteceu arrotar no fim, para perceberem de vez que, eles, a sandes daquelas, não iam longe. Mas não o fiz, fui lavar a caixa de plástico ao wc e fumar um cigarro rápido entre carruagens, e depois li quatro páginas dum livro que levara. Eles, se liam alguma coisa, era mapas e guias de viagens, ao que eu tivesse visto. E tudo em inglês, não era por aí que ia descobrir-lhes a nacionalidade.
Quando cheguei à carruagem-bar estava uma grande farra em duas mesas ao meio, com um grupo que me pareceu de estudantes mas nada de viajantes do Inter Rail. Já me sentia um veterano (estava em França! em França!) e, naqueles, não identificava os sinais do railtrotter, a roupa não condizia, nem sequer o barulho que faziam. Viajar de comboio cansa, e vim mais tarde a descobrir que são os longos caminhos entre as cidades-cais que se aproveitam para descansar de paragens onde as novidades e o pouco tempo para vivê-las levam a esticar constantemente as noites até se misturarem nos dias, também eles sempre intensos.
Até agora tenho tido uma preocupação obsessiva com os documentos e o dinheiro, e o recordar-me de que tinha trezentos euros escondidos na mochila não me sossegava quanto à carteira que, constantemente, apalpava no bolso do colete. Por isso não me demorei e rapidamente voltei para o 'nosso' cubículo, onde fiz como os outros e adormeci.
Assim que desci em..."
(a belíssima imagem veio daqui)
E porque é que os sonhos terão limites?
Ao documentar-me, traçar planos, contar imaginariamente os tostões, inicio o feeling da viagem. Uma noite destas, que já aquecem, vou contar da em que fiz toda a Espanha e entrei em França por San Sebastian, direito a Bordéus onde dei a minha primeira 'volta' noutras Europas. E se lá encontrar um net café e os horários da CP lá do sítio o permitirem, escrevo um post do que vi e de como me sentia.
Haja calma pois blogue e sonhos não faltam.