quarta-feira, maio 03, 2006

Crónicas de viagem - II


"... em Bordéus, fui logo tratar dos afazeres programados, pois antes da paciência se esgotar corri a net em busca de informação que me pudesse interessar nas paragens previstas. Quando cheguei a Amsterdão desisti, a cidade é mítica demais para ousá-la com planos. Ainda na estação telefonei para casa, inaugurando o primeiro dos cinco 'credifones' que levava. O telemóvel também ia, estava na mochila de mão, mas combira utilizá-lo só para dar 'um toque' para os de casa, todos os dias às seis da tarde. Acordou-se com ironia que, a essa hora, eu deveria estar acordado e 'apresentável'. Depois aluguei um cacifo e comecei a fazer contas - uma constante na viagem, de todos! acho que os maus alunos a matemática são os que não fazem o Inter Rail! - pois somava dados ao que já vira pelos preços na outra estação... "subir" a Europa não é muito favorável a carteira sem forro falso. Pelo período de doze horas, fracção que tive de engolir pois o comboio para Le Mans era só à 1:37 da madrugada, daí a pouco mais de sete horas, e a fracção anterior era para... seis horas, paguei oito euros. Em Portugal andava dois dias a falar sózinho, e até escrevia alguma para o blogue, pensei... mas, aqui, eu mal entendo o que eles dizem e o giro vai ser quando eles me ouvirem a mim, que hei-de eu dizer? para equilibrar a consciência não apanhei nenhum autocarro e meti-me a pé no que me pareceu ser o caminho do centro, após estar atento às conversas da multidão que entreva e saía constantemente. É que esta estação, Bordéus, parece-me ter mais movimento que Santa Apolónia, e vou buscar a velhinha e não a do Oriente porque esta também é antiga e faz-me mais pensar naquela, quando extrapolo mentalmente a minha presença para memórias minimamente coincidentes. E se calhar a diferença é até maior, pois não me lembro de ter voltado a Santa Apolónia desde que a da Gare do Oriente abriu, ali com o Metro à porta.
Do grupo que vinha 'comigo' só o Eric saiu também - é Eric o inglês, soube-o em conjunto com um Sven e dos outros nada me apercebi que lhes fosse dito e que tivesse som remoto a nome próprio, mas perdi-o de vista ainda no cais. Por isso segui, atento a todos os sinais que me mostrassem diferenças, tentando num aperitivo sorver tudo o que desejava para conseguir sinais identificadores com as ruas que, afoitamente, decidira pisar. As caras, as conversas, as montras e o que lá se vende, os carros e as matrículas, as diferenças nos sinais de trânsito, terei feito uns três quilómetros entretido a beber o ambiente até que cheguei a uma praça movimentada, com as arcadas dos prédios com muito comércio, e várias esplanadas no largo passeio. Àquela hora a maioria das mesas estava ocupada com leitores de jornais, pormenor que reparei por contraste com os cafés 'de lá', em que um lê o jornal da casa e três ou quatro mandam-lhe olhares de ódio, impacientes pela sua vez. Entrei e procurei se havia máquina de café, e também olhei a vitrine para ver se aligeirava a ração das sopas da Inez e de chocolates. A brincadeira custou-me quase seis euros, uma bica e um croissant aquecido. Vive la France, ai mas é de mim!
A arquitectura daquela zi«ona da cidade parecia-me antiga, prédios certamente dos anos vinte/trinta do séulo passado, do tempo das guerras. Mas eu pouco olhava para os prédios pois as pessoas andavam é cá em baixo, e eu fixava as caras e os movimentos como se estivesse num concurso televisivo. Foi ai, nessa praça, que vi um casal que não eram por certo nórdicos, baixos e morenos, tudo ar latino, mas que eram duas coisas: da minha idade ou mais velhos, e malta do Inter-Rail: as mochilas e o seu 'ar' não deixavam qualquer dúvida. Confortado com o opíparo pequeno-almoço (dejeuner? ou petit dejeneur? tenho de descobrir...) , entretinha-me nas pesquisas nas laterais à dita praça e depois de ter estado a observar uma caixa automática 'multibanco', e ter-me convencido de que conseguia perceber as instruções, quando ouço por uma porta aberta duma loja que, pareceu-me, era uma boutique de roupas para jovens, sem a menor dúvida falarem em português.
(...)
(o comboio vinha por aqui, e eu apanhei-o)