terça-feira, março 27, 2007

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E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira

sexta-feira, março 23, 2007

gramática, gramática... :-)

'Vendo' o peixe como o e-recebi: aceitando que tenha sido assim, que uma aluna teve criatividade suficiente para, na Faculdade de Letras, apresentar esta redacção ao tema e cadeira "Gramática Portuguesa":
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Redacção feita por uma aluna de Letras, que obteve a vitória num concurso interno promovido pelo professor da cadeira de Gramática Portuguesa.
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"Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.
Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. O artigo, era bem definido, feminino, singular. Ela era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingénua, silábica, um pouco átona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.
O substantivo até gostou daquela situação; os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir. E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro.
Óptimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinónimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que em vez de descer, sobe e pára exactamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela no seu aposento.Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela.
Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo.
Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo directo.
Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente. Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples, passaria entre os dois.
Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula.
Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele e foram para o comum de dois géneros.
Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz activa. Entre beijos, carícias, parónimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais.
Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objecto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular.
Ela era um perfeito agente da passiva; ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.
Nisto a porta abriu-se repentinamente.
Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjectivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas.
Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tónica, ou melhor, subtónica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou a sua vontade de se tornar particípio na história. Os dois olharam-se; e viram que isso era preferível, a uma metáfora por todo o edifício.
Que loucura, meu Deus!
Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objectos. Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois.
Só que, as condições eram estas:
Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino.O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história. Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva."
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... e vem assinado "Fernanda Braga da Cruz". Parabéns a ela, ou a quem quer que tenha criado esta bela peça de português.

explosão de paiol em Maputo

Triste. Muito. Pelos infelizes que morreram ou que estão feridos, pelas casas destruídas, muito pelo saber que o "deixa andar" continua, faz vítimas, e dificílmente se saíra da irresponsabilidade, da incúria. Triste, muito.
Adenda: mais informação aqui. E aqui, mais aqui e aqui Jornal 'Notícias', de Maputo. Hoje fala-se em 72 mortos e centenas de feridos, muitos deles mutilados...
(foto do mesmo blogue, a referência Pululu do Eugénio Almeida)

quarta-feira, março 21, 2007

blogger-choramingas

:-)

(imagem encontrada aqui)

terça-feira, março 20, 2007

puzzia do dia das poesias

há no ano um dia
em que por pudor uso silêncio

todos os outros minto:
minto à musa, minto à poesia, à rima
e até a mim um trauteio invento:
digo-me vate, faço puzias,
em poemas sou profícuo e vasto.
mas escondo-me por vergonha no dia
que da poesia fizeram monumento.
nesse dia, faça chuva ou sopre vento
riam-se as musas e assoprem-me a rima,
nesse dia, poesia, eu não faço.

aquele que dizem já ser amanhã,
dia em que se rasga a má rima e pisa-se o descaramento
de sem vergonha dizer, com lamento,
deste dia não ser meu e, até
se rimar, até disso,
hoje eu, por pudor,
rasgo este papel e guardarei silêncio.

(o Santo Google tem destas coisas, e é uma forte razão para gostar tanto dele: escrevi "puzia" e uma das imagens que deu era esta. sem link, qualquer coisa em germânico tipo "error 404"...)

filo-café no Porto


Divulgo:

Filo-Café: Ritos e Rituais

24 Março 2007, 21h 30

Clube Literário do Porto

Rua Nova da Alfândega, 22 Porto


Pensamento, Antropologia, Poesia, Música, Fotografia, Vídeo-criação, Performance

Durante o Filo-Café será apresentado o livro Amalaya (poesia, bilingue castelhano-português) de Sílvia Zayas.

Com: Abel Morán (León, performance), Alberto Augusto Miranda (Castelo de Vide, org), Alexandra Bernardo (São Domingos de Rana, música), Alexandre Teixeira Mendes (Porto, pensamento), Alice Valente (Lisboa, artes), Amilcar Mendes (Porto, poesia), Aurelino Costa (Argivai, poesia), Belen Sola Pizarro (León, performance), Carlos Gil (Almeirim, letras), Conceição Paulino (Porto, poesia), Deborah Nofret (Ponferrada, performance), Henrique Doria (Porto, poesia), Jorge Taxa (Porto, pensamento), Luz Gomes (Monção, poesia), Nuno Rebocho (Lisboa, poesia), Pedro Sena Nunes (Lisboa, vídeo-criação), Rogério Carrola (V. N. Sto André, poesia), Rosario Granell (León, performance), Sabela Arias (Corunha, vídeo-pintura), Salviano Ferreira (Oliveira do Douro, poesia), Silvia Zayas (León, performance), Teixeira Moita (Braga, literatura), Teresa David (Lisboa, fotografia)

Todas as informações: (00351) 965817337, ou pelo blogue incomunidade donde, aliás, gamei a fotografia e a notícia, após ter sido e-avisado e mandado aviso de que 'apareceria'.

masturbações

Tenho catorze anos e ainda tenho medo. Dou-me mal com o meu corpo, que cresceu e fez-me medos. Tenho desejos, o meu corpo tem desejos, imagino todas as raparigas que vejo nuas mas há zonas de névoa que me excitam, que sei de como são esquisitas, feias, mas que me excitam e com o tempo do meu corpo a crescer cada vez mais me masturbo, tenho vergonha e tenho medo.
Fui às putas três vezes. Fi-lo já três vezes. Nunca com 'uma branca', das duas primeiras com umas 'velhas', já mamanas, da última foi a tombazana que me beijou e eu fiquei tão envergonhado que nunca mais fui às putas, nunca mais me repetiram o beijo. Andava a deambular pelas palhotas com o ar óbvio de quem anda à procura do proibido e quer passar distraído, todos e ninguém reparavam em mim até que ela me chamou para o interior, escuro e com cheiros, o fogão com a grelha queimada, a esteira, os vultos pelos cantos, a capulana baixada sobre o quadro de luz da porta e a obcuridade a aumentar, a abraçar o meu desejo, também teu, desconhecida, senti-o, quando me beijaste com fúria, meu primeiro sal. Estavas grávida, é também como o recordo. Senti-me mal com isso, sabia que a gravidez vinha do sexo e, fazê-lo assim, tu assim, fez confusão na minha cabeça de terceira vez. Depois beijaste-me e, aí, aí ganhaste o direito de nunca mais te esquecer, sem saber nem nome nem nada, só que me chamaste e e eu entrei, nessa tarde eu cresci e dei um pulo sem saber. Séculos mais tarde, já o corpo gritava por todos os poros, houve o beijo com a Carla V., que foi tão especial como o são todos os desejados, suspirados, lábios húmidos que se vão namorando até, um dia uma noite calha, se vão encontrar e sorriem no beijar saciador de sedes crescidas, alimentadas no enamorar adolescente, esse encantador preliminar ao Beijo do crescer, 'ser crescido'. Mas o teu beijo, enigmática jovem prostituta duma tarde quente, lá para as Lagoas, o teu beijo foi-me roubado sem eu o esperar: não sabia, nem das duas vezes nem de ouvir falar que vinte escudos também o incluía, a minha vergonha não ia despida para tal intimidade: foi surpresa, e dele tenho o sabor, sal, quente, imperioso, até selvagem me pareceu na decisão, força e ardor.
Gosto de me deitar naquele espaço a seguir à porta, as costas contra o armário e os pés no azulejo da parede, frio, agradável, também para ouvir se quem passa à porta da casa-de-banho se detém a ouvir, se alguém suspeita do que faço lá dentro constantemente, pois a sensação do proibido faz aumentar as suspeitas, o medo. Levo revistas, livros, se para aquilo - quase sempre... - já sei que fotonovelas devo levar, que livros têm as páginas onde se diz e sugere em letras de fogo como se beija até "ela entregar-se-lhe, caindo-lhe nos braços com o suspiro que a mão dele sentiu, ao afagar-lhe os seios...", etc, etc, eu sabia quais e que fotos e olhares procurava para, atrás da porta, cerrar os olhos e lembrar-me.
Ponho-me nu e olho-me: acho-me feio. Corro a vestir-me pois tenho vergonha. Dizem-me 'estás a crescer' e sorriem mas eu não gosto. Eu vejo-me, eles não sabem. Podem suspeitar se me virem muitas vezes na casa-de-banho e descobrirem o que lá faço. Quando saio olho-os disfarçadamente para ver se noto algum olhar acusador e nunca notei nada até ao dia que, entre o irónico e o zangado, me disseram que a partir daí eu não podia fechar a porta à chave. Tive tanta vergonha... Lá, na escola, o olhar para elas e tentar visualizá-las como dizia nos livros ou nas poses e olhares das fotonovelas, tal trabalho de montagem impedia-me de sequer ousar dirigir-me a elas e falar-lhes, com receio de levar o livro à letra e introduzir-lhes a mão nos seios, pronto a ouvir o tal suspiro da entrega e, o resto, haveria de lembrar-me pois já o fizera três vezes. Talvez por isso não houve entrega nem recepção até à idade em que alguns já são veteranos no ofício, mas eu, agora, ainda só tenho catorze anos e isso não me interessa, o que me preocupa e envergonha é este corpo novo que me cresceu e está sempre a gritar-me a sua presença, este ardor, esta porta fechada e este medo de voltar a ser beijado sem saber ou ter lido do sal, do sabor, do calor que nas fotos não vem e não se vê para adivinhá-lo.
Na palhota percebo como o meu corpo de catorze anos tem ainda tanta surpresa para me mostrar, a mim que já o vira nu e não suspeitara, nem quando me escondo atrás da porta dando sigilosamente à bomba do seu crescer. Sal: ele, corpo, gostou mesmo foi do sabor a sal e, após a imagem das loiras de mamas grandes e de suspiros de entregas que me caiem nos braços quando lhes mexo nas mamas, a seguir vem a dum beijo, reteso o corpo contra o armário e a parede, na névoa boa que me invade o cérebro vem a imagem dum beijo que me roubaram, meu imprevisto, bom, primeiro sal e lábios secos e um olhar especial, de animal contente.
Um dia terei quinze, dezasseis, vinte. Ainda me lembrarei do teu beijo, desconhecida tombazana das Lagoas?
("the kiss", de Gustav Klimt, estava aqui. trouxe-o, está claro!...)

segunda-feira, março 19, 2007

Tinhas montes de defeitos e mal me começaram a nascer uns pêlos na cara comecei a 'entrar em choque' contigo. Deveria estar a imitar-te em versão modernaça, pois reprovavas a minha maneira de viver assim como eu não gostava da tua e, daí um pouco, eu teria talvez dezassete/dezoito e já tínhamos códigos postais distintos. Hoje, trinta e dois anos depois de teres morrido - olha a ironia: ficaste na terra que detestavas e eu, que a adorava, é que me vim embora..., lembro as divergências e o insensato de quase todas elas: tu, rígido e austero; eu, um esgrouviado irreflectido: ambos nos nossos papéis geracionais aos cânones, mais o exagero da falta de diálogo e, muito, a resistência dum entender o outro.

Tenho das chamadas memórias boas e, nelas, eu de ti, pai, tenho as melhores: de, puto de calções, aos domingos de manhã cumprirmos o 'nosso' ritual e íamos só os dois à Baixa da cidade; ou numa feira do livro na praça 7 de Março, quando lá as havia em volta do coreto, ou então numa papelaria, eu escolhia um montito de revistas de BD e íamos até à esplanada do Continental - o teu café de eleição. E, de em família, passearmos nas noites quentes a ver as montras, esse exercício familiar que era agradável, mais o era pelos momentos que eu e tu passávamos de olhar perdido em sonhos próprios, em frente das montras das casas de ferragens e ferramentas, a olhar a aprender, mais do fomento do sonho - herdei-o de ti, isso é-me hoje indiscutível! -, também os 'carimbos genéticos' da masculinidade que me permitias, imprimias. Se falo dos momentos familiares, dos bons, recordo aquela instituição laurentina que era a 'volta dos tristes' até à Costa do Sol, no regresso o carro estacionado no começo da areia, os relatos de futebol e as brincadeiras, o lanche que a minha mãe sempre levava... e isto na VW Kombi - meu pai era padeiro (a Lisboa nas Lagoas e a Lafões no Malhanga, nesta como 'gerente' do meu tio, o Dionísio da Serrano ao Alto Maé) e só quando fomos para o Malhangalene é que teve uma pastelaria - a Veneza ao lado da Casa Conceição, "tão pequena que nunca lá aportou a gôndola do sucesso" - pois, já mais tarde desses tempos veio o Simca Aronde e a carrinha Daihatsu.

Lembro-me, lembro-me muito, dos teus livros. Muitos, carradas de livros policiais daquelas da colecção Vampiro, mais os Dick Haskins e tantos mais, os livros de best-sellers como os de Irving Wallace, o Conde de Monte-Cristo, calhamaços que nem me impedias e até 'ajudavas' sugerindo agora este, agora aquele... não gostava da selecção que fazias aos policiais e surripiava-te sempre que podia os outros, os escondidos em baixo do monte, aqueles onde além do sangue & tripas havia beijos e amassos, páginas que se tornavam encaloradas e húmidas enquanto os devorava escondido na casa-de-banho de todas as descobertas e iniciações. E, de livros ainda, recordo-me com um sorriso muito especial, terno, grato mas acima do mais terno, de, aquando da minha fase dos 'Os Cinco', da Enid Blyton, andares com a lista dos em falta na carteira para, quando ias aos alfarrabistas em busca dos teus policiais, sempre me trazeres uma prenda, uma novidade, um dos em falta. A tua biblioteca e a de poesia da mana foram os meus 'clássicos', e o ter perdido Eça e outros com essa singular selecção, acho-o conclusão mais do que discutível...

Mas o melhor que recordo era o nosso passeio na Baixa às manhãs de domingo, só tu e eu. Ainda sinto a tua mão no meu ombro, sabia-me bem na altura e hoje sei que me saberia bem senti-la, talvez hoje nos entendêssemos como, àquela época, ainda o fazíamos mas já por muito pouco tempo.

Desses momentos na esplanada do Continental, em que tu lias o Notícias e eu a banda desenhada, há um momento que nunca te contei e aproveito agora: não me caçaste. Na tarde anterior, sábado, eu tinha rogado em casa para deixarem-me ir de machibombo até ao autódromo ver os treinos para as "3 horas de Lourenço Marques" - já então tinha o fascínio pelos vrum-vruns... e que não, e que não, é muito perigoso e longe e sabe-se lá quem lá anda, e não e pronto e estás proibido. E eu fui, está claríssimo que fui, que entre machibombos e boleias pedidas lá cheguei ao autódromo do ATCM, extasiado com a beleza dos bólides, os heróis ali à minha vista, a cada ronco dos motores eu imaginava-me dentro deles, ora neste agora naquele... a minha paixão e a minha desfaçatez foram tantas que, sei lá como, consegui infiltrar-me na zona das boxes para ver ao pormenor as máquinas e olhar esbugalhado os deuses de fato-macaco e capacete! Adorei aquelas horas fugido, e regressei como era mais que óbvio! - eu Tinha razão, não era? - são e salvo a casa, sei lá que mentira inventada a justificar uma tarde desaparecido. Pois bem, naquela manhã seguinte, lá na mesa do café, olho para o jornal que lês, à maneira clássica com ele levantado pelas duas mãos e, nas folhas viradas para mim vejo uma reportagem sobre a sessão de treinos da corrida - que seria nessa tarde!..., documentada com algumas fotografias: numa, debruçado sobre a traseira dum Chevron B8-BMW que era lindo de morrer, a examinar por certo minuciosamente o motor e redondezas, a cabeça naturalmente baixa por inclinada e a face em tons mais semi-indefinidos tons cinzentos na fotografia, estava eu... aliás, a roupa era indesmentível… o que suei fininho, o que deverei ter inventado para, nessa manhã, se abreviar o ritual de leitura 'pai-filho' na esplanada do Continental... Salvei-me, salvei-me por certo dum enxerto de porrada pois, se até poucos leveis, sabia já por experiência que a 'infracção' que cometera era razão sem apelo para 'comê-las', mais outros castigos que ainda viessem. Mas safei-me... bom momento este, que recordo.
Mais tarde incompatibilizamo-nos profundamente. Pouco depois faleceste e disso e disto não estou preparado para falar. Hoje, para além da natural pena de não ter vivo o meu pai, avô dos meus filhos, acresce a da certeza que, com tolerância e aceitação mútua de maior empenho que aquele que tivéramos, íamos 'entender-nos'. Íamos, pai, tenho a certeza. Que é do tamanho da falta que sinto de ti, hoje, hoje e há tantos anos a mais.

Carlos F. M. Gil Barreiros
(imagem da escultura em arte shona "like father like son", gamada aqui.)

domingo, março 18, 2007

bolo de blogger

Na altura, quinta-feira, passou-me completamente e só ontem, já tardio e a fatia de bolo a ficar dura, é que reparei que o (o vazio) tivera o primeiro aniversário no dia 15. Mesmo assim leva uma dentada e convido-vos a trincarem também: as efemérides têm um ritual mínimo e um ano de blogue é muita fruta, muita letra, muito trabalho, merece bem o bolo.
No fim fumamos a cigarrada :-) ...e até já, que vou aproveitar o domingo para... escrever um post-lençol*, 'vida de blogger' é assim mesmo eheh
* adenda às 17:29: desisti. não me apetece
(bolito e anexos daqui.)

sábado, março 17, 2007

Ota vs Rio Frio

Há que dizê-lo: o que tramou Rio Frio (e nos irá tramar, suportes do Orçamento) foram os passarinhos e os sobreiros, entalhes dourados na nova ara do políticamente correcto, esse missal sempre em voga que se cita, usa e abusa de joelhos voluntariamente dobrados.
Cravinho e Mário Lino, Guterres ou Sócrates, são apenas seus sacerdotes: quem vai à missa somos nós, os fiéis, seu natural contribuinte e ideológico suporte justificativo.
(casalito voador daqui)

quinta-feira, março 15, 2007

cartas a Inês*



(...)
"... não é o mundo que é mau, Inês. Eu é que sou mau para o mundo, eu sou espúrio nele. Odeio sair de casa meu refúgio meu casulo, 'conviver', traçar passos em longos passeios habitados por sei lá quem, expor a minha fragilidade a olhos predadores ou olhar a submissão, os olhos de carneiro pastando pastando pastando, encontrão a encontrão. Busco âncoras. Como todos, dirás tu e acertadamente. Um Poeta disse-me que transportamos ilhas à procura de arquipélagos. Será. Eu fujo à forca, esse nó que me asfixia os momentos, esse instante negado, Inês; negado e mentido, afinal só adiado, adiado porque ainda não tenho tinta para ele. O meu pé escorrega no degrau e atraso mais um lance. Para quê? o verdugo, Charles Sanson o oitavo de seu nome, ou outro que lhe tenha comprado o trespasse do negócio, esse não se importa pois sabe ' o serviço' como certo, como eu o sei e apenas faço a distracção de mim em mim, assobio para o lado sabendo que o sino repica quando espreito à janela, à rua, ele toa com mais força quando me vê. Tão lúgrebe... qu'é isso Zé Francisco? qu'é isso meu? oh Inês, doce Inês como a outra, e outra, sempre outras e todas doces, ternas, sedas que fazem esquecer a rudez da mortalha, pano cru e sem afagos pois quem vai sem volta já não os precisa. Falo da morte física, é? deixa-me adivinhar... não, sim, não, sim, bem-me-quer mal-me-quer, não há no bolso trevo mágico. Há cotão. Há dias assim, Inês, em que o rasto no quarteirão que espreito é igual a mim que o deixo: soez, taciturno, 'má onda', costas do tamanho da ilha que transporto, dobradas pelas raízes das palmeiras que nela mantenho, folhas em verde verdugo e casco com cheiro a formiga-branca, eu que o queria de jasmim e elas corróiem tudo. Lê e rasga esta carta, faz o que te peço Inês. Não me respondas, não mostres nem cinto-de-ligas nem regaço maternal: este jardim de ar abandonado é de minha cura e monda e, quando lhe vires flores, novas, bonitas e de nomes que não sei como miosótis e outras que tais, senta-te então num banco e desfolha uma, bem-me-quer mal-me-quer, sabes, dá um sopro às pétalas e deixa-as voar até poisarem na terra das palmeiras, seu húmus de ressuscitar, quem sabe? dum arquipélago encontrar, encostar-lhe a praia ao peito e em suaves ondas nele chorar (as ilhas choram, acredita-me Inês)..."
(...)
* Inês é uma personagem fictícia, tão verdadeira como eu o sou.
(imagem daqui)

quarta-feira, março 14, 2007

young thieft?

A pequena ratonice de Almeirim fez esta noite outra vez das suas, cá para os meus lados: depois de há uma semana a pastelaria "Paniborges 2" ter sido 'limpa' de chocolates e de mais tentações gulosas que lá existiam, trocos para o pão incluídos, desta vez calhou o azar à "Os Aliados" que, provavelmente ao mesmo 'cliente', aviou duma só vez e a fundo perdido todas as gulodices que estavam à mão (excepção aos chocolates 'Délice', parece que não gosta...), mais o tabaco todo pois, se é para queimar, não há que ser esquisito... Do material fumegante diga-se em nota de pormenor que ficaram, intactas e únicas sobreviventes, as caixas de cigarrilhas; talvez por causa do catarro que provocam a quem mata o vício com 'lights' e 'extra-lights', não se mostraram sedutoras mesmo a 'preço' assim tentador, saldos extraordinários: quem lá for hoje à bica-e-tabaco bebe-a como sempre bebeu, um Delta aromático e bem tirado, mas fuma 'Carioca' e é se quer...
Porém pode acompanhar com meio-whisky uma aguardente ou um Porto, neste cardápio escolha o que quiser desde que haja: é que hoje há o que sempre houve, boa variedade que se manteve intacta após a visita do(s) guloso(s) que nem meteu ao saco garrafas velhas ou garrafas novas, nenhumas: portanto alcoólico (ainda) não o é, ou são, e, boa-nova à sociedade se entretanto não se estragar(em) mais, quando lhe(s) calhar a vez duns tempitos de reformatório ou pildra, dirá o BI e o Meritíssimo, mais fácil será a recuperação e posterior reintegração social. Afinal a curar é menos um vício, resta a precoce mistura de muito tabaco com muito açúcar, mais a mania de se aviar sem dar cavaco ao dono e forçando-lhe a porta e quebrando-lhe os vidros.
Há sempre um lado positivo em tudo, se é que um pensamento pode amenizar um prejuízo.
(imagem daqui, viveiro doutras bem... "peculiares")

segunda-feira, março 12, 2007

incomunidade

Rocio Hernandez: lindo!
(num blogue onde vale passear pelos posts. tanto que nem lhe gamo as fotografias - vão lá vê-las, vale bem o clique)

Rondó purgativo



Que merece essa gentalha feia

que abusa da paciência alheia?

Cadeia.

Que prémio é justo para a insensata

e malfeitora turba canalhocrata?

Chibata.

E a canalha inveterada de topete

que ostenta pose de suspensório e colete?

Cacete.

Aos crápulas que fazem barulho à noite,

que Satanás os acoite.

Açoite.

E os primatas dos tempos da cova,

por essa algazarra merecem que prova?

Sova.

Que remédio cura a palhaçada,

a pândega dessa corja safada?

Porrada.

Cadeia, chibata, cacete

é pouco pra este cacoete.

Açoite, sova e porrada

para essa esculhambação não é nada.

Márcio Catunda, "Sintaxe do tempo", 2005 ed. Imprece, Fortaleza, Brasil

(imagem de capa do livro igual ao que 'ganhei' na quinta-feira à noite, daqui)

domingo, março 11, 2007

11 de Março


A 11 de Março de 1785 foi descoberto o cometa Méchain. Na mesma data e em anos diferentes vários telescópios foram alçados por olhos curiosos mas, eu, a 11 de Março de 2007, não diviso nada de tão duradouro e importante: os ícones que os talibãs destruíram em 2001 eram de barro e não sou lituano que, como sabem, é malta que adquiriu a independência no mesmo dia, em '90; exactamente cinco anos depois de Gorbatchov ser escolhido para derrubar os muros aos sovietes e dar-lhes finalmente acesso ao Algarve e aos camarotes do Chelsea, à sua tosca maneira candidatos a 'donos do Mundo', Sicília, Marselha, Nápoles e Chicago incluídas e tudo pago em bons dólares, aqueles de que há sempre mais, cada vez mais.
O cometa: é essa a efeméride. Tudo o resto é história e é volúvel, tudo o resto gasta-se e risca-se e sobra dizer que é só fado, é nosso envelhecido fado.

(post com inspiração num 'diálogo' num Grupo MSN, sem link, mas foto daqui.)

ode às musas



todo o sarau falaste de poesia. mas
o que me recorda é a erecção, a estrofe dos lábios secos,
muito provavelmente tesão

do dedilhar do poema mordido,
os sussurros, essa coisa fodida
de toda a noite murmurar poemas e poesia
e o único que recordo ser assim, ouvindo
teus lábios em poética erecção.

(foto gamada aqui)

ardeu o Rosa Damasceno


São chamas, senhor, são chamas... Do fósforo, da incúria, da cultura não ser um bem imobiliário, disso tudo e mais o resto que é legítimo pensar, disso nada sei... só sei que acabou, ardeu. Mais um. Menos um na memória, cada vez mais registo em flocos do passado, névoas fotográficas e depois o som do fósforo riscado.
(imagem dum dos blogues linkados)

sábado, março 10, 2007

pópó ao Sol







Ok, ok, é sábado e cá vem um carrinho, eu não me esqueci... como o dia está agradável que tal uma voltinha neste Fiat 850 Shellette, by Michelotti, dos fins de 60's e princípios de 70's? um vistaço, não é? 'bora lá, toca a passear no pópó e larguem os computadores!
(as fotos? as usual...)

sexta-feira, março 09, 2007

pontes de poesia

Ontem aconteceram várias coisas. Numa delas perdi-me e noutra encontrei-me. No meio houve mais mas fico com a caneta ao balcão dos perdidos e achados, dou ao escrevinhar (e ontem, no tal meio, escrevinhei, eu escrevinho sempre).
A minha capacidade de me perder entre três quarteirões já passou a fase da piada e, se praticado em Lisboa, já não é anedota mas realidade que a ponte se me torna uma constante, uma obsessão, o caminho mais rápido que encontro entre, a exemplo, quaisquer dois pontos nas sete colinas, se não no imediato óbvio ligadas por carris que me sejam habituais: já me aconteceu querer ir de S. Bento para a marginal e ir dar a volta a Almada, idem para um praça de Espanha-qualquer outra zona desde que fique na zona costeira: tenho íman ao rogar de pragas que vocifero sempre que, naqueles primeiros metros em que se adquire a certeza do erro e já é impossível retroceder, resmungo-grito-praguejo à ponte que, já piso e me olha, trocista, num "e à volta cá t'espero" que já soa a piada a mais, excessiva a todos os que comigo calhe estarem nestas bajas que improviso a cavalo no erro e na absurda tara pela ponte, ferrame e penduricalhos a que não consigo lobrigar qualquer erotismo por muito que persista e a olhe de esgelha.
Assim e em resumo conto que para fazer uns 20/30 kms que estão entre si ligados por A, AE, IP, IC, N, e mais toda a sinalética do raio que os parta, demorei hora e meia e, completamente perdido, pedi em quatro vezes informações que baralhei cinco minutos depois, levei quase às lágrimas um taxista a quem contei das minhas profundas dúvidas cartográficas, aterrei finalmente no colo que procurava e onde, vamos à segunda parte, encontrei quem esperava e mais outros ainda.
Tudo a pretexto da Bienal da Lusofonia que a câmara de Odivelas organiza no centro cultural Malaposta (dela avisei aqui), o mote era poesia mas o pretexto o dia da Mulher, ontem, Mulher tudo mas mais isto, poesia, sempre, das musas e de seu olhar poema, mai-lo resto que não digo e só catrapisco, pois até a absurda ponte se me empalidece quando se me alça ao pensamento além-ponte o olhar fêmeo que repica todos os sinos, sem dia certo e em todas as portagens e caminhos, junte-se-lhe um poema e eis pólvora e eu suicida de cinto posto à ilharga do opaco, essa janela que quero fechada trezentos e sessenta e cinco dias da vida, não naquele tal e o resto é fado, é vidinha ;-)
Na largura de banda do conceito 'lusofonia', ontem, físicamente ausente só estava S.Tomé e Príncipe, mas, das palavras de lá, houve quem delas nos disse-se, e bem - eis uma das razões porque não podia faltar ontem mesmo correndo os horríveis riscos de revisitar a ponte, esse meu terror obsessivo: sabia de vozes que haveria, ainda houve a surpresa das que não contava ouvir e lá reencontrei, mais todos os outros com quem nunca imaginara um assim partilhar. Noite boa, noite que durou como todas elas deveriam acontecer quando assim, boas: o sol espreitou-me ao nascer e até julguei ler-lhe raios incendidados em voz quente, envolvente: ouvi há tempos, e lá matuto com intrometido gosto, a expressão de que a poesia é o diálogo com os deuses; ontem no Malaposta havia janelas abertas suficientes para conversas intermináveis, e hoje, dela, contar que ontem perdi-me ontem encontrei-me, falavam com os deuses a meu lado e isso, queira ou não o raio da ponte, é coisa sublime e enternece.
(lá, no 'meio', escrevi: "quanto mais papel leio mais desejo que se salvem, ao menos, as árvores da poesia"; outra: "que o amanhã seja passado e o hoje não pesado"; e de mais não conto, o resto é longo, é o tal escrevinhado e ele um dia cá virá espreitar-se e espreitar-vos, curioso sairá da capa preta e do blogue fará varanda ao sol, jarro de flores e de cannabis e tudo, como o outro diria se do pôr-do-sol africano tivesse visto mais que aguarela baça, fugidia)
(imagem daqui)

quarta-feira, março 07, 2007

"ler"

Ora aqui está uma 'nota de leitura' de que gostei, tanto que vou passá-la para aqui até aproveitando o ter e-encontrado o site da revista e onde o artigo está disponível, pelo que foi só "copy-paste".
Trata-se da LiRE de Fevereiro e o meu pouco à vontade com a língua francesa não me leva a aventurar-me com uma tradução: porém é completamente 'legível' e, nas dúvidas, façam como eu: dumas tiram-se outras ou passa-se à frente que atrás vem gente, ou seja: respeitando o tema do livro sub judice, até nem é necessário 'ler tudo'...
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Petite lecture, grande causerie
Delphine Peras
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"Il y va fort, Pierre Bayard, en publiant un livre qui s'intitule: Comment parler des livres que l'on n'a pas lus! Provocation, pochade? Pas tout à fait. Professeur de littérature et psychanalyste, ce mécréant malicieux met les pieds dans le plat pour aborder un sujet aussi tabou en France que le sexe et l'argent: tous ces livres que l'on n'a pas lus mais sur lesquels on a spontanément un avis, on se sent en droit de disserter, d'autant plus irrésistiblement qu'ils constituent le B.A.-BA de la culture soi-disant «classique». Rien de répréhensible à cela, soutient Pierre Bayard, au contraire. Et de se lancer dans un étonnant plaidoyer, sous les auspices d'illustres prédécesseurs tels Paul Valéry et Oscar Wilde, eux-mêmes très décomplexés vis-à-vis de la lecture. «Etre cultivé ce n'est pas avoir lu tel ou tel livre, c'est savoir se repérer dans leur ensemble, donc savoir qu'ils forment un ensemble et être en mesure de situer chaque élément par rapport aux autres», estime Pierre Bayard, prompt à confier qu'il n'a jamais lu Ulysse de James Joyce ni les Mémoires de Saint-Simon, qu'il a tout juste parcouru A la recherche du temps perdu de Proust, idem pour Madame Bovary de Flaubert. Ce qui ne l'empêche pas d'en parler, très bien du reste, à grand renfort de citations inattendues, car la non-lecture n'est pas l'absence de lecture, précise-t-il. Intelligent, caustique, avec un sens de l'autodérision qui l'amène à qualifier de L.O. (pour «livre oublié») son propre ouvrage Qui a tué Roger Ackroyd?(*), Pierre Bayard milite pour que chacun devienne soi-même créateur, parler de livres non lus étant une véritable activité de création à ses yeux. Un propos particulièrement réjouissant en ces temps de surproduction éditoriale: vu le nombre croissant de nouveautés qui envahissent les librairies, vu le nombre de plumitifs toujours au poil qu'il faut lire absolument, difficile de tenir la cadence. Comment l'acheteur de livres pourrait-il se transformer chaque fois en lecteur, pour peu qu'il ait cédé inconsidérément à une promo offensive et/ou aux conseils de son entourage? Résultat: un abstentionnisme dont témoignent tous ces livres placés en évidence sur la table basse du salon ou qui figurent en bonne place sur des étagères, au garde-à-vous, la tranche raide et la jaquette trop immaculée pour avoir été honnêtement manipulée. Grâce à Pierre Bayard, il n'y a plus lieu de s'en émouvoir. Tant pis si Les Bienveillantes (**) ne font pas veiller tous ceux qui l'ont acheté, l'essentiel est de s'autoriser à en parler de toute façon. Comme Beaumarchais l'affirmait déjà dans Le barbier de Séville: «Il n'est pas nécessaire de tenir les choses pour en raisonner.» Il va donc de soi que nous n'avons fait que parcourir l'ouvrage de Pierre Bayard, comme il nous y invite de façon si convaincante! Les critiques littéraires vont finir par lui dire merci..."
...............
É... reconfortante, não é? :-) já agora os asteriscos, meus:


* mas este li-o mesmo, de fio-a-pavio: sempre afirmei e de pés juntos que "O assassinato de Roger Ackroyd" é o melhor romance de Agatha Christie, ao que a memória deles me conta;
** "Les Bienveillantes", de Jonathan Littel, ed. Gallimard; segundo a revista citada está há quatro meses na lista dos livros mais vendidos em França, aparecendo pelo menos neste número e no precedente em 1º lugar.

(imagem fanada aqui.)

carta encontrada numa gaveta


“Queria voltar a namorar. Que na mesa de pastelaria à torrada partilhada se juntassem os olhos assobiando desejo, as mãos cúmplices tocando-se no galanteio do animal amar, ternura e sofreguidão conciliadas nas peles que furtivamente se beijam entre copos, pires e piscadelas d’olho, transfusão de químicas corporais, acasalamento selado com timbre em vermelho, no rubro da paixão. Peroro e reclamo, na insistência pela carência do namoro à mesa da pastelaria ou onde quer que calhasse, esse roubo ao diário banal, às horas sem amor fazedoras das más caras do quotidiano, municiadoras de ácido às palavras que saem e entram na multidão de gritos e protestos que pigmenta o cinzento quotidiano, pois a língua do silêncio não mente e por ela fala a alma: urge aos dicionários adoptarem esse amargo como antónimo à palavra paixão: apaixonados, ex-apaixonados e promitentes-apaixonados reclamam-no, e com a acidez dos que daquela olham a memória com amarga nostalgia – sou um subscritor.
É do que mais me lembro com saudade, do namoro, os dedos, os olhos, a torrada, o sorriso quando nos víamos, a luxúria revelada em cúmplices segredos beijados trocados, a fatia partilhada. Tudo o resto destes anos tantos, a comida que saiu mal ou o aziago de alguns acordares, a hipoteca que não encolhe ou a velhice que não pára de espreitar encontrando-nos sempre desarranjados, nada disso vale quando me lembro da mesa da pastelaria e do namoro lá, lambendo-nos em ternuras e outras deliciosas pornografias de intimidades que qualquer meia-torrada dá a dedos enamorados, esse lanche saciante do ser e existir, desejar e ser-se desejado.
De quando brincávamos e corríamos um para o outro sempre que podíamos, e se trocava de bom grado a solidão pelo outro, e, se deles então já houvesse arte e uso, duvido que entre nós trocássemos tantos e-mails de anedotas e correntes, maravilhas do mundo e blá-blá, tantos étecéteras onde está ausente o despenteio da escrita íntima que, então os houvesse, eles teriam… – e sorri ao pensar nisso, repara, agora à longa distância entre dois computadores... Recordo-me de quando éramos criativos nos rituais e a vontade de agradarmo-nos fazia nascerem flores nos murmúrios e beijos lisonjeadores, eternos galanteios sussurrados no esperanto da paixão. Como não sentir saudade?
É, recordo-me e saem-me tristezas, neste tampo de mesa de pastelaria dum blogue conto-to, guloso escrevo e estendo os dedos à cata da gordura da fatia do meio da torrada, do amor e da sua fatia que queria repartir contigo num namorar que dói quando já não se lembra quando e como se perdeu, quando a parte mais tenra e que partilhávamos até os lábios se encontrarem diluindo-se, num saciar que só se escreve nessa namorada palavra bela e arredia, triste de tão legível quando em solidão, quando esse tempo acabou e o namoro se escapou porque os dedos já não se tacteiam mais. Nestas cãs mal escanhoadas, sinónimas de memória perdida nas manhãs e tardes dos anos que correram mal, esse tanto tempo longe do tampo da mesa de pastelaria, da sofreguidão dos dedos mutuamente se enamorarem por uma torrada partilhada, uma flor beijada”


Ah, estava já a terminar de a transcrever e a 'fechar' o post e lá me esquecia, vê lá tu…: encontrámo-nos uma tarde destas, partilhamos uma torradita? ;-)
(imagem "the kiss" daqui.)

guerra civil


O ambiente político em Almeirim ferve, quer na autarquia quer no Partido Socialista, lá maioritário. Já até há vários escaldados.
'De fora', este jogo de guerra-civil política terá a sua piada; 'cá dentro', vivendo cá e conhecendo quase todos os boxeurs, veteranos de tantos campeonatos, bamboleio entre o espanto em como expõem o flanco assim e deixam-se torpedear, e a indignação pelos espúrios arremesssos ao ringue feitos pela turba, essa massa com recheio anónimo e boçal, cobarde em não assinar o braço que atira a pedra.
Aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui, principalmente (mas há mais: eu avisei que 'isto ferve'... e o "hotel de inúteis" tem estado um caldeirão quase quase em ponto-de-rebuçado...)
(imagem de "guerra civil" daqui.)

terça-feira, março 06, 2007

dicionário

(entrada com bolinha, e mais do que uma)

Há vezes em que se cita sem 'cagar sentença' porque gostava-se de ouvir mais autoclismos a funcionar. Defeca-se a solo, entre opacas folhas de contraplacado escrevinhadas, fugindo ao pensamento de que só a orgia é escatalogicamente revolucionária. Assim sobrevivem os umbigos solitários, entre rolinhos cinzentos de cotão e bolinhas de sarro anarquista, democraticamente acumulados na matriz do ser-social: aqui os autoclismos funcionarão como chuveiros, é associação simples; a complicação vem da matéria fecal, e sua expelição que é o primeiro acto auto-masturbatório do corpo - o tal ao qual a puta-da-mão-que-cita está ligada, esclareço in fini e só ato mais duas pontas, fecho o dicionário e calo-me já: leia-se na diarreia citatória o sex-in-a-hole anónimo, busque-se no silêncio opinativo a mão deslizante no bolso das calças: temperado em forma clássica dá sempre uma mesa uma página bem arranjada, matéria-prima para uma cagada assim "grande p'ra baralhos"; a segunda tem a ver com a composição da matéria fecal: aí sempre ouvi dizer que somos o que comemos, a que junto que a citação será o seu visível e naturalíssimo cagalhão, cronical aerofagia à parte.
(imagem dum jogo chamada "enigma" daqui, e onde dele se conta assim, logo no primeiro parágrafo: "Enigma é um divertido e cativante jogo que mistura num único ambiente: quebra-cabeças, agilidade, memória e esperteza. Nele você controla uma bola preta e deve formar pares de pedras iguais para conseguir passar de nível. Seria tudo muito simples se você não tivesse que controlar a velocidade da bola, que é acelerada conforme o movimento do mouse e o tipo de terreno onde se encontra, desviar de pedras explosivas, lasers, labirintos e como se não bastasse, tudo isso inclui uma batalha contra o relógio"; depois vêm as regras, mas isso já é departamento de tintas de cada um)

da Ilha e das ilhas (2)

Quando lhe fiz "save as draft", no dia 2, nem o meu post estava terminado nem o jpt tinha publicado a segunda e última parte da sua reflexão sobre a Ilha de Moçambique, ilha de loa tão pública que não haverá quem, nunca tendo pisado mais areias que as da Macaneta ou do Algarve, do seu místico e da sua História não tenha ouvido falar, mais o que dela falam as belezas das mil-e-uma fotografias que aqui pela net (link também gamado no blogue do jpt).
Assim veio hoje 'ao de cima' mas podia ficar despercebido, lá para trás. Fica o link para curioso: clica-se aqui, versão integral.

segunda-feira, março 05, 2007

de Guy Debord

"Quando a arte tornada independente representa o seu mundo com cores resplandecentes, um momento da vida envelheceu e ele não se deixa rejuvenescer com cores resplandecentes. Ele deixa-se somente evocar na recordação. A grandeza da arte não começa a aparecer senão no poente da vida."


Guy Debord, "A sociedade do espectáculo", 2ª ed. de 1979, Edições mobilis in mobile, capítulo "A negação e o consumo na cultura", pág. 151 - estou com ele na mão por causa duma visita que gosto de fazer e lembrei-me de cá vir deixá-lo...
A imagem claro que não é a da capa do 'meu' pois não a google-encontrei (um dia destes adopto plenamente o já consagrado nas enciclopédias-mastro mas que ainda não está na minha de supermercado, e assumo o verbo 'googlar' duma vez por todas: afinal o que é 'aquilo' de depender dum cabrão dum motor de busca quase que para saber se está a chover ou não?) e veio à mão esta, aqui; nos entretantos de clique em clique vejo aqui que "há filme", até homónimo, mas eu não o vi embora conheça e tenha o livro (já em repetição, o primeiro 'perdido') desde 20/5/96 - é do tempo em que eu era um picuinhas que lhes metia data de entrada e, aos profissionais, até os 'carimbava'. Hoje entram descontraídamente, sentam-se à mesa sem data nem hora e nascem conversas calmas e agradáveis: somos mais compinchas sem o logro das antiguidades.

domingo, março 04, 2007

cagufa da terra vermelha

Além do fabulizar porque as letras caíram para aí, não tenho em altar principal o meu "um dia" de voltar a Moçambique. Logicamente visita com calendário, não sinto como necessidade urgente renovar memórias, esse hoje lembrado amanhã que quando saqueia esse canto ao saco esgota emoções ao tirar os maiores nacos, carne com veio e nervo, terra vermelha e com cheiro.
E há o medo: vir um dia contar-vos que turistei passeios que vivi especiais, não levará à paleta cores além daquelas que se vêm em tarde de funeral com chuvinha mola-tolos, pingo que não empapa mas molha, coceira prima-direita da fustração dum olhar 'estrangeiro' onde não quero senti-lo: cagufa*. Cagufa de serem apenas escrita e rosas no regaço, senhor; ficção mal compartimentada e até, em catástrofe, decapitação matricial do eu-narrador que nenhum rei ou editor vingará em santa edição póstuma: eis o umbigo exposto.
Quero olhá-la, cidade, com o mesmo espanto do folhear páginas a diário que estavam coladas, e até acabar algumas em branco, quem sabe; não quero em nenhum momento precipitar-me num posto de turismo na angústia do perdido entre xis dias de férias por gozar e sem saber que fazer se não seguir o rebanho fotográfico habitual. Quero 'retornar' no tempo próprio, sereno em mim e, quando me calhar pensar que o morrer já não está assim-assim distante, salvo acidente encontrarei e seguirei o rasto tribal e faço ninho definitivo num canto, naturalmente. Porquê a impaciência? além do fabulizar porque as letras caíram para aí, nada mais há qu'a lembrança do cheiro do chão quente que vem do tinteiro em terra vermelha, aqui ao lado. E nada mais tenho, confesso: é do medo ao seu cheiro o esvair, raspado, este cuspo na ferida, este sarar de tinta escrito que fala dum dia voltar a sentir o bafo quente do cheiro a terra vermelha chuvada, "a caminho de casa". Até lá esgravato papelitos e apontamentos, dobrados no fundo da gaveta do passado, ficciono que há tanto por escrever...
Percebem?
* obviamento 'medo'; mas cagufa é mais bonito e eu tenho a mania que sou escritor
(sem imagem e sem link)

tudo e nada?


Como quem me conhece ou já anda por aqui há algum tempo sabe, eu fui apoiante da candidatura de Manuel Alegre à presidência cá do canto, e no blogue alçei as bandeiras todas que tinha. Avé, bons tempos.
Depois veio o MiC, onde nunca fiz inscrição formal mas que acompanho com o interesse que me leva a, exemplo, subscrever a sua news-letter. A de hoje, numerada como comunicado que é, trouxe as decisões de ontem do seu "Conselho Geral".
Passo o 'um' - já chega de foguetes, vamos mas é olhar para o que e como se está/vai fazer - mais o burocrático 'cinco' - cada um sabe das suas contas e eu não risco nada ali - e fico com os intermédios, um 'dois' que de imediato pensei em linkar aqui no blogue, agradado naquele geral a que ninguém deixa de bater palmas íntimas, mas com partes mais além, indiciadoras de (da continuação de) empatias mais profundas.
Restam os 3 e 4: nem duas linhas a cada, de reflexão e leitura políticas mais densas por qualquer florido ramalhete de bancada parlamentar. Talvez por isso tão "linha-e-meia", o tactear temeroso de quem, sem abdicar do direito de estar não quer ser acusado de intruso e angariador de multidões em 'clube' que, sabe-o em qualquer Conselho, seja ele geral ou restrito, não foi criado exactamente para expontãneos "movimentos de cidadãos".
A cidadania (ao caso a sua forma de expressão organizada) é uma voz de causas supra-partidária, e em óbvio legitima tanto o solfejo do coro como o esganiço individual. Um grupo de reflexão pode dedicar-se à vida contemplativa com a paz d'alma duma profunda interrogação acerca do seu umbigo, ou franzindo as sobrancelhas aos mistérios das «forças nucleares do Estado» (sic), do «futuro colectivo» (outra vez sic) duma sociedade. E quem mora em Aljustrel ou na Bica do Sapato tem todo o direito (sacana de termo, mas lá vai...) de preocupar-se com a gestão da sua terrinha, mais além do convite regular para 'escolher'. Em lato, a "cidadania" é tudo e é nada, 'nada' especialmente àqueles que entendem a democracia participativa com códigos postais de há muito definidos.
A ver vamos MiC, a ver vamos onde encontrarás o teu código, o teu genético lugar.

(foto de 'multidão' daqui.)

sábado, março 03, 2007

...e porque já é sábado...

... lá vem mais um carrinho: desta vez um FIAT, que é nome de carro mas este assemelha-se mais a um barco, é esta coisa esquisita que vêm nas fotos e é de 1951.
Chama-se "Fiat 110 Boat-Car" muito apropriadamente e dará um jeito do caraças a quem mora sem licença de habitabilidade na Costa da Caparica e em Esmoriz.

Origem das fotos: blá, blá, blá...: duas estão assinadas e a outra eu sei lá.

sexta-feira, março 02, 2007

da Ilha e das ilhas

Mais que o olhar próximo e distante do académico, ou o cirroso do turista "porque calhou e já agora tiro umas fotos", um texto-a-ler-mesmo sobre uma ilha que não está no meu arquipélago (aproveitando o núcleo duma feliz frase que ontem e-recebi). Um resmungo sentido de quem - não duvido uma décima! - dez anos de África, ao caso Moçambique, tomaram da tal paixão de que se fala quando África está na mesa (dela, o pior vem depois: o sempre longe dos habitats divididos). E digo-o porque leio lágrima gémea à de quem se indigna com o "deixa andar" que tolere o destruir dum qualquer bairro de infância, paredes memória tão pessoais que, mesmo quando a vida delas distancia, se encurtam ao menor clique duma notícia, uma referência. No caso é o Ma-schamba, verdadeiro "embaixador cultural" de Moçambique na Internet pela infatigável divulgação que nos dá e sem se esquivar ao comentário crítico, essa coisa boa e que tanta falta faz em tanto texto que para aí se lê e mais parecem versões pessoais de 'notas oficiosas' de agências de viagens ou de estatais departamentos de turismo.
Ele avisa que é "texto longo" para blogue. Nada contra em duas ocasiões muito claras, digo eu: a) se esse lençol for meu; b) quando é como o linkado: estou farto de floreados em tinta-da-china, rocócós paternalistas, e sequioso de pincéis que pintem assim, por extenso e em cor forte, pensada. Já há dias o falei a pretexto das reflexões de Elíseo Macamo sobre a pornografia do Poder e a freira devassa que é a Frelimo, e que o "Ideias para Debate" tem divulgado, esse outro complemento quando procuro ler além de "saudosismos" ou "olhares turísticos" sobre a minha outra parte dos tais habitats divididos, a 'tal coisa' de que se fala.
Veio ontem a Segunda Parte, promete e cumpre e é «texto longo» que ainda não li, logo à noite haverá mais tempo. Interesso-me "da Ilha" por, mesmo das tais 'ausentes no meu arquipélago' sei da sua mágica pessoal e da força da sua História porque o ouço e leio e ela é referência-mor quando se fala de encantos, junta-se o espreitar de fotos que dela mostram os romances, contos ou poemas onde tantos dela contam em paixão escrita na sua areia molhada, ilha assim também minha. Ela é "a Ilha" do meu imaginário, tardia substituta da de Crusoé ou a de If.
Posto dois poemas 'à' Ilha de Moçambique, um de Rui Knopfli e outro de Luis Carlos Patraquim:
MUHIPITI
É onde deponho todas as armas. Uma palmeira
harmonizando-nos o sonho. A sombra.
Onde eu mesmo estou. Devagar e nu. Sobre
as ondas eternas. Onde nunca fui e os anjos brincam
aos barcos com livros como máos.
Onde comemos o acidulado último gomo
das retóricas inúteis. E onde somos inúteis.
Puros objectos naturais. Uma palmeira
de missangas com o sol. Cantando.
Onde na noite a Ilha recolhe todos os istmos
e marulham as vozes. A estatuária nas virilhas.
Golfando. Maconde não petrificada.
É onde estou neste poema e nunca fui.
O teu nome que grito a rir do nome.
Do meu nome anulado. As vozes que te anunciam.
E me perco. E estou nu. Devagar. Dentro do corpo.
Uma palmeira abrindo-se para o silêncio.
E onde sei a maxila que sangra. Onde os leopardos
naufragam. O tempo. O cigarro a metralhar
nos pulmões. A terra empapada. Golfando. Vermelha.
E onde me confunde de ti. Um menino vergado
ao peso de ser homem. Uma palmeira em azul
humedecido sobre a fronte. A memória do infinito.
O repouso que a si mesmo interroga. Ouve.
A ronda e nenhum avião partiu. E onde estamos.
Onde os pássaros são pássaros e tu dormes.
E eu vagueio em soluços de sílabas. Onde
Fujo deste poema. Uma palmeira de fogo.
Na Ilha. Incendiando-nos o nome.
Luís Carlos Patraquim
(está em dois dos meus 'arquivos de coisas bonitas': aqui, e aqui.)
.... .... .... ....
ILHA DOURADA
A fortaleza mergulha no mar
os cansados flancos
e sonha com impossíveis
naves moiras.
Tudo o mais são ruas prisioneiras
e casas velhas a mirar o tédio.
As gentes calam na voz
uma vontade antiga de lágrimas
e um riquexó de sono
desce a Travessa da Amizade.
Em pleno dia claro
vejo-te adormecer na distância,
Ilha de Moçambique,
e faço-te estes versos
de sal e esquecimento.
Rui Knopfli
(gamado e bem-gamado aqui, parece a caverna de Ali-Babá-escritor!... :-), idem para a L. que também o tem lá na sua caixa de tesouros)

divulgando




Começa hoje no Centro Cultural Malaposta, em Olival Basto (Metro: estação Senhor Roubado, linha amarela) o "encontro de culturas Lusofonia" em organização da Odivelcultur, empresa municipal da autarquia de Odivelas. As imagens-programas ampliam, clicando.
Pessoalmente sinto-me atraído pelo programa de dia 8 e haja bom-tempo, saúde e maçaroca para a gasolina e darei lá um salto.

:-(


Hoje acordei com a cara assim!...

quinta-feira, março 01, 2007

os eleitores não são estúpidos


Nem o parecem, mesmo quando 'se perde' e lá vem a desculpabilização das más opções próprias, atribuindo culpas a 'eles' e à sua incapacidade de ver e entender a Verdade.
Isto a propósito de submarinos. Dos nucleares, ainda por cima: daqueles enormes e ameaçadores (ou tranquilizadores, depende...) e, também, a propósito de sentimentos nacionalistas, ou chauvinismo - fronteira mais ténue do que aquela que vai daqui para ali. Já agora junto à caldeirada marketing mediático e passo a explicar a razão dos ingredientes:
França, 2007, candidaturas para as eleições presidenciais. À esquerda alinha-se como candidata uma mulher, rosto e modos agradáveis, mediáticos, Ségolène Royal. À direita veste camisola e entra em campo como 'capitão' o ogre nº 2, pois o '1' é o eterno le Pen, Nicholas Sarcozy. Parece ganho, não é? afinal ela representa a mudança entre as carcaças do costume, as gelhas da velha democracia, o seu rosto é belo e é sereno tal como num anúncio de, digamos, chás de erva-lima ou iogurtes linha-zero. Não, não é, não "está ganho". Mas era assim que as sondagens diziam, diziam até ela começar a falar: aí começam a derrapar, a resvalar, os proto-eleitores tradicionais do seu clube a refugiarem-se ou no silêncio ou no declarado 'não': Ségolène não "acerta uma" quando as perguntas caiem sobre matérias chatas, como algumas das previsivelmente inerentes ao conhecimento... dum Chefe de Estado. É aqui que entram os sub's, mais o chauvinismo.
A França é um dos tradicionais do "clube nuclear". A França, duas vezes invadida nas duas guerras mundiais, é chauvinista q.b. quando se trata da preservação do que entende como 'sua segurança', independente de alianças e tratados onde ela se imagine, ou seja-o de facto, subalternizada: recorde-se a sua saga com a NATO, a exemplo. Vai daí a França desenvolveu as suas armas nucleares próprias, e equipou com essa tecnologia avançada parte da sua Armada, porta-aviões e submarinos. E, parece e consta, os franceses têm orgulho nisso. Tal como o possuem adicto a coisas muito suas e que não querem nem perder nem verem esquecidas, sejam elas as mil e uma variedades de queijo, o pão-cacete ou, melhor exemplo de todos, a sua língua. Ainda bem, a sua identidade cultural passa por aí.
A boa da Ségolène, perguntada, não soube dizer quantos submarinos nucleares a França tem. Daí não viria mal nenhum ao mundo ou à França se, a) ela não fosse um dos (fortes) candidatos a Presidente da República, como cá por inerência chefe supremo das forças armadas, b) não tivesse demonstrado que a resposta certa tanto podia calhar ser 10, 50 ou 100, ou zero, que ela não tinha rigorosamente a mínima ideia de qual seria a acertada, sequer a aproximada. Os franceses, os seus proto-eleitores, não gostaram e lá veio ela, outra vez, em trambolhão pelas sondagens abaixo: àquele nível o vazio não se enche só com caras bonitas e marketing, palavras de ordem contra o papão e sacras bandeiras de baú: ou há ou não há trabalhos de casa feitos, preparação para o cargo a que se candidata, ou o castelo argumentativo desaba por falta de 'substância', da tal que dá confiança ao eleitorado.
Ségolène Royal é um erro de casting do PS francês e assoma-se como perdedora antecipada se não houver uma salvadora segunda volta em que enfrente o 'ogre nº 1': se contra le Pen qualquer outro candidato "é bom", já o mesmo não o dirá o eleitor médio se tiver alternativa ao desastre presidencial anunciado que ela tudo faz por parecer ser, em absurdo contraponto à potencial vencedora que seria se se respeitasse e não desbaratasse o capital herdado dos maus anos Chirac e, também, das saudades dos anos Miterrand.
O tempo o dirá, se exagero ou não. Entretanto, e para me contrariar, 'passo-lhe' informação: os dois 'grandes' têm à volta de duzentos sub's nucleares cada um, a Inglaterra terá uns vinte ou trinta, e eles, franceses, p'raí meia dúzia de que muito se orgulham. E nem nós nem Marrocos ou a China temos algum, para seu sossego e de demais milhões de franceses, subitamente despertos para a realidade de a sua potencial PR não ter a mínima ideia do que significa, no "mundo real" da geopolítica, ter ou não ter submarinos nucleares e estar de potencial próprio no mais elitista de todos os clubes militares mundiais. E, 'eles', sabem pensar antes de votar...
(o barquito estava aqui)

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

I'm back!

(imagem do meu colega "dentuças" daqui)

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Pike's Peak (o placebo)

Peugeot 205 T16 Hill Climb

Peugeot 405 T16 Hill Climb

Suzuki Gran Vitara Sport Evo "Pike's Peak"

Suzuki Escudo Pike's Peak

Audi Sport Quattro S1 Pike's Peak

Toyota Tacoma Hill Climb

Toyota Celica Pike's Peak Special

Ford RS200 Pike's Peak Evo

A rampa de Pike's Peak, USA, é uma das provas míticas do automobilismo: trata-se de 'escalar' uma montanha de prego a fundo, estradas em areia e rails de nuvens, sempre a subir num bom par de milhares de metros em altitude o que, por si, já torna difícil encontrar a afinação perfeita para a alimentação do motor.
Todos os carros concorrentes se caracterizam pelos enormes apêndices aerodinâmicos que permitem às muitas centenas de cavalos-força - em alguns casos roçam o milhar - "agarrarem-se" ao chão.
São de algumas dessas máquinas de aspecto de filme de ficção científica que deixo este post "domingueiro", pois amanhã "estou dói-dói": vou ter uma pequena cirurgia mas com anestesia geral e, praticamente certo, não deverei vir à net nem para espiar-vos. Esta noite não quero pensar nisso: vivam os pópós, os vrum-vruns, viva a "evasão", amanhã é ainda só amanhã e eu gosto muito do Audi Sport Quattro: o suficiente para, "ao seu volante", não haverem amanhãs que o seu rugir permita distinguir além das nuvens, da névoa.
Nota final: Todas as fotos ampliam, clicando nelas. E, sobre elas, fotos, repito o que já estou cansado de dizer mas tenho sempre de o fazer: as que estão identificadas por origem, ok... está lá; as outras... sei lá onde ou de quem, são bonitas e não as estou a vender nem a reclamar como 'minhas', só as divulgo... olhem: "parabéns por elas!"

dela


"Fogem-me as palavras"

- Isto é uma piada? Não, não agora!... Voltem aqui!

Fogem-me as palavras. Escapam-se-me por entre os dedos. Haha, as palavras são matreiras... matreiras e efémeras!
São falsas amigas. Quando há alguma dificuldade, ou quando tu te aproximas, são as primeiras a abandonar o navio (que é como quem diz, a boca). Penso que tenho tudo sob controlo e quando mais preciso delas, é exactamente quando estas me desamparam. Ao finalmente regressarem, já se tornaram novamente inúteis. Coincidência, ou destino? Ironia talvez. Deixo à descrição de cada um. Oh minhas amantes palavras, que, quando se despedem docemente, me deixam entregue aos seus primos Gesto, Aceno e Careta; e que de quanto em quanto, me levam a visitar o seu avô Ridículo, que não é nada simpático.
Palavras são como crianças: inocentes e malandras! Gostam de nos pregar partidas e rir dos nossos maus momentos. Minhas amigas palavras que tão mentirosas são... quantos sonhos vocês criam e como me obrigam a descer vertiginosamente quando o coração me trás de volta à Terra. Haha... Quase um mundo irreal, é o resultado da vossa presença.
Não derramo lágrimas no papel e nem sequer o rasgo pela, acreditem! tamanha raiva que sinto!... Simplesmente sorrio: um sorriso hipócrita e vencedor. Porque as coisas nem sempre correm como espero e a culpa não é do mundo nem das pessoas. Por muito que doa a culpa é minha. Minha, e das minhas palavras. As minhas fiéis companheiras e que me conduzem nesta longa tragicomédia que é a vida.

(Não fui eu que escrevi isto: foram “elas”...)

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Texto feito hoje pela minha filha Carla, para um trabalho escolar. Sou vaidoso com os meus filhos tanto ou mais de quando é comigo mas, hoje, quase tive ciúmes do professor e, os da escrita 'dela', esses foram reais!... a 'pita' faz-se! :-)
(da foto: foi tirada pela profª Fátima, de Ciências, durante um teste; do que a miúda conta e se vai vendo, a professora adora fotografia e costuma brindar os alunos com cópias dos melhores instantâneos que deles consegue durante as aulas: à Carla calhou-lhe agora esta foto tirada no passado ano lectivo, portanto ainda com 13/14 anos, que agora já vai nos catorze e meio)

domingo, fevereiro 25, 2007

"embrulhar a trouxa e zarpar..."



Cheguei a ele (desta vez: doutras dei por mim a pensá-lo...) por aqui, agora não me atrasei... :-)

(imagem daqui)

a energia das ondas

Este fim-de-semana, a pretexto duma consulta médica em Lisboa, "fui ver o Mar". Quando digo que fui ou vou ver o mar digo mais que do gosto por ele, aqui ausente em lezíreo dia-a-dia com Tejo por fundo, ondas que me faltam: ficciono do encontro com o seu meneio, dos pretextos e da maré, do seu bambolear pelas areias meu trejeito por ruas não as habituais aos dias outros mas onde, sei, a ficção casa-se com a realidade como na praia a magia do mar borbulha a areia, brilhando-a, humidificando as securas dos chápeus-de-sol do bilhete-postal do estival quotidiano. Nestas fugas encontro quem conhece e aceita o formato de ambos, mútuos 'duplos', meu virtual e meu real. Da minha ida com anseios de ver e estar com quem igualmente gosta de me ver além do virtual mas sem 'os' separar, conhecendo-os e estimando-os, mais ficciono palavras outras como prazer d'amigo, fábula real nada virtual.
Findas as formalidades que da saúde trataram, ainda na sexta-feira, fui à Bica do Sapato, lá para os lados de Stª Apolónia, para um muíla*-encontro de aprofundamento de relações culturais entre tribos que, depois, tarde de muita conversa e algum passeio em demanda de sossegos para ela, seguiu para aqui (caril com fuba, caprichos tribais: estreia minha que sempre que vou ao 'Aziz' como o caril mas é com arroz), mais longa a noite conversada aqui, "O Bacalhoeiro", grata surpresa daquelas que Lisboa nunca parará de me dar enquanto haja quem mas revele e, já tantas da manhã, cândida e o mais discretamente que me foi possível, passei ao largo e de mansinho por um auto-stop na av. 24 de Julho, o incómodo no consciente de reconhecer que, se parasse e assoprasse no famoso aferidor dos excessos tabelados, poderia 'haver problemas'. Não houve e segui, a noite serpenteante pela costa (a mais bela estrada de Portugal?), olhei e passei as areias de Oeiras iluminadas e estacionei em tribo que é também minha. Regressei hoje ao clã, amanhã segunda à memória do marulhar.
Disto tudo o título; fica a sombra no túnel paisagem urbana, epiderme outra que Lisboa me trás e eu gosto de nela me retratar.

* muíla: tribo que situo (mais ou menos de memória, é onde a 'vejo') na região dos Grandes Lagos africanos, sul egípcio por aí abaixo; as suas mulheres são dotadas de beleza muito singular: se de boina, tanto parecem parisienses dos anos cinquenta com bicicleta no corredor e todo o charme latino na alma ou, olhando-lhes a alvura da pele e os olhos, muito especiais, junto com o peculiar sardento que tempera o nariz de traço à Nefertiti, supõe-se traçarem-se copos e palavras com mui britânica moça, lá do Shire onde, dizem, há tribos e castas assim: de alvoraçar mangusso e espevitar intelectual... :-)
(foto dela, meu recanto de sossego quando 'vou ver o Mar', ela também aqui.)