quinta-feira, fevereiro 15, 2007

a "terrinha" e eu: reflexões com um texto na mão


Em Moçambique reflecte-se sobre o Poder e a sua constante em trinta anos de independência: no blogue de Machado da Graça, o "Ideias para Debate", continuam a ser publicados os 'fascículos' da reflexão do sociólogo Elíseo Macamo ao tema "O Poder da Frelimo", antes publicados no jornal de Maputo "Notícias", certamente que por cá despercebidos até porque o site do jornal só recentemente ganhou 'vida' (já agora, com um sistema de pesquisa de arquivo... 'confuso': até dei por mim à procura das parangonas de Abril ou Maio deste ano...).

Eu leio-os. E não comento (mas agora dou um empurrãozinho para divulgá-los). Não comento porque estou há outros trinta anos longe da terra e das pessoas, e destes só nos últimos três/quatro me interessei por mais que o ouvir falar ou as parcas notícias, generalistas, 'noticiosas' mas nunca de artigos de opinião, que por cá aparecem. Assim considero-me incapaz de opinar mas sendo certas duas coisas: que, lendo-os, absorvo a reflexão cuidada dum intelectual, e, eles artigos 'na mão', não os olho e sinto como se fossem e tratassem do exercício exclusivista e musculado do Poder, sei lá, na Coreia do Norte ou em Angola (só por uma questão de rima). Cada dia que passa mais distante me está e, sendo primeiro de tudo honesto comigo mesmo vou aceitando que se me sedimente que, hoje, Moçambique ganhou foro de recordação do passado e, entre sabores melhores e alguns bem amargos (o eco: "eu vim-me embora para uma alternativa burocrática, mas oito milhões ficaram lá e não fugiram procurando uma vida mais fácil: oito milhões, e eu 'dizia-me' um deles"), é muitas vezes apenas pretexto para questionar o (meu) presente.

(Com as míopes leituras que vêm, sempre que se poisa o livro no umbigo. Coisas minhas, autodefesas minhas, minhas do eu-hoje, social e culturalmente tão português como o meu vizinho do lado, com arranques dactilógrafos em que desenterro ninharias do 'passado laurentino' e faço delas epopeias, e venha o primeiro dizer-me que estou errado: cada pequeno facto vive o seu aniversário quando o recrio, escrevendo-o sobre olhares comuns a todos misturados com o exotismo ou o gag reais, mas "trabalhado" com um primeiro objectivo: a sua leitura agradar. Tanto como se se tratasse no Sri Lanka ou em Amsterdam, Katmandu ou ao longo da '66': ficciono-me, escrevendo-me, e esse é meu direito como escritor. Em linha da razão do à parte, mascaro a banalidade da existência pessoal com flores de jacarandá, meto sal do Índico e aromas de suruma, da vera, conto do arrear de bandeiras e do tão bonita que era a nova, apaixono-me por miúdas e não sou correspondido mas estou-me nas tintas pois tinha a cidade mais linda do mundo para correr e dela conto, tenho as primeiras experiências no pensar e agir politicamente na altura normal para isso, mas vivo-o (e conto-o) sob memória de paixões revolucionárias especiais, exóticas ao olhar de quem não contesta a imutabilidade dos seus novecentos anos de nacionalidade por muitas revoluções que venham, e em que marche ou odeie vê-las passar. Há uma paisagem inigualável e verdadeira em todas as pinceladas, mas a criação ou recriação da personagem é liberdade inteira do escritor, por acaso ele mesmo e, assim, a sua animação pode bem transformar um trambolhão numa casca de banana num pensado flic-flac que, afinal, correu mal. Eu avisei no princípio do 'comentário': o livro e...)

Por saber disso gosto de ler. Há coisa de para aí um mês que acompanho esta série no blogue do Machado. Leio-os como (lá vou eu outra vez, maldita ficção...) se o fizesse sentado num café local, não digo uma esplanada pois, lembrando-me, sentava-me muito mais vezes lá dentro do 'Scala' que na sua afamada esplanada, que 'hoje' cão e gato 'frequentou' assiduamente, idem ibidem a qualquer esquina de nome lá na 'cidade'. Por acaso não me imagino a lê-la, série, ou um jornal ou revista, num qualquer bar de hotel muito fino pois quando me calha entrar num desses, hoje, ainda tenho o complexo que lá adquiri pois sempre olhei com desconfiança os sítios 'finos' e, confesso, sempre tive medo de não me deixarem entrar. Hoje ainda me vem à cabeça que "é o Polana" - exemplo, mas emblemático pois nunca lá entrei, quando caminho para quaisquer portas-em-vidro-com-porteiro, ainda pior quando ele é do generalato - ainda os há, de dragonas, acreditem-me que tenho bom olho para eles... Sabem onde gostava mesmo de ler, e então? sentado na marginal, a mota estacionada no passeio ao lado do banco em cimento, ou até lá na praia para os lados da Costa do Sol, areias onde era raro ver-se vivalma fora a invasão de fim-de-semana. Li 'calhamaços' enormes por essas bandas, fumei lá 'quilos' de erva e tive erecções fantásticas a olhar as miúdas e os arrojados bikinis, tenho o direito de contá-lo como me apetecer e, já agora, de continuar a ler 'calhamaços' no mesmo local, ainda mais tratando da sua realidade, ora minha - vêem... - proficuamente fantasiosa memória, bem necessitada de upgrades de olhares atentos à realidade social e política dos 'quadros' que pinto.

Bem, vamos então à meada: "por saber disso gosto de ler", assim com o "ler" em itálico. Disso, e refiro-me ao parágrafo antes do "à parte" acerca de Amsterdam e das surumas, do sal do Índico, das mangas verdes e do sal que os escritores lhes juntam. O meu desconforto com a noção de que escrevendo mil e uma folhas sobre Moçambique são sempre folhas de passado, pois do presente de há anos a mais para cá nada sei, nada vi, nada fumei ou cheirei: o odor da realidade está ausente e é dessa carência forte que busco cura quando, a exemplo, pego num 'calhamaço' como o que o Machado divulga de Elíseo Macamo e sento-me na marginal a folhear, sem pressas, sentindo que aspirando o sal e esperando o sol se pôr, certamente, saberei ler melhor e, às vezes, até entender também melhor. É o que tenho andado a fazer, e pelas razões ditas recomendo a leitura: aos que gostam da poda mas nunca lá estiveram ou pensam vir a estar, imaginem que é estudo sobre outra qualquer realidade de telejornal ou tese política sobre a praxis dos partidos únicos e o assalto ao Estado: sempre vale a pena ler, mais ainda àqueles que sabem mais palavras bonitas além de kanimambo ou machibombo.

Thanks Machado: tem sido bom ir à terrinha, até à marginal com o Macamo debaixo do braço.


(o mapa da "terrinha" estava com o (os?) Clinton)