sexta-feira, março 02, 2007

da Ilha e das ilhas

Mais que o olhar próximo e distante do académico, ou o cirroso do turista "porque calhou e já agora tiro umas fotos", um texto-a-ler-mesmo sobre uma ilha que não está no meu arquipélago (aproveitando o núcleo duma feliz frase que ontem e-recebi). Um resmungo sentido de quem - não duvido uma décima! - dez anos de África, ao caso Moçambique, tomaram da tal paixão de que se fala quando África está na mesa (dela, o pior vem depois: o sempre longe dos habitats divididos). E digo-o porque leio lágrima gémea à de quem se indigna com o "deixa andar" que tolere o destruir dum qualquer bairro de infância, paredes memória tão pessoais que, mesmo quando a vida delas distancia, se encurtam ao menor clique duma notícia, uma referência. No caso é o Ma-schamba, verdadeiro "embaixador cultural" de Moçambique na Internet pela infatigável divulgação que nos dá e sem se esquivar ao comentário crítico, essa coisa boa e que tanta falta faz em tanto texto que para aí se lê e mais parecem versões pessoais de 'notas oficiosas' de agências de viagens ou de estatais departamentos de turismo.
Ele avisa que é "texto longo" para blogue. Nada contra em duas ocasiões muito claras, digo eu: a) se esse lençol for meu; b) quando é como o linkado: estou farto de floreados em tinta-da-china, rocócós paternalistas, e sequioso de pincéis que pintem assim, por extenso e em cor forte, pensada. Já há dias o falei a pretexto das reflexões de Elíseo Macamo sobre a pornografia do Poder e a freira devassa que é a Frelimo, e que o "Ideias para Debate" tem divulgado, esse outro complemento quando procuro ler além de "saudosismos" ou "olhares turísticos" sobre a minha outra parte dos tais habitats divididos, a 'tal coisa' de que se fala.
Veio ontem a Segunda Parte, promete e cumpre e é «texto longo» que ainda não li, logo à noite haverá mais tempo. Interesso-me "da Ilha" por, mesmo das tais 'ausentes no meu arquipélago' sei da sua mágica pessoal e da força da sua História porque o ouço e leio e ela é referência-mor quando se fala de encantos, junta-se o espreitar de fotos que dela mostram os romances, contos ou poemas onde tantos dela contam em paixão escrita na sua areia molhada, ilha assim também minha. Ela é "a Ilha" do meu imaginário, tardia substituta da de Crusoé ou a de If.
Posto dois poemas 'à' Ilha de Moçambique, um de Rui Knopfli e outro de Luis Carlos Patraquim:
MUHIPITI
É onde deponho todas as armas. Uma palmeira
harmonizando-nos o sonho. A sombra.
Onde eu mesmo estou. Devagar e nu. Sobre
as ondas eternas. Onde nunca fui e os anjos brincam
aos barcos com livros como máos.
Onde comemos o acidulado último gomo
das retóricas inúteis. E onde somos inúteis.
Puros objectos naturais. Uma palmeira
de missangas com o sol. Cantando.
Onde na noite a Ilha recolhe todos os istmos
e marulham as vozes. A estatuária nas virilhas.
Golfando. Maconde não petrificada.
É onde estou neste poema e nunca fui.
O teu nome que grito a rir do nome.
Do meu nome anulado. As vozes que te anunciam.
E me perco. E estou nu. Devagar. Dentro do corpo.
Uma palmeira abrindo-se para o silêncio.
E onde sei a maxila que sangra. Onde os leopardos
naufragam. O tempo. O cigarro a metralhar
nos pulmões. A terra empapada. Golfando. Vermelha.
E onde me confunde de ti. Um menino vergado
ao peso de ser homem. Uma palmeira em azul
humedecido sobre a fronte. A memória do infinito.
O repouso que a si mesmo interroga. Ouve.
A ronda e nenhum avião partiu. E onde estamos.
Onde os pássaros são pássaros e tu dormes.
E eu vagueio em soluços de sílabas. Onde
Fujo deste poema. Uma palmeira de fogo.
Na Ilha. Incendiando-nos o nome.
Luís Carlos Patraquim
(está em dois dos meus 'arquivos de coisas bonitas': aqui, e aqui.)
.... .... .... ....
ILHA DOURADA
A fortaleza mergulha no mar
os cansados flancos
e sonha com impossíveis
naves moiras.
Tudo o mais são ruas prisioneiras
e casas velhas a mirar o tédio.
As gentes calam na voz
uma vontade antiga de lágrimas
e um riquexó de sono
desce a Travessa da Amizade.
Em pleno dia claro
vejo-te adormecer na distância,
Ilha de Moçambique,
e faço-te estes versos
de sal e esquecimento.
Rui Knopfli
(gamado e bem-gamado aqui, parece a caverna de Ali-Babá-escritor!... :-), idem para a L. que também o tem lá na sua caixa de tesouros)

1 Comments:

Blogger jpt said...

obrigado pelo eco, claro. e abraco

8:44 da manhã  

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