sexta-feira, março 09, 2007

pontes de poesia

Ontem aconteceram várias coisas. Numa delas perdi-me e noutra encontrei-me. No meio houve mais mas fico com a caneta ao balcão dos perdidos e achados, dou ao escrevinhar (e ontem, no tal meio, escrevinhei, eu escrevinho sempre).
A minha capacidade de me perder entre três quarteirões já passou a fase da piada e, se praticado em Lisboa, já não é anedota mas realidade que a ponte se me torna uma constante, uma obsessão, o caminho mais rápido que encontro entre, a exemplo, quaisquer dois pontos nas sete colinas, se não no imediato óbvio ligadas por carris que me sejam habituais: já me aconteceu querer ir de S. Bento para a marginal e ir dar a volta a Almada, idem para um praça de Espanha-qualquer outra zona desde que fique na zona costeira: tenho íman ao rogar de pragas que vocifero sempre que, naqueles primeiros metros em que se adquire a certeza do erro e já é impossível retroceder, resmungo-grito-praguejo à ponte que, já piso e me olha, trocista, num "e à volta cá t'espero" que já soa a piada a mais, excessiva a todos os que comigo calhe estarem nestas bajas que improviso a cavalo no erro e na absurda tara pela ponte, ferrame e penduricalhos a que não consigo lobrigar qualquer erotismo por muito que persista e a olhe de esgelha.
Assim e em resumo conto que para fazer uns 20/30 kms que estão entre si ligados por A, AE, IP, IC, N, e mais toda a sinalética do raio que os parta, demorei hora e meia e, completamente perdido, pedi em quatro vezes informações que baralhei cinco minutos depois, levei quase às lágrimas um taxista a quem contei das minhas profundas dúvidas cartográficas, aterrei finalmente no colo que procurava e onde, vamos à segunda parte, encontrei quem esperava e mais outros ainda.
Tudo a pretexto da Bienal da Lusofonia que a câmara de Odivelas organiza no centro cultural Malaposta (dela avisei aqui), o mote era poesia mas o pretexto o dia da Mulher, ontem, Mulher tudo mas mais isto, poesia, sempre, das musas e de seu olhar poema, mai-lo resto que não digo e só catrapisco, pois até a absurda ponte se me empalidece quando se me alça ao pensamento além-ponte o olhar fêmeo que repica todos os sinos, sem dia certo e em todas as portagens e caminhos, junte-se-lhe um poema e eis pólvora e eu suicida de cinto posto à ilharga do opaco, essa janela que quero fechada trezentos e sessenta e cinco dias da vida, não naquele tal e o resto é fado, é vidinha ;-)
Na largura de banda do conceito 'lusofonia', ontem, físicamente ausente só estava S.Tomé e Príncipe, mas, das palavras de lá, houve quem delas nos disse-se, e bem - eis uma das razões porque não podia faltar ontem mesmo correndo os horríveis riscos de revisitar a ponte, esse meu terror obsessivo: sabia de vozes que haveria, ainda houve a surpresa das que não contava ouvir e lá reencontrei, mais todos os outros com quem nunca imaginara um assim partilhar. Noite boa, noite que durou como todas elas deveriam acontecer quando assim, boas: o sol espreitou-me ao nascer e até julguei ler-lhe raios incendidados em voz quente, envolvente: ouvi há tempos, e lá matuto com intrometido gosto, a expressão de que a poesia é o diálogo com os deuses; ontem no Malaposta havia janelas abertas suficientes para conversas intermináveis, e hoje, dela, contar que ontem perdi-me ontem encontrei-me, falavam com os deuses a meu lado e isso, queira ou não o raio da ponte, é coisa sublime e enternece.
(lá, no 'meio', escrevi: "quanto mais papel leio mais desejo que se salvem, ao menos, as árvores da poesia"; outra: "que o amanhã seja passado e o hoje não pesado"; e de mais não conto, o resto é longo, é o tal escrevinhado e ele um dia cá virá espreitar-se e espreitar-vos, curioso sairá da capa preta e do blogue fará varanda ao sol, jarro de flores e de cannabis e tudo, como o outro diria se do pôr-do-sol africano tivesse visto mais que aguarela baça, fugidia)
(imagem daqui)