sexta-feira, abril 28, 2006

o mauricio_212


Não sei se vocês sabem quem é: eu não. Ou se recebem mails dele. Se respondi não à primeira, à segunda digo que sim e volta não volta recebo mails dele, sim. É um gajo que não desiste, e faz-me suspirar por causas mais clássicas como defender o lince da Malcáta, o mirandês ou o direito a fumar. Já não não lembro de quais foram as primeiras causas pelas quais ele me enviou lençóis de argumentos bordados a adjectivos, mas houve uma altura que parei de ler e passei só a registar a sua sobrevivência. Ele não desiste.
E gosto. Se 'hoje' o tema é desancar no iminente crash dos combustíveis e o derivado futuro negro, 'amanhã' poderá ser pelo urgente preparar do primeiro contacto com alienígenas ("eles andam aí..."), há um relato detalhado deste apocalipse que o seu olhar vê e conta-nos, congestionado, das suas terríveis preocupações; ele é o profeta de Hyde Park e, já o contei doutra vez, o pessoal do banquinho e do escadote é uma das minhas mais sérias intenções turísticas. Ele, os seus mails periódicos, constituem parte da rotina da vida virtual, que, como a outra, precisa de manifestações períodicas de regularidade para se sentir a segurança de que o mundo gira e rola, e tudo o resto é tão secundário que terá mesmo é de correr bem. Se calho dar-lhe uma leitura transversal e ele me 'agarra' e sigo a trama & derivados até ao clímax final, até embarco em manifestações inesperadas e antes completamente insuspeitas à sua existência, como a justa luta duma comunidade no meio das montanhas pelo afastamento do pároco, suspeito de fazer da caixa de esmolas seu dinheiro de bolso, e, além disso, excessivamente severo nas penitências por pecados sexuais. Coisas assim motivam-me, e o mauricio_212 já me apanhou alguns pontos fracos.
Refila-se por todo o lado acerca do spam (ainda hoje o jornal trazia um quarto de página) e não sei se vocês-machos precisam de tomar Viagra. Eu, muito felizmente, ainda não. Lá chegarei, pois adorava chegar a velho - velhote - ancião - debochado atrás de enfermeiras, por esta ordem. Mas ainda não e recebo diáriamente propostas de venda, ou pelo nome ou pelo dum primo chegado, Vaigra, de malta amiga como 'CarlySimon', 'Chet_#77' ou 'cherrywalker', amigalhaços altamente preocupados com a hipótese de eu já não o pôr direito, coisa que me deixa duplamente envergonhado dado dispensar o dito e não os conhecer de lado nenhum. Isso é spam, e chateia recebê-lo. E nem me contam das grandes tragédias iminentes, só me falam das minhas pequeninas pessoais, ainda por cima com muito mau gosto na falta de pontaria.
Não sei se vocês conhecem o mauricio_212. Eu gosto dele, sem o conhecer. É teimoso, não desiste. Às vezes eu sinto-me também "mauricio_212" e Hyde Park é já ali ao lado, digo, é já algures também por aqui.
(imagem daqui)

miocárdio náutico


Sempre que se apaixonou levou dois tiros no porta-aviões.
Além do preservativo passou a usar uma bóia insuflável na aorta sentimental.
(a imagem do quadro, "Heartbrake in Abstract II", foi gamada aqui)

um sábado e um poeta: Patraquim em Almeirim


Já o tinha mencionado mas convém recordá-lo. O Luís Carlos Patraquim, poeta e escritor moçambicano, vem amanhã a Almeirim ao café-livraria "Copo com Texto", conversar sobre poesia.
Momento a fruir por quem não é indiferente àquela musa, havendo ainda oportunidade de ouvir 'Nora Villar' (que lhe dedicou recentemente um programa de rádio) declamar alguns poemas.
Recomendo este post do Grilo Escrevente, onde o bloguista apresenta uma (excelente) súmula da obra do poeta e da sua importância nas letras lusófonas.
(imagem gamada no blogue do Xarim)

O grau mil da escrita*

(a IO deu-me o pretexto, neste post)
Há a imagem recorrente que persegue o escritor, e digo-o tão até por estar constantemente a vê-la/lê-la, em mim e nos outros: o silêncio da caneta poisada na mesa, imóvel, seca de tinta sua que anime a triste alvura da odiada virgindade da folha de papel.
Não que eu acredite que quem já escreveu tenha em inesperada desgraça deixado de compor mentalmente textos ou proto-textos. E tantos felizes ou prometedores, que depois se esvaem nas ridicularias que asfixiam os dias ao criador. É mais que um hábito ou um vício, é a forma de existir do escritor, de viver olhando em volta, diferente no seu olhar cobiçoso que em tudo pretextos para perseguir o seu grã-texto. Uma doce ilusão.
Pegar na caneta e rasgar a folha para contá-los, autografando-os, eis o drama, a preguiça e os medos, a diferença entre o conseguir subir às estantes ou ficar pelo confortável banco de leitor, essa espécie intermédia entre as iletradas formigas palradoras e os magos que produzem a sua vianda.
Algures situar-se-á a famosa "gaveta", túmulo de promessas adiadas, inglório jazigo de tanto texto vivo e erradamente diagnosticado como morto. Liberdade para eles: nenhuma tinta é gasta em vão! as letras hoje soezas, trôpegas num alinharem-se indolente, são retratos de momentos, frescos iguais a este e a milhões iguais, que segundo a segundo são paridos por canetas que saltaram para a mão e desfilaram linhas-letras, palavras e frases, escreveram.
E, pergunto eu que escrevo e leio, a ti que escreves e lês: haverá outro autógrafo de escritor além dos seus escritos?

* parodiando o título dum famoso ensaio de Barthes
(imagem daqui)

A minha Filipa!


Como 'ando numa' de mostrar a descendência, a seguir às fotos do Miguel, da Carla e da minha 'neta' Tufas, apresento-vos esta miúda linda e doce, a minha Filipa!...

Ora digam lá se eu e a(s) mãe(s) não trabalhamos bem, hein?


Em especial para o Miguel que ainda não conhece a "sobrinha", aqui vai uma foto da miniatura, ao colo da mãe babada.
Brevemente tenho de fazer um post sobre puericultura...

quinta-feira, abril 27, 2006

Parabéns, Miguel!


Separa-nos um oceano. Inteiro, atlântico de distâncias, enorme principalmente hoje, dia do teu aniversário. Tens, já, 24 anos. De maturidade, responsabilidade e inconformismo, nos nossos vinte e quatro anos só leio páginas de que me orgulho. Decidiste partir deste engano de futuro e traçar o teu, procurar as hipóteses de sorrir que, aqui, se te negavam por osmose nacional. Com coragem, com ânimo, arriscaste e, por certo algumas vezes tremendo no pensar do dia de amanhã, estás bem perto de triunfar nos objectivos que te colocaste.
Mas, Miguel, isso já é quase secundário... Tu já triunfaste, formaste-te a ti próprio como um Homem completo, um Homem de que eu tenho um enorme orgulho em dizer que é meu filho.
Parabéns, hoje, parabéns sempre por me dares a alegria de ser teu pai. Amo-te, sabe-lo, mas não sabias é do orgulho que eu tenho em dizê-lo assim, publicamente.

Imprevisibilidades do 'choque tecnológico'



A Tété anda zangada com a escola e os colegas, não assina o 'ponto' e ralha que se farta no blogue (é para isso, também, que eles servem, né?) mas, como entende - e bem! que o humor não só é panaceia recomendável para os males do quotidiano como é actividade lúdica que, fazendo-nos sorrir, também muito nos diz, e tem do mesmo visão aberta e reservas de arquivos que parecem inesgotáveis, brinda-nos de vez em quando com peças... bem, não digo mais: vejam este vídeo! Eu ainda estou a gargalhar! :-)

quarta-feira, abril 26, 2006

Galeria de Arte de "novos socialistas"?

Não ouvi o discurso do PR na sessão solene do Parlamento pelo '25 de Abril'; se nem antes os ouvia, agora... Mas fui, curioso, ler os ecos e o resumo à imprensa, aqui pela net.
Fazendo fé nas análises dos críticos, o meu primeiro pensamento é que os CTT bem se podem preparar para mais entregas ao (novo) domicílio de molduras de retratos de ex-presidentes partidários, pois quer-me bem parecer que o precedente "Largo do Caldas - Largo do Rato" vai ter continuação com 'Rua de S.Caetano - Largo do Rato'.
Ficam em falta os retratos do inefável camarada Carvalhas, do E.T. Manuel Monteiro e (quem sabe...) seu sucedâneo multi-vitaminado 'Paulinho das Feiras', para a Galeria de Arte passar a mostra representativa do Socialismo Século XXI.
Irra! e ainda falam dos albergues espanhóis!...
(encontrei o carteiro aqui)

terça-feira, abril 25, 2006

Conto com 4 pequenos capítulos


1

Tinha dois meses e meio e naturalmente que era muito brincalhona. Corria atrás de tudo que lhe atiravam, mordiscava os pés de quem passava e corria a casa toda até se deitar junto a um deles, ofegante, a barriguita exposta e as patitas dobradas, felpuda, sedenta de carinhos que a ela, bebé ainda, lhe sabiam muito bem. Gostava especialmente de dar dentadinhas nos dedos que a coçavam na barriga e se lhe ofereciam, e adorava sentir resistência quando os seus dentitos se cravavam, afiados como pequenos punhais, cumprindo instinto genético que lhe impelia os maxilares a morder tudo o que se mexesse, num treino das suas presas naturais próprio da ainda tenra idade.
E rosnava baixinho, deliciada com estes pequenos jogos de caça, brincadeiras que também eram estimular as defesas que a espécie lhe dera.
Com muita brincadeira à mistura, pois a energia dos tenros dois meses e meio dava-lhe uma encantadora hiperactividade ao corpo ainda minúsculo e todos lá em casa se divertiam a vê-la correr entre as cadeiras e debaixo das mesas, o rabo agitando-se de contente, atrás da bola ou de qualquer coisa que lhe atirassem, que, divertida, caçava até conseguir detê-la e, com engraçada ferocidade, mordiscar até se cansar.


2

Um dia fugiu pela porta aberta para o quintal, que correu cheirando tanta coisa nova, voando sobre as folhas com o nariz encostado ao chão, cheirando, treinando. As folhas secas, que fugiam sobre as patas, atraíam-na especialmente: corria atrás delas, empurrando-as com as patas e mordendo-as até se desfazerem em pedacitos, brinquedos cadáveres que então ignorava e corria atrás doutra, e doutra. Tanta brincadeira!... Foi correndo e brincando, saltou umas pedras e viu a mata em frente, enorme e prometedora novidade: tanto para brincar… qual bonequito de corda, deu uma rápida corrida com o rabito no ar, atravessou os vincos que os carros deixaram na areia quente que as almofadas das patas logo sentiram, e rapidamente desapareceu na folhagem.

3

(é teu. não tens pesadelos?)



4

O céu como que desapareceu com o enorme vulto familiar que corria, enorme, também enorme na alegria de bebé que se via nos olhos, grandes e brilhantes, a húmida língua pendurada numa boca enorme que se abria num sorriso canino, exibindo os punhais que cresciam e brilhavam como lâminas. Num salto caiu sobre o capot dum carro que fez plof e a fez baixar, rápida, o focinho, farejando e a língua tacteando, mas rapidamente desinteressou-se e olhou os bonecos que mexiam, corriam. Queria brincar.

E brincou. Brincou com alegria, juvenilmente trapalhona no movimentar-se no pequeno jardim que parecia desajeitadamente estranho, na casota apertada cheia de pequenos obstáculos na sua perseguição aos bonecos que fugiam, tão engraçados, íman irresistível à brincadeira.
Derrubou móveis e saltou por cima de muros, correu, até que se cansou e foi deitar-se lá fora, no quintal, de barriguita para o ar. À espera dum dedo gordo que a coçasse e para morder, também. Já mordiscara os bonecos todos, todos, não escapara nenhum. Mas eles já não corriam, não brincavam, nenhum mexia.

Rosnou, feliz. De patitas para o ar. Felpudas.
(imagem sem link: já não me recordo de onde a encontrei)

lonely square


Antes, o desfile. As eminências. Os apaniguados. A estratificação presente. O lento e quase passear pelo jardim, torneando os canteiros recuperados pelas últimas eleições (abençoadas eleições que recuperam periódicos canteiros, aqui e ali, quadriénios aquis e alis) O passar lento, os passos arrastando-se no vagar dos olhos que olham quem está, o tique que os arrasta para o grupo das eminências conversando mostra, denuncia, que mais que verem quem está querem ser vistos estando. Olhos pirilampos, brilham e não iluminam, brilham para serem vistos. O arrastar do cortejo em volta do palco onde os músicos afinam posições e instrumentos, dos canteiros quadriénios, das vidas vestidas em blasée despreocupado de noite de primavera revolucionária: tons claros, quase juvenis, que nos 'outros' dias toldam-se em guarda-fatos paletas de castanhos e cinzentos, suas cores primárias. Os velhos que continuam a vestir o seu luto, prematuros, esses resistem à moda ou não têm, simplesmente, roupa para serões revolucionários.

O músico canta. Canta e sua: vê-se à distância e ouve-se quando à segunda (e antes de mais duas) diz, avisa e previne que vão terminar já já. Cumpre-se o reportório, mas há as velhas (velhas? velhíssimas, por favor!) guardas do rancho folclórico que ainda vão actuar, e só há um palco, lá nos canteiros. Os prematuros... seria por isso? e, mais, avisa, lembra e vai dizendo, há o fogo de artifício que tem hora certa e é noutro local. E é preciso estar-se lá, os pirilampos precisam de migrar, há outros canteiros a regar, há a estratificação, há as eminências e os pirilampos brilham para serem vistos a brilhar. Blasée, por favor; a noite está agradável e amanhã é feriado e agora vamos todos trautear. Trauteamos, canta e sua. Às tantas pensei estar sentado num cinema mas afinal estava de pé e o meu pé batia ao ritmo de venham mais cinco. O pé trauteador. Sentado, assistia ao "baile dos bombeiros" do Milos Forman e só tinha pirilampos para olhar os quadriénios canteiros à espera de ver um prematuro levantar o seu blasée de cores primárias e caminhar-marchar para o palco, venham mais cinco. Não, não vieram.

Veio o rancho, "velhas glórias", eu vim-me (do verbo vir, regressar) para o meu canto, lonely square de paleta particular, e não fiz a romaria. Depois contaram-me que, este ano, o fogo de artifício esteve bem composto e iluminado: terá sido dos pirilampos, afinal é primavera e a noite recomendava-se blasée.

Releio, e recordo o meu pé trauteador. Venham mais cinco. Venham!

(a foto foi encontrada aqui)

segunda-feira, abril 24, 2006


25 de Abril... Não escrevo nada de 'especial'. Meto os versos do "Grândola, vila morena", do Grande Zeca Afonso, e pergunto se há alguém que não os tenha cantado, gritado, trauteado ou somente murmurado sem sentir a chama da esperança aquecendo-lhe o peito. Onde pára esse calor? essa chama?
Vamos tentar... Canta. Canta baixinho, lê os versos e sente-os cantar dentro de ti, deixa subir-te à memória aquele calor que estas meras palavras, rimadas com tanto de ti, eu, nós, tanto nos aqueceram esperanças e incendiaram ilusões. Ilusões. E porque não? porque não ilusões se é delas que também nascem realidades? do lutar por elas, do acreditá-las?

Canta, meu Amigo, ouve os teus lábios a cantarem: "Grândola, vila morena...

....
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade

Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena

Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade

Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena

À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade

Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
...................................................
'sentiste'? ok, não te esqueças da letra, hoje vamos trauteá-la mais umas vezes. E da emoção, por favor: não te esqueças dessa, principalmente dessa...
Agora vou, vamos sair. Até ao 'jardim da república' cá da city, onde há música ao vivo e, certamente, haverá bem mais para ouvir que o "Grândola". Mas esta também estará, se ouvirá, se cantará. Sempre!

(com imagem da capa dum livro ao qual estive para ir buscar o meu poema do '25 de Abril'. Porém, relendo-o, achei mais próprio pôr a letra do "Grândola". Gostos... gostos e velhice)

domingo, abril 23, 2006

fim de semana




Ontem e hoje as tardes foram passadas quase exclusivamente em volta dos livros, surpreso não só com o pó acumulado mas com as raridades que encontrei, já perdidas na memória... Sendo impossível arrumá-los, alguma lógica dei à desarrumação.
As manhãs de fins-de-semana são, obviamente, matéria íntima; e as noites, oh as noites... essas caiem gloriosamente no domínio do confidencial.
... e o "quadrão" (é a letra 'O' e chama-se "moro no azul") levou mais um esticão, está quase-quase. Para ter o meu 'serviço particular' em dia só me falta acabar a peça de teatro - que está bem encaminhada, anuncio.
Entretanto... o blogue sofre...

sexta-feira, abril 21, 2006

(começa adiantado, depois divaga no pó dos arquivos)


Nesta altura já anda tudo a afiar a caneta para ‘o’ post do 25 de Abril, e do 24 e do 26, ab nauseum.
Que a pena seja ligeira e que não se vá em modas. Para nem os foguetes soarem a baile dos bombeiros, nem o carpir ser especialmente cínico.
Por exemplo dizer que a blogosfera nunca poderia existir assim, livre, em ditadura fascista. E não esquecer de dizer que se tira a ilação por ela não existir nas sobreviventes, comunistas (China ou Cuba, por exemplo). Pensar no resultado e escrever em consonância. É só, e eu gostava de ler muitos posts assim, pr’a semana.
......................
Fora do tema e com pretexto na imagem escolhida: a reprodução do poster de Maria Velez foi encontrada neste blogue, mais um que está parado há já um ano... A blogosfera em 'arquivo morto' é hoje uma formidável base documental, cada 'pasta' compilando montanhas de informação, fruto de milhões de pesquisas solitárias, acumuladas. Haverá um dia motores de busca suficientemente inteligentes e expeditos, que disponham este enorme património colectivo a um acesso fácil, lógico e sequencial? Este comentário não tem a mínima ligação ao conteúdo ideológico concreto deste ou de qualquer outro 'blogue zombie' que ande por aí a vaguear: ocorreu-me por encontrar a foto num blogue que desconhecia em absoluto e, catando um mínimo só fiquei a perceber que era afecto a uma espécie de associação de intervenção social com uma data de propósitos e de ligações internacionais, mas de que eu nunca ouvi falar. Ocorreu-me pois não é raro cair por acaso num site ou blogue com todo o aspecto de cadáver, que se mostra cheio de coisas interessantes acerca de tudo e mais alguma coisa. É um património imenso, repito, é a maior herança cultural alguma vez deixada em registo por uma geração; organizá-la é impossível pois é ciclopicamente impossível: a solução tem de passar por uma busca com software cada vez mais sofisticado, motores específicos para terem maior 'sensibilidade' a "temas", algo que vá mais além dos resultados das buscas pelas demasiado abrangentes 'palavras-chave'.
..............
Vou dormir. Amanhã vou de xitimela até Lisboa, vou estar o dia todo sem net... Sobrevive-se, mas há sempre 'aquela' coisa que falta e, volta não volta, está-se a pensar nela...

quinta-feira, abril 20, 2006

Literatura de viagens



Logo ao lado, na mesma página de jornal do artigo comentado no post anterior, a caneta de EPC trata com gosto os 'escritores de viagens': mais que delicadeza li respeito pelas suas criações. Ao contrário de tanto leitor que, julgando-se mui erudito, considera o género indigno do seu olhar.
A ler, também, por quem for a tempo de encontrar o diário, essa injusta vítima predilecta dos calendários e cemitério de tanta boa e acertada prosa.

Gosto muito do meu bairro.



No Público de hoje (artigo só disponível online a assinantes, e no em papel é extenso demais para a minha paciência dactilógrafa), JPP disserta sobre "a fauna das caixas dos comentários" nos blogues; centrado nos hiper, à dissecação não se salva o 'nosso' micro-cosmos internauta: sucedâneos dos chats, quando são em chuva de dezenas já deixam um ar de conversas na esplanada e JPP sabe reparar que o vento faz remoinhos que despenteiam quando as portas não páram quietas.
Utilizando o pronome pessoal, encontrei conforto para o meu desconforto que já conhecem. Assim, micro, estou bem. Não gosto de chats, gosto da palavra calma entre amigos, qualquer uma uma confidência; e esta é a melhor palavra para rimar com essoutra, amigo, espécie que as multidões não são conhecidas por proporcionar.
Que este micro post-comentário seja lido como o meu grato abraço aos que aqui já comentaram, e no outro, no outro e ainda no primeiro. Fora os muitos comentários que perdi quando tive de formatar o disco, tenho-os todos guardados. E leio-os, de vez em quando: esses/vocês são a minha mesa de café, local que frequento por prazeres que são inexistentes quando ele é palco e passerelle. Portanto e em resumo, a concordar com ele, JPP. Por, também, preferir a qualidade acima da quantidade. E também um abraço aos 'calados', mesa a que não me esquivo e onde tanta vez me sento por gosto... eu 'leio-vos', 'lendo-me'...
(uma foto duma aldeia? à procura duma encontrei a de cima aqui, e gostei dela: fica)
NOTA: afinal o JPP publicou o texto da crónica, integral, no Abrupto. Cliquem, vale a pena ler. Pena que o EPC não tenha um blogue...

quarta-feira, abril 19, 2006

(...)



Dito muito rapidamente, pois até tenho vergonha do 'tão mal' que tenho tratado o blogue: estou a pintar um quadro que parecia enorme, e deu e está a dar trabalho equivalente. Daí... sorry, mas as paixões valem é por viverem-se intensamente, sugar as emoções até à última gota; depois logo se vê o que realmente há mas quando se está apaixonado curte-se, e mais nada. Senão, não vale a pena. E as horas com a tela à frente passam tão bem, evade-se, são tempos serenos em que, até, quase me esqueço de fumar. Não são só as mãos ocupadas, é também a mente que só existe para ali, a descoberta do pincel e o magnífico jogo da cor.
(a foto do meu amigo estava aqui)

segunda-feira, abril 17, 2006

o "Notícias" faz 80 anos


Há jornais com quem crescemos. Seja por ser 'o jornal que o pai compra' ou o que o 'nosso' café disponibiliza, até que, crescidotes, começamos a tomarmo-nos de amores por um deles e, salvo ligeiras facadinhas, a fidelidade mantém-se.
Em Moçambique o principal jornal, antes e depois da Independência, sempre foi o Notícias. Não me lembro se nos meus tempos de miúdo os cafés e pastelarias tinham jornal à borla para os clientes lerem mas recordo-me bem de que era o jornal que o meu pai comprava, e eu lia as tiras de BD, no 'desporto' as notícias sobre automobilismo, e acho que ao fim-de-semana havia um suplemento juvenil. Mais tarde, outras páginas. Em resumo, o Notícias acompanhou-me enquanto andei por África, já lá vão trinta anos...
Ora o jornal foi fundado em 1926 (por Manuel Simões Vaz) pelo que faz agora a bonitinha idade de oitenta anos. Sei lá se para comemorar ou para aliar os proto-pecados de ler jornais com o de navegar na Internet, o Notícias já tem edição on-line (é inovação recente, ao que calculo mais do que sei, que só li isto). E, entretido com o brinquedo novo lá andei a passear, pequei à vontade mais duma hora: li tudo, ou quase. A parte final do artigo de Lourenço do Rosário, também pela curiosidade por lembrar-me dele aqui tão perto, em Santarém, já lá vão senão vinte uns bons quinze anos; o desporto, agradado com uma secção de tal título e que não tem overdose de futebol, entrevistas a jogadores, dirigentes, negociantes, árbitros, roupeiros (ou meros vizinhos de cada um deles), as tricas, o longo vómito das mais de cento e cinquenta páginas diárias nacionais (cá, portuguesas) dedicadas a tema tão modesto. Um caderno cultural bem recheado. Uma secção de política internacional sem os senhores Berllusconi e Prodi, Villepin ou Bush. E mais os outros, já sem falar nos nossos 'locais', de que já não há paciência para ler as suas mui doutas baboseiras - regra. Na sua simplicidade (que não sei se a edição em papel acompanha) foi agradável, pelo diferente. E também satisfeito por não vê-lo transformado, via 'necessidades empresariais', em pasquim de faca e alguidar (mas sem ilusões acerca das notícias de fait-divers, ainda ausentes que o site é mocinho, mas que irão aparecer, lá como cá)
Ora bem: isto tudo para loar ao jornal da minha infância e juventude, e para dizer que me ri a bom rir com as 'estórias da redacção', evocadas no seu caderno especial comemorativo dos seus 80 anos. Permito-me (até para minha facilidade futura de releitura) fazer 'copy-linkada' à totalidade do artigo, assinada por R. Caldeira:
Em pleno Governo de Transição, as greves e as reivindicações aconteciam um pouco por todo o lado. Estava na moda. No Notícias, a Direcção decidiu antecipar-se a uma eventual greve e proceder a um 'gordo' aumento geral, naturalmente muito aplaudido em reunião geral para o efeito convocada. E mais: os trabalhadores do turno da noite, passariam a usufruir de um subsíbio de 20% sobre os demais. Novos e vibrantes aplausos, até que alguém interroga: "E no mês em que estarei de férias, terei ou não direito aos 20 por cento?" A resposta veio de um colega da plateia: "Bom... isso depende. Se gozares as tuas férias à noite, terás direito aos 20 por cento. Mas se as gozares de dia..."; As imaginadâncias do Mia Couto: Mia Couto, quando director do Notícias, já tinha as suas 'imaginadâncias', embora não as pusesse no papel. E é assim que numa reunião sobre procedimentos aconselháveis a um jornalista perante os dados de uma notícia, ele clarifica: "A primeira triagem a uma notícia deve ser feita pelo jornalista que a recolhe, fazendo um juízo sobre se os factos têm uma base para serem verdadeiros ou não. Por exemplo: se vos vieram dizer que ali o senhor Willy Waddington (na altura já com mais de 80 anos) anda a violar menores, é claro que devem fazer uma rigorosa investigação para saberem se a notícia é verdadeira ou não" A Julieta e a camioneta: Ferdinando Mendes, administrador da empresa dos momentos difíceis, era considerado um verdadeiro 'unhas-de-fome'. Os tostões eram contados e recontados, numa gestão à moda do cantineiro. Pois o bom do Ferdinando tinha uma grande insuficiência auditiva, mas ao que constava, usava por vezes isso como um trunfo para quem lhe viesse pedir um adiantamento do salário. Nessas alturas, ele fazia por não ouvir nada. Um episódio pitoresco aconteceu numa das reuniões da Direcção. Estava ele posicionado ao lado do chefe das Oficinas, Henrique Costa, que lhe ia gritando ao ouvido, todos os pormenores em discussão. Deu-se, então, um engraçado equívoco. Mia Couto era o director do jornal e perguntou: "Ferdinando Mendes, como está o problema da Julieta?" (Tratava-se de uma competente funcionária que queria sair da empresa). A resposta: "Sobre isso, senhor director, posso dizer que ela, a descer, não apresenta problemas. O Romão, chefe dos transportes, experimentou-a na descida do Jardim Tunduro e portou-se bem. Mas tem dificuldades a subir, parece que precisa de segmentos!" Os presentes entreolharam-se, até que o Henrique Costa colou a sua voz ao ouvido do administrador e foi-lhe dizendo que se estava a falar da Julieta... "Ai é? Pois eu julgava que estavam a falar da camioneta" Arroz: três horas para lhe dar um destino: O Notícias chegou a ter uma equipa de futebol temível e que até participou em vários campeonatos para trabalhadores. Um dia, fez uma deslocação ao Chókwè, em tempo de carências, tendo ganho o torneio que enquadrava mais três equipas. O prémio foram três saquinhos de arroz de um quilo para cada jogador. O director era o Arlindo Lopes que, já na empresa, recebeu a Taça. E que destino se daria ao arroz? Reunião geral de emergência, para se decidir. Foram três horas de 'contribuições' para se tentar saber se o arroz seria doado a uma instituição de caridade, se deveria reverter para os que por ele suaram em campo, ou se simplesmente se entregaria ao Centro Social. Ao fim de três horas e porque havia um jornal por fazer, o ponto foi adiado para discussão na semana seguinte; Ex-Sporting versus ex-Benfica: Num comício ao seu estilo, o presidente Samora Machel decidiu que, a partir daquela data, cessavam em todo o país as designações de clubes, cuja raiz estivesse ligada à colonização, bem como aqueles que transportassem tribalismo, regionalismo, etc. Saídos do comício, os homens da comunicação tiveram encontros com o então director nacional adjunto, João Carlos da Conceição. É que se já não havia Sporting, Benfica, Mahafil, Atlético Mahometano, Inhambanense e outros, que designação se usaria nos jornais para os identificar, uma vez que as competições continuavam e não haviam ainda novos nomes? O Albuquerque Freire deu o 'mote' e tudo ficou acordado. Continuariam a usar-se as desginações antigas, mas precedidas do 'ex'. Assim sendo, o cartaz do dia anunciava jogos entre o ex-Mahafil contra o ex-Gazense, a anteceder a partida entre o ex-Sporting, contra o ex-Benfica, tudo no campo do ex-Sporting! A resistência do Leão: Ainda na sequência da decisão presidencial de abolir os nomes coloniais, a Direcção Nacional dos Desportos orientou os clubes no sentido de também mudarem os emblemas. Abdul Azize, o então presidente do Sporting da Beira, aderiu à mudança para Palmeiras da Beira, mas tudo fez para manter o leão no emblema. Mas depois da orientação, passou-se à proibição. Assim sendo, ao bom do Azize nada mais restava que não alterar o emblema para uma frondosa palmeira, mas... mandou desenhar um leãozinho meio escondido, a espreitar! As 'ratices' do Freire: Em 1979, o Benfica (que virou depois Costa do Sol) de Martinho de Almeida, foi campeão nacional. O saudoso Albuquerque Freire, que dirigia o Suplemento Desportivo do Notícias, dedicou as suas oito páginas ao percurso vitorioso dos então encarnados. O Ângelo Oliveira, sportinguista até à medula, não gostou da monopolização e foi fazer queixa ao Director do Jornal, na altura o Arlindo Lopes que de imediato convocou o Freire para dar um justificação. Perante os factos e um tanto à sua maneira, o Albuquerque concordou e até arranjou uma saída: "Está bem Ângelo. Vou libertar a última página, para tu pores lá assuntos do teu Sporting". R. Caldeira
(Fiz algum tratamento ao texto pois na edição on-line alguns caracteres não aparecem. E os 'bold' também são meus)
(a foto do edifício do velhinho 'Notícias' foi gamada neste blogue, maná de imagens velhas e novas de Moçambique)

domingo, abril 16, 2006

Fotos dos quadros "L" e "M" (substituição)




Neste post tirei duas fotos de telas que tinham má qualidade. Ficam estas. E, neste, da letra "N", a foto também foi substituída, lá no próprio post.

sábado, abril 15, 2006

atrasado: letra "E"

O 'esparguete', melhor explicado dois posts abaixo.

Letra "N"



Título: "sem azul". Consegui fazer um quadro resistindo àquela bisnaga.
(agora as imagens "não entram"... e isto a mim, que sou quase 'engenheiro', e dos loiros...)

O abecedário da cor - actualização



Este fim de semana já pintei dois quadros. Além desses há mais dois, recentes, que ainda não vos mostrei, e um anterior em que na embaralhação do alfabeto pintado 'passou-se' a letra E, e nem se deu por isso. 'E' de esparguete, adianto; mas esse quadro, de que apoiei as críticas aquando foi pintado entre a panela ao lume e os cafés e cigarrada finais a um magnífico esparguete com queijo parmesão, esse, hoje, está a surpreender-me: a maioria das pessoas que já viu, ao vivo, o abecedário, gosta dele. Quando a simpatia já cai para aquela parte do "sabes, gosto de todos, está porreiro. Mas se tivesse de escolher o melhor era entre este e este", neste e neste está sempre o esparguete... e eu de boca aberta e a pensar se isto das pinturas não é como nas escritas, autor e personagens são distintos e quem os misturar engana-se.

Bem, vou às fotos. Não vai haver muita escolha pois sou um nabo no uso da máquina fotográfica digital, e a pequenita não está em casa. Acabo por ter só uma ou duas fotos de cada tela, e estrava a pensar que tinha montões para poder escolher a melhor, com e sem flash, etc, quando vou ver na pasta as fotos após tranferidas para o disco do pc,... e dou com uma data de 'filmes'! não é que deverei ter sido o primeiro gajo a fazer filmes a... quadros? unicamente, sem texto, contexto, nada? lol acho que na escola de Manoel de Oliveira iriam entusiarmar-se com a dinâmica da câmara, a acção!...

Ok., aqui vai um, aliás: uma letra
Letra M: "K/enter be a life". Por causa deste fui 'carimbar' todos os anteriores, e passaram a ter, pintada, a letra respectiva. Enganei-me e julguei que era o 'k'; e a seguir pintei um 'l' que também não era, era o 'n', antes de dar pelo erro. Assim esta lá, tamanho pequenino, um carimbo com a letra 'M'.
Letra L: a ideia é copiada; pior que isso: estava a pintar um rapaz e apareceu-me um seio de rapariga. Decidam vocês, cá por mim só declaro que não aceito baptismo de 'hermafrodita'.
Letra K: "noite e dia"; a tela era tão comprida que achei que lá cabia um dia inteiro, experimentei e meti a noite: cabia.
(clicando nas imagens elas ampliam)
Agora vou meter os outros que faltam, o "E" (o tal 'esparguete') e o "N", um quadro que - espanto! não tem azul.

A "Tufas"



Apeteceu-me voltar a colocar uma imagem da Tufas, a nossa cadelinha. Não é mesmo bonita?
(clicando na imagem, ela amplia)

sexta-feira, abril 14, 2006

Breves notas


A primeira é que o chuinga, da IO já tem - finalmente! casa nova e (parece) a seu gosto, anunciando-se como cave com bebidas, música e máquinas de tabaco. A frequentar assíduamente por pecadores e proto-pecadores...
A segunda é que o Miguel Manso, depois de breve pausa introspectiva, assentou arraiais no largo do karma, logo com um texto de arromba: "A primeira vez que vi Terry Lennox". É como a outra: visita que se torna obrigatória pelo que se lê....
E acabou. 'Notas' também para eu ter links actualizados de onde páro na página de abertura do blogue. Mas principalmente porque os 'recomendo'. Para além da amizade, há a liberdade crítica que não deve ser impedida por aquele bónus, nunca ónus.
Tenho navegado pouco nos blogues: saltito um pouco nos links dos mais visitados (acima, e outros, poucos) pois na blogosfera é como nas mesas de café: a malta senta-se às mesas onde as conversas nos agradam, dão-se voltas ao quarteirão mas a bica e jornal são nas do costume.


(o 'olho' estava perdido aqui)

quinta-feira, abril 13, 2006

Cá a mim parece-me...

(imagem do nóvel pecado encontrada aqui)

quarta-feira, abril 12, 2006

o Mestre ensina


CRÓNICA PARA QUEM APRECIA HISTÓRIAS DE CAÇADAS*
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Estou aqui sentado, à espera que a crónica venha. Nunca tenho uma ideia: limito-me a aguardar a primeira palavra, a que traz as restantes consigo. Umas vezes vem logo, outras demora séculos. É como caçar pacaças na margem do rio: a gente encostadinhos a um tronco até que elas cheguem, sem fazermos barulho, sem falar. E então um ruidozito que se aproxima: a crónica, desconfiada, olhando para todos os lados, avança um tudo-nada a pata de uma frase, pronta a escapar-se à menor desatenção, ao menor ruído. De início distinguimo-la mal, oculta na folhagem de outros períodos, romances nossos e alheios, memórias, fantasias. Depois torna-se mais nítida ao abeirar-se da água do papel, ganha confiança e aí está ela, inteira, a inclinar o pescoço na direcção da página, pronta a beber. É altura de apontar cuidadosamente a esferográfica, procurando um ponto vital, a cabeça, o coração
(a nossa cabeça, o nosso coração)
e, quando temos a certeza que a cabeça e o coração bem na mira, disparar: a crónica tomba diante dos dedos, compõem-se-lhe as patas e os chifres para ficar apresentável
(não compor muito, para que a atitude não seja artificial)
e manda-se para a revista. É assim. O problema é que esta, a que gostava de apanhar agora, não há maneira de se decidir. Bem a percebo ao fundo, escondida, reparo num pedacinho do pescoço, metade de um olho, um frémito de pele, mas não sei se é macho ou fêmea, grande ou pequena, triste ou alegre: sei que me espia e não se resolve a colocar a espinha ao meu alcance. Até quando? A mão vibra porque me deu ideia que se deslocou e porém não se deslocou nem isto, continua acolá, irritantemente vizinha apesar de distante, e não posso dar-me ao luxo de desperdiçar um tiro: não tenho mais, e crónicas não são coisas que se peguem de cernelha: com uma sacudidela amandam-nos logo ao chão e vão-se embora: as crónicas e os livros não toleram escritores aselhas, ou precipitados, ou impacientes, desprezam-nos, viram-lhes as costas a troçarem: o que desejam é que tenham mão nelas no momento exacto, e o momento exacto nem um segundinho dura: uma desatenção, um piscar de olhos e adeus, passa bem meu cretino, vai aprender a escrever para outro lado. De maneira que são onze e vinte e quatro da manhã e eis-me a esta mesa
(encostado a este tronco)
de caneta no sovaco, à espreita. Quanto tempo ainda? Um quarto de hora, vinte minutos, uma hora? Talvez menos, dado que não sei o quê em mim estremeceu: sou, ao mesmo tempo, o matador e a presa, é o meu coração e a minha cabeça que busco, ou qualquer coisa no meu coração e na minha cabeça, a sua parte de trevas, de sombra. As trevas e as sombras do António
(finalmente!)
surgem rodeando o papel, param, verificam que ninguém nas redondezas, debruçam-se
(vamos, vamos, debrucem-se mais)
a beber da página e então ergo a caneta, viso, certifico-me que as enquadrei na mira, e aperto os cinco gatilhos dos meus cinco dedos: a crónica cai redonda no bloco, agita a cauda de um advérbio, imobiliza-se. Nesta altura é prudente chegarmo-nos a ela pé ante pé: as crónicas apenas feridas são capazes de nos aleijar com um coice, uma cornada. Aplica-se por precaução a facada de um corte num adjectivo, numa imagem, a fim de acabar com elas. E aí está a crónica quietinha, pronta a ser publicada. Tem os olhos abertos: só quase ao encostar a cara à sua verifico que são os meus. Podem ficar com eles: há quem goste de mostrar troféus aos amigos.
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* in "Terceiro Livro de Crónicas" de António Lobo Antunes, Publicações Dom Quixote.
(imagem recolhida aqui)

terça-feira, abril 11, 2006

a novata


Apresento-vos a nova 'pita' cá da casa. Este rolinho de pêlo é a Tufas, faz dois meses de idade dia 15 e habita connosco a palhota há, digamos, duas horas e picos, tempo que dividiu entre correr atrás dos nossos pés, mijadelas e cagadelas qb, e a soneca em que está agora refastelada, encostada ao calor do corpo da defensora número um da sua presença, Webita Carla.
Resisti até onde pude, ou seja pouco... a história das reivindicações dum animal na casa já são antigas, os obstáculos foram repetidos, repetidos, ao ponto que já nem eu nem a Webina acreditávamos neles. Pelo final da tarde as Web's foram dar o seu mini-footing e passaram por uma loja de animais aqui próxima. Quando voltaram, estava eu sossegadinho da silva no meu canto em volta dum texto há muito prometido e que não pode ser mais adiado (uma peça de teatro), quando elas chegaram com as novidades, eu a ler a alegria e a esperança nos olhos da mais nova, uma centelha de gosto mal dissimulada nos da mais velhota... senti algo íntimo ceder e sem grande resistência deixei a Webita arrastar-me para a tal loja...
Antes e por cá, houve um hamster que numa manhã acordou excessivamente hirto, uma tartaruga que se chamava 'Mimi' e que cresceu além do esperado, e um peixito amarelo que nunca colheu grandes entusiasmos mútuos: ignoráva-nos na sua líquida altivez quando nos abeirávamos, e as nossas aproximações reduziram-se ao alimentá-lo, limpar-lhe o seu mundo, e nada de grandes intimidades. Um dia imitou o hamster e desapareceu. Estes ocasos também foram razões esgrimidas nas longas conversas familiares em volta dum hipotético cão ou gato em casa, mas que faleceram com a naturalidade do argumento de que nem todos os bichinhos são iguais na sua resistência. Assim seja com a 'Tufas', desejo-o e profundamente pois já estou seduzido pelo seu andar bamboleante, o seu focinhinho minúsculo, engraçado e terno, e derreto-me quando lhe pego (300 gramas? será à volta disso, é encantadoramente minúscula!) e sinto o tremer do seu corpo, a sua língua acariciando-me, os minúsculos dentitos brincando com o meu gigantesco dedo...
Ficou 'Tufas' por sugestão minha: quando saímos da loja, ela ao colo da Carla e eu carregado de sacos com pentes, colónias, bolas, bebedouro e comedouro, ração, fraldas (fraldas!!!), mais uma cama de cachorro, lembrei-a que haveria de dar-lhe nome. 'Pois é, que há-de ser, pai?'. E viemos até casa em volta dessa importante questão, eu sugeri primeiro que ficasse 'Allien' mas ainda bem que a miúda não gostou, e estava claro desde o princípio que nada de 'Fôfas' nem de 'Fifis' iria perturbar a afirmação da personalidade da futura dama-cachorra...: sabe-se como o nome é importante na defenição do carácter e personalidade, não é? então, zás: lembrei-me duma das personagens da peça, uma pitita meio estouvada e irreverente que crismei de 'Tufas'. E ficou 'Tufas', todos gostamos e só ela, a própria, é indiferente ao nome. Até agora. Não vale a pena chamá-la por isto ou aquilo, ouvir 'Dª Miquelina' ou 'Tufas' para ela é igual ao litro pois ao que ela reage, estamos a aprender, é ao movimento de pés. Pode estar sossegadinha ao nosso lado, nós a imaginá-la distraída ou até adormecida, que, se alguém sair de lá, lá vem ela a correr, o rabito a dar-a-dar, a enrolar-se nos nossos pés!
A aprendizagem não promete ser fácil. As fraldas: ignora-as e faz questão de deixar caganita ou mijadinha onde pode, lá vem balde e esfregona mais a tal colónia especial.... e limpa-se-lhe o rabo, coisa de luxo, tarefas a que espero que a caçula humana não se balde com os dias que virão, é tarefa que na próxima/primeira assembleia de crise por causa da 'Tufas' eu votarei que lhe fique adstrita em permanência, ela que foi a grande lutadora para que houvesse uma 'Tufas' ou outro qualquer cá em casa. Aliás, uma das razões que me ajudou a ceder foi o encantamento (que me assustou!) com outras espécies lá na loja, coisas tais como cobras, iguanas e, até, um escorpião!
Bemvinda Tufas, já és da 'família web' e, falando por mim mas bem certo que há voto unânime e qualificado, adoramos-te! és linda, divertida, amorosa, só é pena seres tão cagona e mijona!

Letra J - "liberdade"


O salto. A libertação, o regresso à mãe água. Céu, mar, calhau e alguém, todos em acrílico.
O calhau é feio. Propositado? daí o salto? não, não é 'um suicídio', é mesmo Liberdade.

sábado, abril 08, 2006

o oito e o oitenta

Adivinho que a célebre frase "saiu para comprar um maço de tabaco e não voltou", vai tornar-se popular...
... entretanto, e zangado, o "Zacarias" voltou às lides...
(o retrato da criminosa em pleno acto foi encontrado nesta galeria policial)

sexta-feira, abril 07, 2006

tombazana, mamana, cocuana

(à memória de Josina Muthemba Machel, falecida em 7 de Abril de 1971)


sete de abril é teu dia
dia da mulher moçambicana

seja esbelta tombazana
ou mamana de airosa capulana,
hajam cãs de cocuana
sete de abril é o teu dia,
dia da mulher moçambicana

todas és Josina, é teu dia
dia da pioneira na emancipação
da Mulher na mata renascida
que foi obreira na libertação

mulher africana, por graça moçambicana
aquela que é dupla grávida, antes e depois de parir:
no antes tráz na barriga o Futuro,
carrega-o às costas quando ele aprende a sorrir

sete de abril é teu dia
dia de lembrar ao mundo
que haja vento, sol ou chuva
batas ou não o pilão
no campo, na mata ou na cidade
há um sorriso que baila e cresce
porque sete de abril é teu dia
dia da mulher que fez a revolução

José Alberto Sitoe

quinta-feira, abril 06, 2006



se eu morasse em Gibraltar morava num rochedo
se no Magreb era em dunas que acasalava os rios e as fontes que imagino
em Manhattan, num arranha-céus fazia ninho
(mas tenho vertigens, viveria nas nascentes subterrâneas que cospem almas
e não aprendia a voar)

mas se eu pudesse escolher onde morar
escolhia a savana
longos prados verdes e castanhos
lonjuras sem fim

Em Gibraltar, Magreb ou Manhattan
- até mesmo em Almeirim
estendo o olhar e sonho savanas
com rios, fontes e nascentes,
afinal meus frutos, viagens de mim
(encontrei aquele pássaro aqui)


quando saiu
ouviu-se o gemido
que a ferrugem da vida
deu à porta que se fechou

quando

(imagem daqui)

quarta-feira, abril 05, 2006

I have a dream...


Esta noite fartei-me de sonhar com nádegas. O que não me admira, se pensar nas dezenas de anos em que as admiro, seja pelo rabo do olho ou virando a cabeça quando passam. Aliás, a fazer juz ao historial por detrás do sonho e que por certo o induziu, hoje eu deveria ter acordado com um torcicolo no pescoço. Alojou-se nos neurónios da secção 'moralidade', temo que os danos sejam irreversíveis, (felizmente) irreparáveis...
Havia-as de todas as formas, mas sempre com o espectacular formato de pêra, sei lá se 'rocha' ou 'william', por certo fruta bem carnuda e suculenta, atrevo-me a imaginar... Aquelas mais rechonchudas e a que apetece dar uma nalgada malandra, as mais maneirinhas já em apuro de forma para o estio que se aproxima, também as delgaditas que são meninas que merecem sempre um afago, carícia estimulante e antídoto a estrias e outras vilezas que lá, no rabiosque, se alojam, encantador mapa que, em folguedos, os meus dedos gostam de percorrer uma a uma, mapa de vida, fonte de sorrisos mil.
Quando elas saltitam no andar, peneirentas da sua ovalidade e eternas rivais mediáticas das vizinhas de cima, lado oposto, semicerro os olhos como que em mira, centro-os no alvo e lá vou, imaginação desarvorada preenchendo a banalidade quotidiana com este pitéu, graciosa visão amplamente demonstrativa do porquê das fêmeas serem as sedutoras da espécie. Glória a elas, gémeas ninfas, gémeos músculos de tecido que se eriça quando o pretenso predador, ora mero seu escravo, crava mão tal garra em seu redor, elevando aos céus ânsias e ardores, dos tais que só os prazeres do inferno podem sossegar.
Hoje acordei assim e disso aqui dou fé. Nádegas. Rosadas e castanhinhas, tons macilentos ou mais tisnados, e até de rabos sardentos tenho memória de ter sonhado. Não me recordo de ter tomado algum remédio antes de me deitar, ou de ter bebido mais que a conta. Calhou-me. Há momentos assim, só resta estar grato por eles e também deles deixar memória. Como preito às musas que os inspiram, rabos anónimos que cirandam no dia-a-dia, vaidosos ou discretos, mas sempre omnipresentes para olho sensível à sua problemátika.
Resta-me tentar terminar o arrazoado com uma tirada de laivo filosófico, para compor a coisa e se tal ainda é possível...: o que torna o Homem especial é a sua capacidade de Sonhar. Olá se é, rio-me intimamente ao recordar...

(imagem do rabiosque encontrada aqui, alfaiataria virtual, passe a pub)

Ser pai é...

Tropel pelo corredor, baque da mochila a cair no chão, voz excitada:
- pai! pai!
Pai responde:
- sim...
Teenager diz, quase grita:
- pai, já posso fazer sexo à vontade!!!
Pai, antes de desfalecer, balbucia:
- o quê??? o quê???
Filha entra no escritório, sorriso radiante de malandro, e explica com carinha de anjo:
- pois, é que agora com a gripe das aves a cegonha já não vem de Paris!
(bonequito gamado aqui)

segunda-feira, abril 03, 2006

Letra 'I'

"mar e barco", acrílico desde o céu em fogo ao mar que agita a casca de noz. Acrílica visão.

sábado, abril 01, 2006

Princesa das Duas Cidades



Lá, naquele tempo em que não se viam capulanas nas varandas das avenidas, garrindo as acácias e os jacarandás usurpadores das cores turísticas, lá naquele tempo em que a naturalização da cidade estava tão longe como distava o terreiro de onde saíam naus com decretos e leis, chiar de madeiras velhas gretadas pela História que a água dos oceanos traçou.

Lá, onde os machimbombos sempre cheios quando não era dia de praia faziam sempre rumo aos subúrbios. Lá, naquele tempo em que havia duas cidades e o cimento duma ganhava fungos quando o caniço e o zinco o confrontavam, Norte e Poente, tanto, que o Sul era dos arranha-céus e a Este o mar chamava.

quando amar era perigoso se, no orgasmo, os pêlos dos amantes não brilhassem ambos em pálido rosa imperial, ou tinha tabela miscigenada em moeda com a prata da esfera armilar, repúblicos vinte escudos. Naquele tempo, lá.

nem tinham sido inventados os chapas, pois as capulanas só vinham ao cimento vender amendoim torrado e maçaroca assada, peixe e papaias no mercado. Lá, princesa das duas cidades...

O tempo caducou-se. Vieram as capulanas às varandas e penduraram-se às janelas, garrida nova flora da cidade que esmagou os jacarandás e as acácias, velho álbum de postais em que a abertura da lente não fora feita em formato technicolor: faltava-lhe a cor das capulanas quando a objectiva se virava aos céus para focar as torres, ou se espraiava colina abaixo no longo rectilíneo das árvores aveninadas. Em baixo, sorria o mar, esse fotogénico amante que a todas beija e ergue maliciosas ondas para lamber, guloso, as cores quentes da sua capulana.

(lá, naquele tempo)

Eu vim de lá. Vivi lá e lá li livros sobre fórmulas alquimísticas do viver, que não podia entender sem perceber primeiro que a areia dourada que nas suas folhas se entranhava, que as manchas das mangas que me sujavam a camisa, essas, eram as primeiras letras a ler, a cartilha da cidade. Das duas cidades... lá, naquele tempo...

– e bastava saber olhar como sabia ler. Se o tivesse feito, então perceberia que as frondosas copas das árvores eram flores dum jardim com amos e empregados, que a areia da praia era grão que só alvas pás moinhavam, pés de longe pois da cidade que raramente os via calçados.

Lá, naquele tempo, eu fartei-me de ler livros e chumbei, não passei o exame: eu não sabia ler o livro d'A Princesa das Duas Cidades. Naquele tempo eu, estando lá, não estava: não via a luz das capulanas ondeando nos prédios, brilho que se lia mais além do vermelho das acácias e do azul dos jacarandás, cores que cegavam.
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(a imagem das crianças brincando nas praias da marginal de Maputo foi encontrada aqui)