segunda-feira, abril 17, 2006

o "Notícias" faz 80 anos


Há jornais com quem crescemos. Seja por ser 'o jornal que o pai compra' ou o que o 'nosso' café disponibiliza, até que, crescidotes, começamos a tomarmo-nos de amores por um deles e, salvo ligeiras facadinhas, a fidelidade mantém-se.
Em Moçambique o principal jornal, antes e depois da Independência, sempre foi o Notícias. Não me lembro se nos meus tempos de miúdo os cafés e pastelarias tinham jornal à borla para os clientes lerem mas recordo-me bem de que era o jornal que o meu pai comprava, e eu lia as tiras de BD, no 'desporto' as notícias sobre automobilismo, e acho que ao fim-de-semana havia um suplemento juvenil. Mais tarde, outras páginas. Em resumo, o Notícias acompanhou-me enquanto andei por África, já lá vão trinta anos...
Ora o jornal foi fundado em 1926 (por Manuel Simões Vaz) pelo que faz agora a bonitinha idade de oitenta anos. Sei lá se para comemorar ou para aliar os proto-pecados de ler jornais com o de navegar na Internet, o Notícias já tem edição on-line (é inovação recente, ao que calculo mais do que sei, que só li isto). E, entretido com o brinquedo novo lá andei a passear, pequei à vontade mais duma hora: li tudo, ou quase. A parte final do artigo de Lourenço do Rosário, também pela curiosidade por lembrar-me dele aqui tão perto, em Santarém, já lá vão senão vinte uns bons quinze anos; o desporto, agradado com uma secção de tal título e que não tem overdose de futebol, entrevistas a jogadores, dirigentes, negociantes, árbitros, roupeiros (ou meros vizinhos de cada um deles), as tricas, o longo vómito das mais de cento e cinquenta páginas diárias nacionais (cá, portuguesas) dedicadas a tema tão modesto. Um caderno cultural bem recheado. Uma secção de política internacional sem os senhores Berllusconi e Prodi, Villepin ou Bush. E mais os outros, já sem falar nos nossos 'locais', de que já não há paciência para ler as suas mui doutas baboseiras - regra. Na sua simplicidade (que não sei se a edição em papel acompanha) foi agradável, pelo diferente. E também satisfeito por não vê-lo transformado, via 'necessidades empresariais', em pasquim de faca e alguidar (mas sem ilusões acerca das notícias de fait-divers, ainda ausentes que o site é mocinho, mas que irão aparecer, lá como cá)
Ora bem: isto tudo para loar ao jornal da minha infância e juventude, e para dizer que me ri a bom rir com as 'estórias da redacção', evocadas no seu caderno especial comemorativo dos seus 80 anos. Permito-me (até para minha facilidade futura de releitura) fazer 'copy-linkada' à totalidade do artigo, assinada por R. Caldeira:
Em pleno Governo de Transição, as greves e as reivindicações aconteciam um pouco por todo o lado. Estava na moda. No Notícias, a Direcção decidiu antecipar-se a uma eventual greve e proceder a um 'gordo' aumento geral, naturalmente muito aplaudido em reunião geral para o efeito convocada. E mais: os trabalhadores do turno da noite, passariam a usufruir de um subsíbio de 20% sobre os demais. Novos e vibrantes aplausos, até que alguém interroga: "E no mês em que estarei de férias, terei ou não direito aos 20 por cento?" A resposta veio de um colega da plateia: "Bom... isso depende. Se gozares as tuas férias à noite, terás direito aos 20 por cento. Mas se as gozares de dia..."; As imaginadâncias do Mia Couto: Mia Couto, quando director do Notícias, já tinha as suas 'imaginadâncias', embora não as pusesse no papel. E é assim que numa reunião sobre procedimentos aconselháveis a um jornalista perante os dados de uma notícia, ele clarifica: "A primeira triagem a uma notícia deve ser feita pelo jornalista que a recolhe, fazendo um juízo sobre se os factos têm uma base para serem verdadeiros ou não. Por exemplo: se vos vieram dizer que ali o senhor Willy Waddington (na altura já com mais de 80 anos) anda a violar menores, é claro que devem fazer uma rigorosa investigação para saberem se a notícia é verdadeira ou não" A Julieta e a camioneta: Ferdinando Mendes, administrador da empresa dos momentos difíceis, era considerado um verdadeiro 'unhas-de-fome'. Os tostões eram contados e recontados, numa gestão à moda do cantineiro. Pois o bom do Ferdinando tinha uma grande insuficiência auditiva, mas ao que constava, usava por vezes isso como um trunfo para quem lhe viesse pedir um adiantamento do salário. Nessas alturas, ele fazia por não ouvir nada. Um episódio pitoresco aconteceu numa das reuniões da Direcção. Estava ele posicionado ao lado do chefe das Oficinas, Henrique Costa, que lhe ia gritando ao ouvido, todos os pormenores em discussão. Deu-se, então, um engraçado equívoco. Mia Couto era o director do jornal e perguntou: "Ferdinando Mendes, como está o problema da Julieta?" (Tratava-se de uma competente funcionária que queria sair da empresa). A resposta: "Sobre isso, senhor director, posso dizer que ela, a descer, não apresenta problemas. O Romão, chefe dos transportes, experimentou-a na descida do Jardim Tunduro e portou-se bem. Mas tem dificuldades a subir, parece que precisa de segmentos!" Os presentes entreolharam-se, até que o Henrique Costa colou a sua voz ao ouvido do administrador e foi-lhe dizendo que se estava a falar da Julieta... "Ai é? Pois eu julgava que estavam a falar da camioneta" Arroz: três horas para lhe dar um destino: O Notícias chegou a ter uma equipa de futebol temível e que até participou em vários campeonatos para trabalhadores. Um dia, fez uma deslocação ao Chókwè, em tempo de carências, tendo ganho o torneio que enquadrava mais três equipas. O prémio foram três saquinhos de arroz de um quilo para cada jogador. O director era o Arlindo Lopes que, já na empresa, recebeu a Taça. E que destino se daria ao arroz? Reunião geral de emergência, para se decidir. Foram três horas de 'contribuições' para se tentar saber se o arroz seria doado a uma instituição de caridade, se deveria reverter para os que por ele suaram em campo, ou se simplesmente se entregaria ao Centro Social. Ao fim de três horas e porque havia um jornal por fazer, o ponto foi adiado para discussão na semana seguinte; Ex-Sporting versus ex-Benfica: Num comício ao seu estilo, o presidente Samora Machel decidiu que, a partir daquela data, cessavam em todo o país as designações de clubes, cuja raiz estivesse ligada à colonização, bem como aqueles que transportassem tribalismo, regionalismo, etc. Saídos do comício, os homens da comunicação tiveram encontros com o então director nacional adjunto, João Carlos da Conceição. É que se já não havia Sporting, Benfica, Mahafil, Atlético Mahometano, Inhambanense e outros, que designação se usaria nos jornais para os identificar, uma vez que as competições continuavam e não haviam ainda novos nomes? O Albuquerque Freire deu o 'mote' e tudo ficou acordado. Continuariam a usar-se as desginações antigas, mas precedidas do 'ex'. Assim sendo, o cartaz do dia anunciava jogos entre o ex-Mahafil contra o ex-Gazense, a anteceder a partida entre o ex-Sporting, contra o ex-Benfica, tudo no campo do ex-Sporting! A resistência do Leão: Ainda na sequência da decisão presidencial de abolir os nomes coloniais, a Direcção Nacional dos Desportos orientou os clubes no sentido de também mudarem os emblemas. Abdul Azize, o então presidente do Sporting da Beira, aderiu à mudança para Palmeiras da Beira, mas tudo fez para manter o leão no emblema. Mas depois da orientação, passou-se à proibição. Assim sendo, ao bom do Azize nada mais restava que não alterar o emblema para uma frondosa palmeira, mas... mandou desenhar um leãozinho meio escondido, a espreitar! As 'ratices' do Freire: Em 1979, o Benfica (que virou depois Costa do Sol) de Martinho de Almeida, foi campeão nacional. O saudoso Albuquerque Freire, que dirigia o Suplemento Desportivo do Notícias, dedicou as suas oito páginas ao percurso vitorioso dos então encarnados. O Ângelo Oliveira, sportinguista até à medula, não gostou da monopolização e foi fazer queixa ao Director do Jornal, na altura o Arlindo Lopes que de imediato convocou o Freire para dar um justificação. Perante os factos e um tanto à sua maneira, o Albuquerque concordou e até arranjou uma saída: "Está bem Ângelo. Vou libertar a última página, para tu pores lá assuntos do teu Sporting". R. Caldeira
(Fiz algum tratamento ao texto pois na edição on-line alguns caracteres não aparecem. E os 'bold' também são meus)
(a foto do edifício do velhinho 'Notícias' foi gamada neste blogue, maná de imagens velhas e novas de Moçambique)

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Mesmo com um lol à mistura, bonita homenagem - beijo, muf'. Também fui dos que me passei para a 'Tribuna', do Knopfli e tantos outros, assim que ela passou a iluminar as nossas tardes.

12:44 da manhã  
Blogger indigente andrajoso said...

éla... ausento-me uns dias e o blog já tá na puberdade.

:)

tenho que estar mais atento

8:42 da tarde  
Blogger Carlos Gil said...

lol

12:38 da manhã  

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