sexta-feira, abril 28, 2006
miocárdio náutico
um sábado e um poeta: Patraquim em Almeirim
Já o tinha mencionado mas convém recordá-lo. O Luís Carlos Patraquim, poeta e escritor moçambicano, vem amanhã a Almeirim ao café-livraria "Copo com Texto", conversar sobre poesia.
O grau mil da escrita*
Há a imagem recorrente que persegue o escritor, e digo-o tão até por estar constantemente a vê-la/lê-la, em mim e nos outros: o silêncio da caneta poisada na mesa, imóvel, seca de tinta sua que anime a triste alvura da odiada virgindade da folha de papel.
Não que eu acredite que quem já escreveu tenha em inesperada desgraça deixado de compor mentalmente textos ou proto-textos. E tantos felizes ou prometedores, que depois se esvaem nas ridicularias que asfixiam os dias ao criador. É mais que um hábito ou um vício, é a forma de existir do escritor, de viver olhando em volta, diferente no seu olhar cobiçoso que em tudo lê pretextos para perseguir o seu grã-texto. Uma doce ilusão.
Pegar na caneta e rasgar a folha para contá-los, autografando-os, eis o drama, a preguiça e os medos, a diferença entre o conseguir subir às estantes ou ficar pelo confortável banco de leitor, essa espécie intermédia entre as iletradas formigas palradoras e os magos que produzem a sua vianda.
Algures situar-se-á a famosa "gaveta", túmulo de promessas adiadas, inglório jazigo de tanto texto vivo e erradamente diagnosticado como morto. Liberdade para eles: nenhuma tinta é gasta em vão! as letras hoje soezas, trôpegas num alinharem-se indolente, são retratos de momentos, frescos iguais a este e a milhões iguais, que segundo a segundo são paridos por canetas que saltaram para a mão e desfilaram linhas-letras, palavras e frases, escreveram.
E, pergunto eu que escrevo e leio, a ti que escreves e lês: haverá outro autógrafo de escritor além dos seus escritos?
Em especial para o Miguel que ainda não conhece a "sobrinha", aqui vai uma foto da miniatura, ao colo da mãe babada.
quinta-feira, abril 27, 2006
Parabéns, Miguel!
Imprevisibilidades do 'choque tecnológico'
quarta-feira, abril 26, 2006
Galeria de Arte de "novos socialistas"?
Fazendo fé nas análises dos críticos, o meu primeiro pensamento é que os CTT bem se podem preparar para mais entregas ao (novo) domicílio de molduras de retratos de ex-presidentes partidários, pois quer-me bem parecer que o precedente "Largo do Caldas - Largo do Rato" vai ter continuação com 'Rua de S.Caetano - Largo do Rato'.
terça-feira, abril 25, 2006
Conto com 4 pequenos capítulos
Tinha dois meses e meio e naturalmente que era muito brincalhona. Corria atrás de tudo que lhe atiravam, mordiscava os pés de quem passava e corria a casa toda até se deitar junto a um deles, ofegante, a barriguita exposta e as patitas dobradas, felpuda, sedenta de carinhos que a ela, bebé ainda, lhe sabiam muito bem. Gostava especialmente de dar dentadinhas nos dedos que a coçavam na barriga e se lhe ofereciam, e adorava sentir resistência quando os seus dentitos se cravavam, afiados como pequenos punhais, cumprindo instinto genético que lhe impelia os maxilares a morder tudo o que se mexesse, num treino das suas presas naturais próprio da ainda tenra idade.
E rosnava baixinho, deliciada com estes pequenos jogos de caça, brincadeiras que também eram estimular as defesas que a espécie lhe dera.
Com muita brincadeira à mistura, pois a energia dos tenros dois meses e meio dava-lhe uma encantadora hiperactividade ao corpo ainda minúsculo e todos lá em casa se divertiam a vê-la correr entre as cadeiras e debaixo das mesas, o rabo agitando-se de contente, atrás da bola ou de qualquer coisa que lhe atirassem, que, divertida, caçava até conseguir detê-la e, com engraçada ferocidade, mordiscar até se cansar.
2
Um dia fugiu pela porta aberta para o quintal, que correu cheirando tanta coisa nova, voando sobre as folhas com o nariz encostado ao chão, cheirando, treinando. As folhas secas, que fugiam sobre as patas, atraíam-na especialmente: corria atrás delas, empurrando-as com as patas e mordendo-as até se desfazerem em pedacitos, brinquedos cadáveres que então ignorava e corria atrás doutra, e doutra. Tanta brincadeira!... Foi correndo e brincando, saltou umas pedras e viu a mata em frente, enorme e prometedora novidade: tanto para brincar… qual bonequito de corda, deu uma rápida corrida com o rabito no ar, atravessou os vincos que os carros deixaram na areia quente que as almofadas das patas logo sentiram, e rapidamente desapareceu na folhagem.
3
(é teu. não tens pesadelos?)
4
O céu como que desapareceu com o enorme vulto familiar que corria, enorme, também enorme na alegria de bebé que se via nos olhos, grandes e brilhantes, a húmida língua pendurada numa boca enorme que se abria num sorriso canino, exibindo os punhais que cresciam e brilhavam como lâminas. Num salto caiu sobre o capot dum carro que fez plof e a fez baixar, rápida, o focinho, farejando e a língua tacteando, mas rapidamente desinteressou-se e olhou os bonecos que mexiam, corriam. Queria brincar.
E brincou. Brincou com alegria, juvenilmente trapalhona no movimentar-se no pequeno jardim que parecia desajeitadamente estranho, na casota apertada cheia de pequenos obstáculos na sua perseguição aos bonecos que fugiam, tão engraçados, íman irresistível à brincadeira.
Derrubou móveis e saltou por cima de muros, correu, até que se cansou e foi deitar-se lá fora, no quintal, de barriguita para o ar. À espera dum dedo gordo que a coçasse e para morder, também. Já mordiscara os bonecos todos, todos, não escapara nenhum. Mas eles já não corriam, não brincavam, nenhum mexia.
Rosnou, feliz. De patitas para o ar. Felpudas.
lonely square
Antes, o desfile. As eminências. Os apaniguados. A estratificação presente. O lento e quase passear pelo jardim, torneando os canteiros recuperados pelas últimas eleições (abençoadas eleições que recuperam periódicos canteiros, aqui e ali, quadriénios aquis e alis) O passar lento, os passos arrastando-se no vagar dos olhos que olham quem está, o tique que os arrasta para o grupo das eminências conversando mostra, denuncia, que mais que verem quem está querem ser vistos estando. Olhos pirilampos, brilham e não iluminam, brilham para serem vistos. O arrastar do cortejo em volta do palco onde os músicos afinam posições e instrumentos, dos canteiros quadriénios, das vidas vestidas em blasée despreocupado de noite de primavera revolucionária: tons claros, quase juvenis, que nos 'outros' dias toldam-se em guarda-fatos paletas de castanhos e cinzentos, suas cores primárias. Os velhos que continuam a vestir o seu luto, prematuros, esses resistem à moda ou não têm, simplesmente, roupa para serões revolucionários.
O músico canta. Canta e sua: vê-se à distância e ouve-se quando à segunda (e antes de mais duas) diz, avisa e previne que vão terminar já já. Cumpre-se o reportório, mas há as velhas (velhas? velhíssimas, por favor!) guardas do rancho folclórico que ainda vão actuar, e só há um palco, lá nos canteiros. Os prematuros... seria por isso? e, mais, avisa, lembra e vai dizendo, há o fogo de artifício que tem hora certa e é noutro local. E é preciso estar-se lá, os pirilampos precisam de migrar, há outros canteiros a regar, há a estratificação, há as eminências e os pirilampos brilham para serem vistos a brilhar. Blasée, por favor; a noite está agradável e amanhã é feriado e agora vamos todos trautear. Trauteamos, canta e sua. Às tantas pensei estar sentado num cinema mas afinal estava de pé e o meu pé batia ao ritmo de venham mais cinco. O pé trauteador. Sentado, assistia ao "baile dos bombeiros" do Milos Forman e só tinha pirilampos para olhar os quadriénios canteiros à espera de ver um prematuro levantar o seu blasée de cores primárias e caminhar-marchar para o palco, venham mais cinco. Não, não vieram.
Veio o rancho, "velhas glórias", eu vim-me (do verbo vir, regressar) para o meu canto, lonely square de paleta particular, e não fiz a romaria. Depois contaram-me que, este ano, o fogo de artifício esteve bem composto e iluminado: terá sido dos pirilampos, afinal é primavera e a noite recomendava-se blasée.
Releio, e recordo o meu pé trauteador. Venham mais cinco. Venham!
(a foto foi encontrada aqui)
segunda-feira, abril 24, 2006
25 de Abril... Não escrevo nada de 'especial'. Meto os versos do "Grândola, vila morena", do Grande Zeca Afonso, e pergunto se há alguém que não os tenha cantado, gritado, trauteado ou somente murmurado sem sentir a chama da esperança aquecendo-lhe o peito. Onde pára esse calor? essa chama?
Vamos tentar... Canta. Canta baixinho, lê os versos e sente-os cantar dentro de ti, deixa subir-te à memória aquele calor que estas meras palavras, rimadas com tanto de ti, eu, nós, tanto nos aqueceram esperanças e incendiaram ilusões. Ilusões. E porque não? porque não ilusões se é delas que também nascem realidades? do lutar por elas, do acreditá-las?
Canta, meu Amigo, ouve os teus lábios a cantarem: "Grândola, vila morena...
....
Terra da fraternidade
O povo é quem mais ordena
Dentro de ti, ó cidade
Dentro de ti, ó cidade
O povo é quem mais ordena
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada esquina um amigo
Em cada rosto igualdade
Grândola, vila morena
Terra da fraternidade
Terra da fraternidade
Grândola, vila morena
Em cada rosto igualdade
O povo é quem mais ordena
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
Jurei ter por companheira
Grândola a tua vontade
Grândola a tua vontade
Jurei ter por companheira
À sombra duma azinheira
Que já não sabia a idade
(com imagem da capa dum livro ao qual estive para ir buscar o meu poema do '25 de Abril'. Porém, relendo-o, achei mais próprio pôr a letra do "Grândola". Gostos... gostos e velhice)
domingo, abril 23, 2006
fim de semana
Ontem e hoje as tardes foram passadas quase exclusivamente em volta dos livros, surpreso não só com o pó acumulado mas com as raridades que encontrei, já perdidas na memória... Sendo impossível arrumá-los, alguma lógica dei à desarrumação.
As manhãs de fins-de-semana são, obviamente, matéria íntima; e as noites, oh as noites... essas caiem gloriosamente no domínio do confidencial.
sexta-feira, abril 21, 2006
(começa adiantado, depois divaga no pó dos arquivos)
Nesta altura já anda tudo a afiar a caneta para ‘o’ post do 25 de Abril, e do 24 e do 26, ab nauseum.
Que a pena seja ligeira e que não se vá em modas. Para nem os foguetes soarem a baile dos bombeiros, nem o carpir ser especialmente cínico.
Por exemplo dizer que a blogosfera nunca poderia existir assim, livre, em ditadura fascista. E não esquecer de dizer que se tira a ilação por ela não existir nas sobreviventes, comunistas (China ou Cuba, por exemplo). Pensar no resultado e escrever em consonância. É só, e eu gostava de ler muitos posts assim, pr’a semana.
quinta-feira, abril 20, 2006
Literatura de viagens
Logo ao lado, na mesma página de jornal do artigo comentado no post anterior, a caneta de EPC trata com gosto os 'escritores de viagens': mais que delicadeza li respeito pelas suas criações. Ao contrário de tanto leitor que, julgando-se mui erudito, considera o género indigno do seu olhar.
Gosto muito do meu bairro.
quarta-feira, abril 19, 2006
(...)
Dito muito rapidamente, pois até tenho vergonha do 'tão mal' que tenho tratado o blogue: estou a pintar um quadro que parecia enorme, e deu e está a dar trabalho equivalente. Daí... sorry, mas as paixões valem é por viverem-se intensamente, sugar as emoções até à última gota; depois logo se vê o que realmente há mas quando se está apaixonado curte-se, e mais nada. Senão, não vale a pena. E as horas com a tela à frente passam tão bem, evade-se, são tempos serenos em que, até, quase me esqueço de fumar. Não são só as mãos ocupadas, é também a mente que só existe para ali, a descoberta do pincel e o magnífico jogo da cor.
segunda-feira, abril 17, 2006
o "Notícias" faz 80 anos
domingo, abril 16, 2006
Fotos dos quadros "L" e "M" (substituição)
sábado, abril 15, 2006
O abecedário da cor - actualização
Este fim de semana já pintei dois quadros. Além desses há mais dois, recentes, que ainda não vos mostrei, e um anterior em que na embaralhação do alfabeto pintado 'passou-se' a letra E, e nem se deu por isso. 'E' de esparguete, adianto; mas esse quadro, de que apoiei as críticas aquando foi pintado entre a panela ao lume e os cafés e cigarrada finais a um magnífico esparguete com queijo parmesão, esse, hoje, está a surpreender-me: a maioria das pessoas que já viu, ao vivo, o abecedário, gosta dele. Quando a simpatia já cai para aquela parte do "sabes, gosto de todos, está porreiro. Mas se tivesse de escolher o melhor era entre este e este", neste e neste está sempre o esparguete... e eu de boca aberta e a pensar se isto das pinturas não é como nas escritas, autor e personagens são distintos e quem os misturar engana-se.
Bem, vou às fotos. Não vai haver muita escolha pois sou um nabo no uso da máquina fotográfica digital, e a pequenita não está em casa. Acabo por ter só uma ou duas fotos de cada tela, e estrava a pensar que tinha montões para poder escolher a melhor, com e sem flash, etc, quando vou ver na pasta as fotos após tranferidas para o disco do pc,... e dou com uma data de 'filmes'! não é que deverei ter sido o primeiro gajo a fazer filmes a... quadros? unicamente, sem texto, contexto, nada? lol acho que na escola de Manoel de Oliveira iriam entusiarmar-se com a dinâmica da câmara, a acção!...
Ok., aqui vai um, aliás: uma letra
A "Tufas"
Apeteceu-me voltar a colocar uma imagem da Tufas, a nossa cadelinha. Não é mesmo bonita?
(clicando na imagem, ela amplia)
sexta-feira, abril 14, 2006
Breves notas
A segunda é que o Miguel Manso, depois de breve pausa introspectiva, assentou arraiais no largo do karma, logo com um texto de arromba: "A primeira vez que vi Terry Lennox". É como a outra: visita que se torna obrigatória pelo que se lê....
E acabou. 'Notas' também para eu ter links actualizados de onde páro na página de abertura do blogue. Mas principalmente porque os 'recomendo'. Para além da amizade, há a liberdade crítica que não deve ser impedida por aquele bónus, nunca ónus.
(o 'olho' estava perdido aqui)
quinta-feira, abril 13, 2006
quarta-feira, abril 12, 2006
o Mestre ensina
terça-feira, abril 11, 2006
a novata
Apresento-vos a nova 'pita' cá da casa. Este rolinho de pêlo é a Tufas, faz dois meses de idade dia 15 e habita connosco a palhota há, digamos, duas horas e picos, tempo que dividiu entre correr atrás dos nossos pés, mijadelas e cagadelas qb, e a soneca em que está agora refastelada, encostada ao calor do corpo da defensora número um da sua presença, Webita Carla.
sábado, abril 08, 2006
o oito e o oitenta
sexta-feira, abril 07, 2006
tombazana, mamana, cocuana
sete de abril é teu dia
dia da mulher moçambicana
seja esbelta tombazana
ou mamana de airosa capulana,
hajam cãs de cocuana
sete de abril é o teu dia,
dia da mulher moçambicana
todas és Josina, é teu dia
dia da pioneira na emancipação
da Mulher na mata renascida
que foi obreira na libertação
mulher africana, por graça moçambicana
aquela que é dupla grávida, antes e depois de parir:
no antes tráz na barriga o Futuro,
carrega-o às costas quando ele aprende a sorrir
sete de abril é teu dia
dia de lembrar ao mundo
que haja vento, sol ou chuva
batas ou não o pilão
no campo, na mata ou na cidade
há um sorriso que baila e cresce
porque sete de abril é teu dia
dia da mulher que fez a revolução
José Alberto Sitoe
quinta-feira, abril 06, 2006
se no Magreb era em dunas que acasalava os rios e as fontes que imagino
em Manhattan, num arranha-céus fazia ninho
(mas tenho vertigens, viveria nas nascentes subterrâneas que cospem almas
e não aprendia a voar)
mas se eu pudesse escolher onde morar
escolhia a savana
longos prados verdes e castanhos
lonjuras sem fim
Em Gibraltar, Magreb ou Manhattan
- até mesmo em Almeirim
estendo o olhar e sonho savanas
com rios, fontes e nascentes,
afinal meus frutos, viagens de mim
quarta-feira, abril 05, 2006
I have a dream...
Esta noite fartei-me de sonhar com nádegas. O que não me admira, se pensar nas dezenas de anos em que as admiro, seja pelo rabo do olho ou virando a cabeça quando passam. Aliás, a fazer juz ao historial por detrás do sonho e que por certo o induziu, hoje eu deveria ter acordado com um torcicolo no pescoço. Alojou-se nos neurónios da secção 'moralidade', temo que os danos sejam irreversíveis, (felizmente) irreparáveis...
Havia-as de todas as formas, mas sempre com o espectacular formato de pêra, sei lá se 'rocha' ou 'william', por certo fruta bem carnuda e suculenta, atrevo-me a imaginar... Aquelas mais rechonchudas e a que apetece dar uma nalgada malandra, as mais maneirinhas já em apuro de forma para o estio que se aproxima, também as delgaditas que são meninas que merecem sempre um afago, carícia estimulante e antídoto a estrias e outras vilezas que lá, no rabiosque, se alojam, encantador mapa que, em folguedos, os meus dedos gostam de percorrer uma a uma, mapa de vida, fonte de sorrisos mil.
Quando elas saltitam no andar, peneirentas da sua ovalidade e eternas rivais mediáticas das vizinhas de cima, lado oposto, semicerro os olhos como que em mira, centro-os no alvo e lá vou, imaginação desarvorada preenchendo a banalidade quotidiana com este pitéu, graciosa visão amplamente demonstrativa do porquê das fêmeas serem as sedutoras da espécie. Glória a elas, gémeas ninfas, gémeos músculos de tecido que se eriça quando o pretenso predador, ora mero seu escravo, crava mão tal garra em seu redor, elevando aos céus ânsias e ardores, dos tais que só os prazeres do inferno podem sossegar.
Hoje acordei assim e disso aqui dou fé. Nádegas. Rosadas e castanhinhas, tons macilentos ou mais tisnados, e até de rabos sardentos tenho memória de ter sonhado. Não me recordo de ter tomado algum remédio antes de me deitar, ou de ter bebido mais que a conta. Calhou-me. Há momentos assim, só resta estar grato por eles e também deles deixar memória. Como preito às musas que os inspiram, rabos anónimos que cirandam no dia-a-dia, vaidosos ou discretos, mas sempre omnipresentes para olho sensível à sua problemátika.
Resta-me tentar terminar o arrazoado com uma tirada de laivo filosófico, para compor a coisa e se tal ainda é possível...: o que torna o Homem especial é a sua capacidade de Sonhar. Olá se é, rio-me intimamente ao recordar...
(imagem do rabiosque encontrada aqui, alfaiataria virtual, passe a pub)
Ser pai é...
segunda-feira, abril 03, 2006
sábado, abril 01, 2006
Princesa das Duas Cidades
Lá, naquele tempo em que não se viam capulanas nas varandas das avenidas, garrindo as acácias e os jacarandás usurpadores das cores turísticas, lá naquele tempo em que a naturalização da cidade estava tão longe como distava o terreiro de onde saíam naus com decretos e leis, chiar de madeiras velhas gretadas pela História que a água dos oceanos traçou.
Lá, onde os machimbombos sempre cheios quando não era dia de praia faziam sempre rumo aos subúrbios. Lá, naquele tempo em que havia duas cidades e o cimento duma ganhava fungos quando o caniço e o zinco o confrontavam, Norte e Poente, tanto, que o Sul era dos arranha-céus e a Este o mar chamava.
quando amar era perigoso se, no orgasmo, os pêlos dos amantes não brilhassem ambos em pálido rosa imperial, ou tinha tabela miscigenada em moeda com a prata da esfera armilar, repúblicos vinte escudos. Naquele tempo, lá.
nem tinham sido inventados os chapas, pois as capulanas só vinham ao cimento vender amendoim torrado e maçaroca assada, peixe e papaias no mercado. Lá, princesa das duas cidades...
O tempo caducou-se. Vieram as capulanas às varandas e penduraram-se às janelas, garrida nova flora da cidade que esmagou os jacarandás e as acácias, velho álbum de postais em que a abertura da lente não fora feita em formato technicolor: faltava-lhe a cor das capulanas quando a objectiva se virava aos céus para focar as torres, ou se espraiava colina abaixo no longo rectilíneo das árvores aveninadas. Em baixo, sorria o mar, esse fotogénico amante que a todas beija e ergue maliciosas ondas para lamber, guloso, as cores quentes da sua capulana.
(lá, naquele tempo)
Eu vim de lá. Vivi lá e lá li livros sobre fórmulas alquimísticas do viver, que não podia entender sem perceber primeiro que a areia dourada que nas suas folhas se entranhava, que as manchas das mangas que me sujavam a camisa, essas, eram as primeiras letras a ler, a cartilha da cidade. Das duas cidades... lá, naquele tempo...
– e bastava saber olhar como sabia ler. Se o tivesse feito, então perceberia que as frondosas copas das árvores eram flores dum jardim com amos e empregados, que a areia da praia era grão que só alvas pás moinhavam, pés de longe pois da cidade que raramente os via calçados.
Lá, naquele tempo, eu fartei-me de ler livros e chumbei, não passei o exame: eu não sabia ler o livro d'A Princesa das Duas Cidades. Naquele tempo eu, estando lá, não estava: não via a luz das capulanas ondeando nos prédios, brilho que se lia mais além do vermelho das acácias e do azul dos jacarandás, cores que cegavam.