Ode à Cinderela, dão-dão-badalão
Eu disse mais feliz? mais feliz aqui? porquê o mais se eu não era feliz lá, se não recebia mais que os pingos de ilusão da dita, parco quinhão que acreditamos justo e suficiente, desacreditando-nos, quando fazemos um intervalo e paramos de chorar a igualdade dos dias sem a luz? Não, já disse. Vim para ficar, sou mais feliz aqui e no itálico está a diferença que sorri e ilude, matreira ficção de mim, eu construtor e decorador de condomínios privados, sequestrador de ilusões, fugitivo da derrota do anónimo cinzento das horas vagas, as ocas, vazias de caneta e sem um olhar perdido no nada, esses lapsos de tristeza que teimam em persistir e se enchem de banalidades, ofensivamente chamada de vida útil à Família e à Madastra, à Princesa e à Sociedade. Àgua-rás em cima dela, borrão que o sabão da ficção apaga.
Dão… Dão… Badalão… As badaladas. Sei lá se doze, não quero contá-las. Sei que conta a lenda que, quando terminarem, a abóbora vai-se embora. E eu tenho medo de twistar sozinho, trocar o passo enlaçando o nada, sozinho no meio do salão ouvindo as badaladas, apeado da ilusão onde não há passos trocados. “One man show”, o qu’é isso? Eu não, não. Sou mais feliz aqui, na mesa de canto escrevendo os passos que não sei nem quero dar, enleando sonhos, bailando fantasias com rendas e bordados, ao lado o jarro de devaneios da casa, caneta-copo na mão. Bailando, dão dão badalão. Simulando, dão dão badalão. Ouse-se atrever sapatinho de verniz nesta dança, daqueles que de tão polidos são espelhos aos donos dos trambolhos que os calçam, e a ficção termina logo aí pois não há imaginação que vença a luz do espelho. Assim como a do baile, o da carruagem e das badaladas. Lá, nunca soube dançar, contar o inventar, esta aldraba de luxo a coxo de danças com passo errante além do daltónico regurgitar das anónimas banalidades, essa nudez vazia de ficções, tinta que se não gasta pois dela nada há a narrar, quanto mais bailar. Por isso minto, invento, ficciono, lanço-me à folha branca como o desesperado à oportunidade, o sequioso à fonte, o apeado à carruagem.
Dão dão badalão, mais um copo mais uma folha, mais um prazer escrevendo o doce nada, único bailarico da minha criação onde me lembro de dar um pezinho de dança.
(foto daqui)