quinta-feira, outubro 26, 2006

"aquilo que escrevo pode ler-se no escuro"

"Só podes começar um livro quando tens a certeza de que não vais ser capaz, porque só então escrever se torna uma luta com o material, e a tua vida se vai estreitando porque estás de tal modo habitado pelo livro, numa relação simbiótica, que formas corpo com ele."
"Sinto cada vez mais que a autoria não é minha, aliás penso mesmo que os livros deveriam ser publicados sem nome de autor. Os livros são nossos: O Grande Gatsby pertence-te a ti, O Monte dos Vendavais pertence-te a ti. Foste tu que os escreveste quando os leste."
"Por isso é que sinto que não posso ser eu o autor destes livros: são bons demais para o que sou capaz. É alguém que os está a fazer através de mim. Por isso tens de ser humilde com eles. Às vezes pergunto-me se aquele nome que ali está - António Lobo Antunes - não é uma impostura. Porque ele não é o autor, o autor é essa tal voz, esse tal emissário de que falava o Eduardo Lourenço."
"Eu não li este livro, mas se o lesse olhava-o de maneira mais objectiva, porque já saiu de mim, está a viver noutro lado qualquer. E já não precisa de mim. Um livro acabado é isto: um livro que já não precisa de ti para continuar a viver."
"Para mim é sempre a mesma voz. Nem sei se é narrador. Tu estás a escrever aquilo que te estão a ditar. O problema é conseguires esse estado, daí que os primeiros capítulos sejam muito arrancados, porque a voz ainda não começou a ditar. Há que esperar que chegue..."
"(...) aliás que é que os prémios têm a ver com a Literatura? Claro que são agradáveis, sobretudo quando vêm com dinheiro, porque ninguém enriquece a escrever. Aquilo que ganho dá-me para ter uma vida com dignidade, mais nada. Não dá para ser rico. E mau sinal seria, porque estaria a escrever livros sobre o hoje. Que passará a ser ontem quando for amanhã."
"Em última análise é impossível falar de um livro. Estás a dizer de fora e o importante é estar lá dentro."
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(frases avulsas retiradas da entrevista de António Lobo Antunes a Rodrigues da Silva, no JL de ontem, a pretexto do seu próximo romance "Ontem não te vi em Babilónia" e que termina com a frase com que titulei este post de recados. retrato do escritor gamado aqui)