Fala-se que 'a net' é isto e aquilo, mal supremo ou salvador doutro tanto. Já nem sei. Eu conheço os dois lados. Mas há momentos em que 'ela' mete medo. Quando (me) mexe nas memórias. Quando fico aterrorizado pelo regresso duma e, então receio, a visão de hoje ser cor-de-rosa face ao vitral da época: e nem todos os artistas são sempre felizes ao pintá-los.
Desde ontem que ando agitado, de cinco em cinco minutos a rever a caixa de e-mail, a reler o dito e a estremecer sempre que ouço a chegada de mais um (para mais ando a servir de alvo a 'spam', imaginem...). Vou contar.
Por um daqueles acasos da net, garimpanço contínuo que trás calhaus mas também pepitas, ontem confirmei por e-mail o que suspeitava desde sexta-feira: descobri a
Alice, a minha primeira paixão, a minha iniciação no morrer de amores e suspirar pelas esquinas...
Num site de ex-alunos duma escola onde passei sem deixar rasto, em ócio curioso corria a lista com os perfis dos participantes e olho para um nome, o único que sei pois nunca consegui chegar à fase dos apelidos, essas intimidades... acresce que é dos poucos nomes com foto disponível e clico, já cheio de dúvidas. Duas fotos disponíveis, lado a lado: na primeira um vago 'década 70', ao lado a inevitável actual. Naquela primeira, de semi-perfil, uma pitinha bonita, foto tipo passe a preto-e-branco, mas o meu coração não deu o pulo que esperava, até olhar a outra nos olhos - esta frontal, com o verde dos olhos bem nítido, o jeito do cabelo, enfim sorrir e dizer "é ela".
Depois mandei-lhe um mail com umas linhas onde eu falava dela e do meu "amor eterno" por ela, copiadas duma mensagem minha já antiga onde rememoriava o que me lembrava da minha trajectória pelo liceu, sendo naturalmente ela a memória mais doce. E juntei link para um álbum meu de fotografias, coisa velha e já quase esquecida onde tenho desde actuais a umas poucas de quando era menino e moço, confesso que em esperança de avivar-lhe a memória. Porque eu 'não existi', não existia nos acontecimentos: um passo lá outro de fora, eu não tinha coragem de dar o pulo e, exemplo, roubar-lhe um beijo. Esses quase lá mas nunca sendo alimentam os meus sonhos quando me penso passado, ido, arquitectura do eu hoje.
Hoje com medo do mail que virá, de que aquilo que é o meu incenso, afinal, ser mero nevoeiro do existir, ser apenas um "é possível, já não me lembro bem...", não uma nota de registo na memória, quiçá uma ternura pelo puto que a perseguia com olhos de carneiro-mal-morto. "Tanto amor, uma paixão tão linda como era a que tive por ti, e tu não te lembras?" - eis a frase que tenho medo de escrever, ora à espera, à espera...