domingo, setembro 17, 2006

Janeiros sonhados: II

(...e a desta tarde, ainda 'fresquinha')
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“escrevi-o ontem mas hoje já pensei nisto várias vezes. aliás: ainda ontem, antes e depois de escrevê-lo (no antes a razão de...) andava-me cá a bailar pois, tendo ido ao café e até inesperadamente ouvido um concerto de 'banda de garagem' que foi bem agradável (gostei do baterista: sempre que vejo um conjunto fico com a ideia que, de todos, é o que mais curte), lá encontrei o João Carapinha que tinha vindo do Algarve passar cá uns dias e, amanhã, ver o filho, e toca a "combinar" uma ida conjunta, dois hippyes tardios com um bom bocado de pinceladas dadas em comum na grande tela 'daqueles tempos' (isto está a ficar pintalgado demais, mas enfim... é domingo e já tenho cinquenta e um anos, o almoço foi um caril esplendoroso com a Paula e o Carapinha (a pequenita não alinha em comidas exóticas e, acresce, anda a iniciar-se no wonderfull e a partir de agora eterno mundo das dietas padronizadoras, coisas de pita que, um gajo, um gajo, quando lhe começa a nascer o bigode o que faz e o que só tem a fazer é arranjar logo uma barbicha, patilhas e ar de esgrouviado para lhe fazerem companhia, yé!) mas, contava, naquele vago princípio do 'também alinha" e que tanto pode vir a significar "este gajo está mas é maluco!" como "então? quando é que arrancamos, Joe?" e há companhia para a viagem na rota proposta e só com um franzir de naiz à etapa europeia por comboio pois, a sua versão sul africana, recebeu concordância e epíteto de boa ideia. Cá, é que ele acha - gajo batido nessas coisas de andar de cu no ar, que numa low cost púnhamo-nos lá, Heathrow, por menos de metade do dinheiro e num instante... Porém, e é esta a minha defesa pública pois a íntima conhecem-na vós: pelo-me de medo de andar de avião, raio de mania e modernice de merda, afinal o que é que há de errado em andar de barco, comboio, até machimbombo? e onde pára o romantismo inerente a tais viagens, imaginadas sempre como uma aventura especial? sim, o Gamboa, gajo colombiano que eu nunca tinha lido e julgo que nem sabia que existia - sorry man... - escreveu um conto e que muito recentemente li e me encantou, onde em trinta páginas faz e mistura mistério e suspense com doses magistrais de sexo com hospedeiras e à volta do mundo, espécie de vida paradisíaca para mangusso que se grame e que, a páginas lá para o meio, se vai tornando no mias estranho conto de 'terror' que já vi imaginado em volta do tema..., ok o bom do Gamboa até trata os voos para além do cliché erótico da queca na casa de banho, etc etc bocejo. Mas mesmo assim eu cá por mim tenha essa mesma banal fantasia mas num TGV, imaginando-me a cruzar que nem um assobio os verdes campos da França profunda e soltando urros à Tarzan que ficam a pairar que nem papoilas sobre os vinhedos, encostas e veredas que vêem a flecha de prata assobiar com o Web lá dentro. Portanto e em entre parêntesis aconselho o livro: é das edições de bolso da ASA, ou ASA/Fnac, e chama-se Histórias Apátridas: cinco autores hispânicos. As outras histórias são para esquecer pois ao lado desta empalidecem e esfumam-se para não valerem uma quinhenta, e o conto do Gamboa, Colômbia, vale uns cinquenta euros. Ah! o livro custa 4,95 na Fnac mas já o vi nos saldos do Modelo a euro e meio, fim do parêntesis. Portanto temos janeiro, mês engraçado. O resto vai-se sonhando e há vezes em que se acerta. A divergência mais profunda entre os meus planos e os do Carapinha são para lá, quando chegarmos a Maputo: ele quer ir por um mês e fala em ir para "o mato" o tempo quase todo, e eu só me acho com estaleca para quinze dias longe do meu cantito e quem me tirar a cidade tira-me tudo, também acho. Sei que muito provavelmente quem por lá encontrar queira obsequiar-me com a parte do 'programa turístico', o Bilene e, quem sabe..., até Ponta do Ouro; mas eu acho que há tanto para ver e rever na cidade que os quinze dias até serão curtos, apertados. É que há o dia e há a noite, são duas cidades. Aqui e lá, onde mora muita gente, "uma cidade", tem sempre em si dois lados e quem vê um não pode imaginar que viu tudo pois o outro é como o fato de gala ao pé do fato-macaco, tantas as diferenças sob, aparentemente, o mesmo cenário. Correr a cidade nas madrugadas, escasso o trânsito e muita a luz que amarelece o alcatrão e o cimento dos passeios, olhando-a cidade nos olhos adormecidos, é outra cidade, sempre. O mais bulicioso adormecido é como um gigante adormecido, e Gulliver assustou os pigmeus quando o encontraram na praia, adormecido. Depois organizaram-se e tomaram-no de assalto, sim, e portanto não há mito ou susto que, adormecido, não resvale para a humanidade de ser vergado quando os pigmeus forçam os sustos em medos e desatam a amarrar tudo o que vêm diferente da si, pigmeus. Há ainda os bares, a 'movida', e lá há a voltinha dos tristes da noite, curiosamente com ramal que segue o mesmo mapa da sua congénere dos tempos em que se ia até à Costa do Sol, família inteira, avó incluída, e depois se parava à beira praia e os homens ouviam o relato e as mulheres cochichavam e faziam renda. Lá para os lados do Bairro Triunfo há um bar, ou discoteca, não sei bem, que pertence ao roteiro e pára-se lá a beber um copo quando a bolina nocturna nos navega para aqueles lados. E na estação dos CFM, lá na Mac-Mahon, há um bar com música de jazz, que ate é ou era quando abriu, também propriedade do Rangel, o que agora nada à rasca com a saúde e a quem desejo que arribe, merda para as doenças e um gajo tem é de tratá-las assim, não adormecer senão os pigmeus lixam-nos. Janeiro vai ser um mês do caraças. O Carapinha está a pensar ir até à Gorongosa e diz que leva a mochila. Eu acho que ele está a sonhar com filmes e farto-me de rir. Era giro dois putos janados, de cinquenta anos - eu - e semi-careca - ele -, numa espécie de interail tardio e alongado, de Lisboa a Maputo mas com apêndice aéreo na digníssima BA que faz LON-JOB por quatrocentos e tal euros, bem os dois acabarmos por nos metermos em trabalhos mais próprios dos anos setentas e dos verdinhos dezoito, e ainda fazemos capa a telejornais. Janeiro promete mesmo vir a ser um mês do caraças e tenho de me preparar: onde raio é que eu terei guardado o meu colar de missangas?

Gil, domingo”