sábado, janeiro 06, 2007

(o vazio) errou: o “O Livro do Meio” e o meu "&"


A expiação vai ser grande mas o erro ainda é maior. Aí, vai ter mesmo de ser…

Lá para baixo, em certo post em que falo em livros, referi o gosto com que deslizo nas páginas do O Livro do Meio. Prazer que estou a esticar orado em poucas de cada vez pois isto de caviar Beluga não deve levar a abusos, barrigadas: comida de ricos é, já se sabe, prato com pouca quantidade mas muita qualidade. E o Livro do Meio é manjar.

E é de abusos que quero falar. Melhor: de deselegâncias, neste caso minha e antes que me doa mais a alma há que fazer a correcção e deixar público o pedido de desculpas, aquele de completa justiça e este, bem este… é a errar que se aprende mas as desculpas quando devidas não se devem calar. O meu incómodo tem vindo a crescer conforme mondo a meu proveito as páginas do dito e tiro o chapéu aos dois cozinheiros. Eu conto:

Quer lá, no post referido quer noutro em que o abordei (ambos sem links, a ideia e o seu erro são os mesmos), cito o livro como de Autores “Maria Velho da Costa &”. Este '&' nunca deveria ter sido escrito, é deselegante por matriz e é de má educação por presunção minha, abusiva. Omiti, menorizei em formato grosseiro e com arremedo de chico-esperto, o co-Autor da obra, Armando Silva Carvalho. E porquê?

Vêm agora as presunções, o lodo das prenoções, os preconceitos, onde patinei e me estendi ao comprido julgando estar a fazer um bonito passo de dança: &. Por incultura própria, também pelo charme dos “nomes sonantes”: Maria Velho da Costa é nome literário mais conhecido que Armando Silva Carvalho neste meu pequeno, curto, curtíssimo e pedante “mundo literário”.

Obra a duo, epistolar, o Livro do Meio degusta-se em ritmo lento e, ainda irá a meio do seu Meio, já não se sabe qual o palato que trás mais estalinhos à língua, se Manel se Maria, se o Armando ou a vera Maria. Elevei a Maria a nome completo e desvalorizei o Armando ao tal “&”, minha vergonha aqui reconhecida, par de estalos que merecia pois sanar tal deselegância é difícil. Ainda mais mais que injusta face à paridade na qualidade do parido, hoje afirmo.

Acontece que eu nunca tinha lido absolutamente nada de Armando Silva Carvalho, que me lembrasse. Mais: era nome que me ‘soava’ mas ausente duma referência concreta, um título, um conto ou um poema, o flash duma frase feliz: dele não tinha na minha caixa pérolas, pechisbeque ou verdadeiras. Mas como letra-a-letra será quase como avanço n’O Livro do Meio, o tal ritmo lento que se guarda para as coisas boas, evangelhos de escrita, a admiração flúi naturalmente comum às duas mãos que o escreveram: há momentos em que já não sei se m’admira se me pasma mais a escrita de Maria VC ou a de seu gémeo Armando SC: ele homem de cite curto e investidas ao corpo e não à ilharga, ela mulher de espadas sem tremor no pulso: ali não há ‘pinchazos’ e quem vem ou mata ou morre, pasma o leitor a cada página lambida.

Vai daí fui à procura de "mais Armando" e até encontrei sem sair de casa… No 4º volume da colecção “Ficções – Revista de Contos” (direcção de Luísa Costa Gomes sob chancela Tinta Permanente), número do 2º semestre de 2001, encontro Nome de Flor, e fui-me a ele, Armando. Escrito em Peniche, terra de mar, robalos e douradas escaladas, muito sal e, leio-o, bons contos: quero mais Armando, quero ir-me a ele todo. Vou contar, pois entrou no meu ‘Índex’ invertido, dos obrigatórios e não proscritos:

Eu aprecio um autor muito pelo fôlego do texto curto, e não me refiro à crónica pois aí todos da arte esgalham um pé de dança em quarto de lauda: o conto, essa meia dúzia de páginas que ou encanta e lá conta tudo, ou arrasta-se como se de romance de trezentas folhas fosse. Há exemplos à rebarba em qualquer estante, duns e doutros. Dos bons e cá em casa, agora encontrei este.

“Nome de flor” é o conto dum mangusso, um velho mangusso, ‘velho bíblico’ diz o Armando Silva Carvalho, o & que faltou e não faltará mais. Mangusso de noventa anos que os filhos estacionam às tardes num café onde vê o mar de Peniche, em frente a uma televisão que debita o que ele não quer ver, a ‘catatua’ como lhe chama. Ele, homem que prefere o campo para passear a memória, ele “homem de mulheres” como se assume e, diz, um dia contará aos filhos, ensinará do que foi e do bom que é recordá-lo, mesmo que com a catatua a palrar-lhe coisas sem nexo nem sexo, seu sexo como o recorda. Ele, em bíblica escrita. Em resumo e corram a lê-lo: cheio de pepitas espalhadas linha-a-linha. "À Armando", digo eu agora…

Imagino-o a ele, Armando, sentado à mesa dum café de Peniche escrevendo o conto olhando o mar mas pensando nos campos da sua Óbidos, gémeos de ficção dos da quinta do velho bíblico. Mesa ímpar, ara que ficaste. Ele pai e mãe desta jóia em narrativa, pai do Meio no ventre de outra, Maria. Armando, Armando Silva Carvalho: desculpa lá ó pá, mas olha que eu costumo aprender com os erros, desta calhou-te a ti ensinares-me e da melhor forma que conheço, tu também conheces: em escrito, por escrita. Agora, como disse, vou-me ao resto de ti logo que puder: quero tudo, carne e ossos, conto, romance ou poesia.

(capa daqui)

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Oh para mim a rir enquanto escrevo!... bom, devo dizer que dada a minha esmerada educação na Polana, esforcei-me sempre por escrever também o nome do 'outro' que só conhecia de ler o JL... mas tendo em conta aquela do 'diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és', e conhecendo eu a MVC, só podia ser garante de boa leitura o 'outro'. E é de facto!. Não sei se o irei passar a ler, sei que já me de ti ao lê-lo, lado mangusso lol - fiquei, isso sim, curiosa com o livro que também está no 'meio' deles, o das liaisons, conheces?

Beijão, muf'.

11:30 da tarde  
Blogger Carlos Gil said...

nada. mas vou-me a ele, mais dia menos dia, sei lá quando esse me aparece mas 'vou-me' a mais Armando ai isso vou...
jj

12:07 da manhã  

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