sexta-feira, janeiro 26, 2007

as "tentativas de conciliação", e as tábuas de queijos acompanhadas dum bom tinto


Esta veio à memória a meio duma conversa telefónica, daquelas que começam em alhos mas rapidamente passam aos bugalhos, sempre a parte mais interessante da estória... Veio a propósito de mais uma discussão serôdia sobre "o referendo" - e digo 'serôdia' pelo meu lado pois, por mais volta que lhe dê e opiniões que ouça, ainda não me consegui decidir. Lá irei. Agora é "as tentativas de conciliação", judiciais claro é, e do conforto e ajuda que trazem às mesmas uma tábuasita de queijos sortidos, uma botelha sem olhar a custos a acompanhá-la: não havia advogados presentes.

Por certo nos primeiros anos de 80's, tribunal daqui da zona; edifício que não engana ninguém que o olhe e, conta-se, construído pelos seus clientes mais fiéis, só me restando a dúvida de se o arquitecto também vestia às risquinhas: se não, é a prova em pedra de que a Justiça sempre esteve mal neste país, não é só d'agora... bem, deixo-me disso e passo a contar.

Não foi num divórcio: digamos, eufemísticamente, que foi numa das suas ramificações, acerca dos ramos que nascem ao tronco quando ele bebe a água do Éden e que, ao Outono das ilusões, ficam pendentes: o lado mais triste e penoso desse rachar de tronco comum, ao qual a Lei reconhece, com sensibilidade, importância capital. Tanto assim é que lhe concede, - lhes concede, aos litigantes... - a obrigação, o dever, de tentarem a reconciliação, o acerto das enormes diferenças individuais que, lá sentados naqueles duros e toscos bancos de madeira, construídos sem nenhum respeito ou memória pelo 'senhor que se segue', aí se menorizam tantas vezes àquilo que, afinal, tanta vez são: 'manias', as mesmas que não foram pára-raios ao rachar da árvore mestra do jardim sonhado.

... e, então já lá dentro do gabinete do Juiz - que as 'tentativas' e seus arremedos e floreados são feitas ao recato dos velhos reformados e das peixeiras da praça já com o carapau vendido - vem a tal fase sacramental do Juiz se fartar de ler articulados de lamúrias. e olhar-nos, e sorrir, e tirar a pergunta da algibeira (é ainda sem a beca): "- e vocês já falaram bem sobre isto? já tentaram entender-se? é que - olhem - a mim parece-me que isto resolvia-se se ambos se falassem, se entendessem... reparem: é só a) + b) e + c) e temos aqui já praticamente feito o acordo e arruma-se com o processo, já!"

Falinhas mansas e cus doridos. Conto também que, 'antes', lá nos tais bancos duros como devem ser as mãos que os fizeram - só me lembro dos Dalton a partir brita quando olho para aquele monstrengo semi-helénico semi-estado-novo semi-o-raio-que-o-parta que está no cimo da avenida - e, entre olhares que ainda se adoçam à mínima piscadela, já ambos interiorizáramos "mas o que é que estamos aqui a fazer...". Portanto o 'sabidolas' do Juiz já reparara que aquilo, peças do processo com artigos e alíneas à náusea, era muita parra para tão pouca uva: dê-se-lhes um pouco de tempo e habemus menos um, e dos 'bons'. Aliás, só não entráramos no gabinete do Magnânimo de mão dada pelo respeitinho ao mesmo e, também, os tais à bê e cê.

Vai daí um sugeriu e outro logo abanou que sim, que nos dé-se uns minutos para, a sós, nós podermos conversar a) + b) + c). Dito, despachado e ninguém meteu recurso: saímos para o hall-gaiola de exposições e má-língua, demos de caras com os bancos e, românticos que éramos, claro que sentimos um instintivo incómodo em pensar que íamos, novamente, sujeitar os nossos elegantes rabos àquele tratamento de polé, que nem o Rantanplan teria permitido aos seus desconsolados guardados. Com naturalidade 'saímos lá para fora', descemos à rua e já nas escadas o b) parecendo longe e inútil demais, quando o que se pensava era noutras letras e as leituras eram outras... 'the same old story', e o Juiz já era macaco velho, cliente dos galhos das 'tentativas de conciliação'. Principalmente aos que, literalmente a arrancarem-se cabelos segundo os papéis em cima da secretária, só não entraram no gabinete de mão dada pelo imenso e judicial respeito que tinham ao edifício e aos seus habitantes, mais ao raio dos inqualificáveis 'bancos'. "- Ok, vão lá fora combinar isso e daqui a bocado continuamos".

Sabe quem conhece e se lembra, que na tosca rua que desce quase ao lado do tribunal para o bairro de S.Domingos, havia, logo à entrada e em desnivelado com o passeio, um simpático restaurante que, na banalidade do ter de comer fora todos os dias, nem aleijava muito e até costumava agradar: é do tempo em que comida 'caseira' de restaurante não era ainda arroz de feijocas com tudo, havia galheteiros e servia-se vinho à jarra. Bem, não foi à jarra e veio com os queijos.... à época, o aprazível pasto era gerido por um ex-emigrante, 'da Bélgica' dizia-se, atestado sussurrado como de entendido pois, lá à Flandres, o man fora escanção e até gerente de restaurante que, se não o era ou fôra, tinha-se por afamado. Hoje, ali, a 'tentativa'. Ali - e nós lá! sentados e acamadas aquelas gostosas partes, veio a carta e falou-se, este p'ráqui este p'rácola, os olhos conversavam-se e o emigrante sorria: finalmente alguém aceita a sua sugestão dum tinto sem espreitar o lado direito da carta, e ele não fora parco nem modesto na escolha pois a tarde ia quente e aqueles - via-se... - tinham em muito mais que pensar, havia no ar outros palatos sequiosos, salivantes... (outro 'macaco velho', estava a conjura montada... eu conto:)

Caramba!... como é bom viver! mordiscar aqui e ali, um tragosito e um sorriso, sabores únicos!... a, depois a + b, c e o mais que fosse: a tarde parou ali, perfeita e cheira de odores e sabores, e assim se fez Justiça à tábua mai-lo vinho... A folhas do processo, horas e minutos que já não se sabiam, celebrou-se e brindou-se à 'tentativa de conciliação' conseguida, ao sucesso e ao enterro do processo judicial, certamente prazer também para ele, o homem da capa preta. E é quando esses pormenores vêm à cabeça, as horas e os minutos que se materealizam quando a garrafa está já no fim e dos queijos só restam as cascas, junto à conta que nem se regateou - não havia advogados, recordo-vos -, que nos lembramos do Senhor-à-nossa-espera e foi num pulo de mãos dadas que subimos a escadaria a tresandar a queijo, vinho, e outros odores excitantes, e fomos directos ao fuinha dos papéis para ele avisar o 'Senhor Doutor Juiz' que havia sim, havia 'acordo' em a), b), c), e mais umas coisas que não lhe contávamos - por agora; e o Futuro só lhe pertenceria quando os 'seus papéis' derem oficialmente entrada, formato e timbre de selo e em triplicado. Veio a acontecer mais tarde mas não naquele sagrado e apaladado momento.

Aqui foi o fim da macacada, já que esta estória navega no jardim zoológico (navega? ok, deserasquem-se vocês)... o homem do bibe preto estava 'piurso'... a essa hora certamente até já mandara colegas reforçarem a equipa de construção civil e demolições dos Daltons, tivera até tempo para ensaiar o discurso com que nos recebeu: deu-nos e leu-nos das boas, furibundo! é que nós nunca imagináramos duas coisas, assim: primeiro, que a tábua e a botelha demorassem tanto tempo para serem devidamente namoradas; segundo, que tal coisa de hora-e-meia duas horas fosse levada tanto a peito por quem não comeu nem bebeu e só resmungava... quando soube do banquete no hiato os olhos faíscavam!...

Despachado e lavrado o acordo entre encabulados 'sim' e 'não' a que, corados, respondíamos às perguntas do Ilustre, a sentença teve final já engatilhado pois foi lido em tom sarcástico-cruel pelo Meritíssimo, enquanto a seu fim rabiscava: "vão os requeridos condenados 'x', cada um, a título de multa do artº não-sei-quê de código não-sei-quê, pelo atraso na comparência na sessão de continuação da diligência, embora avisados". Um xis que foi um raio, pois ele deu-se sérias parecenças ao outro, ao belga dos queijos e avental à cintura... em 'custas', coisa p'raí duns dois contos a cada, um balúrdio, um desperdício quando se pensava o que esse dinheirinho faria com certas ementas que, até, faziam nascer acordos e outros salivares...

'tentativas de conciliação', pois é... Hoje, é bonito recordar estes episódios, continuo é a embirrar com o mastodonte sem jeito do edifício quando lá passo; e, quantos aos bancos, nem pensar em me lá sentar... foi-se "o belga" mas veio o sucedâneo e há por ali outros, tempos já houve que, lá em volta do tribunal e da praça, eram quase porta-sim porta-sim... Haja 'tentativas' e dinheiro para as custas, que, querendo, vinho e queijo sempre se arranja!
(post a lembrar-me 'do Juiz': ele tinha do nos pagar, 'tá feito! :-)

Nota da redacção: há boas-almas na terra, tanto que algumas dizem que chegam ao céu, e nos blogues também as há. Estou avisado de que, algures por aí lençol acima, há advérbios que 'não são sempre assim', como mui liberalmente por mim usados. Este reparo serve de correcção então ao erro.
Quantos aos outros, ao meu banal, parece que nada haverá sem ser alguma letra trocada: estou a melhorar. Eu, campeão dos erros gramaticais (e até ortográficos...) e já quase sem-vergonha deles: os meus pronomes que deixam-de-o-ser já são conhecidos, fora o resto, aquele imenso resto em que então, quando calham-me, há quem deseje dar-me reguadas, sei-o bem! :-)
Tudo fixe. Se calhar sem dá-los tanto assim escrevia menos, era mais 'sintético' e, palavra, não me vejo-escritor à la post de linha-e-meia e já está: além de que é 'muita difícil' comprimir sem deixar escapar nada de grave, gosto do desenrolar do 'testamento', do desdobrar do 'lençol'... estender as ideias, contá-las, zurzi-las ou acarinhá-las conforme elas se espreitem...
Claro que gostava de dar menos erros... Caramba! como há vezes em que fico mesmo envergonhado! mas... Ultimamente arranjei esta máxima, e ainda não a gastei: "o que é é, e não vale meter no bolso o que está à vista". Mas, sei-o e parece-me legível, dou-os menos e, portanto, estou a melhorar com estas lembranças atentas. O devido Grato.
(vamos lá a ver se ainda me safo ao que realmente me preocupa, as reguadas...)

"Web"


(por agora sem foto, já estou aqui há tempo demais; mais tarde procuro uma coisa qualquer. adenda: corrigido o texto, desenrasquei uma tábua de queijos aqui, e a carantonha do homem das multas aqui.)

1 Comments:

Blogger th said...

Li-o no xixas, mas sabia que o ia encontrar aqui.
Eis um lençol de boa prosa e alguns erros, que nós (eu) perdoamos pela fluidez da escrita.
Gil a caminho do seu melhor.
Parabéns, th

12:26 da tarde  

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