domingo, agosto 06, 2006

trinta anos depois: eu


Gostava de voltar a Maputo. A uma cidade que psicologicamente quero reconhecer, que quis minha aos dezoito e onde hoje não conheço ninguém. De mim vazia, sem cantos que chame meus, e onde as esquinas que encontrarei são mais momentos para nelas assentarem os silêncios das memórias, de quando elas eram tão diferentes que quase já delas se não reconhecem as inscrições nas pedras, que para um presente sem histórias para me contar, mudo no falar-me dos carinhos das manhãs e as suas ruas contarem-me dos cresceres de ontem e de antes de ontem. Um vazio de trinta anos sem registos, espaço de memória que não se recheia só porque se lhe sentiu o vazio, um buraco inteiro para encher, escrevendo-o. Como se escrever o passado não é mentir, como se gabar 'estes' deliciosos rissóis ou as lindas pernas 'daquela’ pita não sejam factores subjectivos e volúveis, perenes como é a fé na eterna dose certa de tempero ou a é no brilho do bronzeado durante todo o longo ano: trinta anos são muitos álbuns de fotografias arquivados. Voltar também o eu-agora, naturalmente aos cinquenta anos melhor leitor que então, impulsivo e umbigista. Voltar, pensar-me. Voltar a Maputo ou ao ponto onde fiz clique, uma opção?
Não a imagino, nova cidade: digo a todos que o seu presente não me espantará e não entrarei no perigoso jogo do passado; porque o receio, o medo, é pelo silêncio. Temo-a por não querer sentir nela o mesmo que em Punta Umbría, e pensar que os espanhóis escureceram de repente. De cirandar à procura de pontos turísticos, os globais e os pessoais, esconder-me atrás duma figura, um cliché, uma multidão que faz a sua 'Meca' pós-colonial. Ousar referir um dia, em conversa, que "fomos a Sevilha e a Maputo, tenho umas fotos porreiras". Temo-o, dar comigo assim, velho vencido pelo fim da inocência da juventude.
Mesmo assim gostava de lá voltar para, olhando a baía, ter uma conversa comigo mesmo; utilizando o verbo curriculado como defesa e ânimo, dose pessoal de auto-coragem para me sentar na marginal ou num jardim das 'barreiras', e reconhecer calmamente até que ponto tenho mentido sobre o porquê de lá querer voltar. Fechar os olhos e fechar também um livro que tem tantos anos com páginas em branco. Depois sigo os elefantes: está feito, rasguei a foto.
(composição fotográfica da pitinha Ro)
(nota cerca de duas horas após a postagem: alterei umas frases. acho que está melhor, 'conta' melhor)

14 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Li-te, com o respeito que o texto merece - um beijo, muf'.

11:05 da tarde  
Blogger Carlos Gil said...

outro, muf'

2:18 da manhã  
Blogger Cine-clube Komba Kanema said...

Sabes que és bemvindo. Rens cama mesa e roupa lavada, como se costuma dizer.

Machado

6:33 da manhã  
Blogger Carlos Gil said...

Obrigado Machado. "um dia destes" aproveito e bato-te à porta...
:-)

12:28 da tarde  
Blogger Luisa Hingá said...

Também quero lá voltar Carlos. Passei-te quase à porta na sexta-feira, mas ía com urgência para Coimbra.
Bjs

1:15 da tarde  
Blogger Carlos Gil said...

Lu: li no teu canto a razão dessa viagem. O meu abraço, apertado.
E que tal irmos juntos a Maputo? contigo a bordo até me passaria o receio de voar!... há maior especialista que tu em coisas que aboam? lol

1:42 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Carlos, quem é que não gostava de lá voltar??!!!!!?????!!!!bjs.

11:58 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Este mês faz 28 anos que pela última vez vi a nossa cidade!
Será a ida a Maputo(ou será regresso a LM?)como o final da viagem que naquele dia iniciei?
Bj Carlos. Mais um lindo texto que reflecte muito do que alguns de nós sentimos.

12:58 da tarde  
Blogger Carlos Gil said...

Elsa e Kikas: em memória, e os textos disso falam constanetemente, 'farto-me' de lá voltar. Fisicamente, no 'real'... não sei não.... uma coisa tenhoa-a como certa: não pressiono, não forço "um regresso": se e quando for, acontecerá com naturalidade, na altura que calhar. E se não calhar... não calhou. O que não quero, acho até que era um 'insulto' mais a mim ue a ela, era lá voltar à procura de camarões e de fotografias das velhas casas, roteiro gastronómico-saudosista.
Um beijo às duas

1:48 da tarde  
Blogger Luisa Hingá said...

Garanto-te que seria uma viagem divertidae que perdias o medo...
Obrigada pelo abracinho.
Bjs
Luh

1:28 da manhã  
Blogger jpt said...

ainda bem que tens cama. eu ofereço caranguejo et al.

6:48 da tarde  
Blogger Carlos Gil said...

2M ou Laurentina? :-)
(mais uma campainha que um dia destes vou tocar! estou a ver que quando aí for tenho de levar farnel de Rennie's e Gurosan eheh)

10:57 da manhã  
Blogger jpt said...

não vale a pena o peso, vende-se por cá ... para mim Amstel sff

8:38 da manhã  
Blogger Madalena said...

Senti-me eu a pensar, mas com palavras mais precisas e ainda por cima mais bonitas... Acontece-me com os escritores!!!!! Dizem o que eu sinto e o que eu queria dizer.
Também quero dizer que quero lá voltar, mas não quero ir sozinha, quero levar o meu presente ao encontro desse passado que é meu e deles, também, necessariamente...
Obrigada, Gil! Pode ser que a gente se encontre por lá, num daqueles lugares que dizes, por exemplo, a ver a Baía!
Beijinhos para ti.
( O avião está quase completo?!)

10:08 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home