terça-feira, julho 25, 2006

bricolages...



Há tarefas na vida que um Homem tem de completar após o mau momento de lhes ter empenhado mãos, prestígio, honra: por vezes tudo começa num momento de consumismo impensado, noutras é por via dum presente irreflectido mas bem intencionado - foi o caso...
Minha irmã, recém solteira e na fase de materialização de sonhos adiados por anos excessivos, anda a redecorar o ninho, um quadro aqui, uma almofada acolá, que lindo que isto ficaria e até está barato, enfim compra o que pode e o que nem precisa nem lhe serve, neste último item incluí-se o meu mais recente legado: um armário de casa-de-banho que, por certo pensava, na dela ficaria a matar mas, afinal, depois concluiu que não ia com os cortinados. Em suma: herdei-o, meio indeciso entre o que lhe fazer mas com o bichinho da bricolage - essa doença infantil do machismo... já ruminando das suas. Nem poderei alegar que o dito me fazia falta pois desde que nos olhamos, ele na colorida caixa de cartão que o albergava enquanto ainda puzle, racionalmente percebi que na minha 'casinha' não tinha espaço para ele sem proceder a prévias obras de canalizador, de ladrilhador e de pedreiro. Foi pois jubiloso que o aceitei pois sessenta e nove peças para montar são dos tais desafios que Homem que se preze nunca recusa: nestas tristes eras é deste aço que se moldam os machos, ora que já não se contrói o 'tipi' para a sua squaw mas resta sempre a via do bricolage para, exemplo, oferecer-lhe um armário de casa-de-banho novo, montado com as mesmas mãos que a acariciam. É inegvelmente másculo. Além de que ele, armário, quando pronto e tendo como tem umas rodinhas, sugere e inspira umas novidades cénicas ao relacionamento íntimo, coisa que, penso para mim no silêncio em que aparafuso D4 com F2, poderá vir a ser sumamente agradável e a dar-lhe usos muito mais nobres e devassos que os sugeridos na caixa ou no folheto, uma espécie de Disneylândia para adultos e muito privada...
A montagem caminha para o seu meio, passados dois dias. As razões são várias, destaco as principais: a) não é tarefa solitária mas sim para serões familiares: cada peça que encaixa, cada rodinha que se coloca, cada praga que se solta a um parafuso que não entra, são eles o fermento do prestígio que se granjeia como Homem da casa, cimento e cal de reputações que um dia serão lembrados - e assim nascem as Lendas, acredito...; b) na primeira investida percebi que faltava uma peça, mas 'decorativa' que é resmunguei e ignorei; hoje, ao avançar para bingo, dei pela falta doutra, esta nuclear, trave mestra para que o armário não desmorone quando, altaneiro, lhe encontrar local e utilidade, ambos hoje ainda insondáveis e já objecto de mordazes especulações no seio do clã; e, c), sessenta-e-nove-peças são muitas peças, além de que trabalho de relojoeiro carece de minúcia, inspiração, ferramentas adequadas e calos nas mãos (porque será que o raio dos parafusos nunca entram logo à primeira nos buracos que, presumivelmente, foram feitos para os acoitar?), tudo mais raridades que abundâncias cá pela casa - excepção às ferramentas: há stock para demolir o prédio, se necessário.
No fundo da caixa vinha um esquema de montagem, step-by-step, esquematizados doze passos, digo doze tropeções: estou entre o terceiro e o quarto e, confesso, além duma bolha numa mão já ouço ironias e vejo comiserações, 'amigos' conselhos a uma avisada desistência. Vencerei. Há coisas na vida que um Homem tem de fazer para sê-lo, integral, e não há armário em sessenta e nove peças (e sete, faltam duas) que o trave ou o vergue, um macho é um macho e há outras alturas em que tem de prová-lo.
Prevejo que lá para o Outono haverá novidades, fumo branco, armário e sorrisos novos.