Coitos em Hotéis
Sou um fugitivo compulsivo. Neste correr louco até que me agarrem conheci mais duma centena de hotéis e algumas pensões e, duma vez, dormi numa espelunca colombiana dum lugarejo perdido entre selva, montanhas e árvores de coca de que não recordo nome, cota ou indigenato, além do calor húmido que rolava e me envolvia, e dos muitos monstros que li naquela juvenil insónia. Corro de chek-in para chek-out de todos que a caneta (me) inventa na demanda da sua hospedagem perfeita, primeira razão da fuga.
Os hotéis são todos iguais. Resisti muitas vezes ao chavão mas não o faço mais pois ele é mesmo verdadeiro: efectivamente os hotéis são todos iguais e esfalfo-me no improviso que exige a folha em branco, nos seus jardins busco uma palmeira original para desvirgulá-la. As comidas, multicoloridas e sempre horríveis; os empregados, sempre jovens e simpaticamente distantes; os quartos, banais, filhos do mesmo ogre entediante e da mesma desinspiradora musa, óptimos para aleitar sonolentos climas de evasão: nada num hotel é original, nem sequer o repuxo no jardim enquadrado entre o verde que amamenta e o azul da piscina, ela também gémea. E os corredores, esses..: abro a porta e lá está sempre o mesmo longo tapete que me abafa os passos, trilho deixado pegada a pegada por mim e outros fugitivos, e se calhar ele é o mesmo tapete em todos os hotéis que imagino e escrevo, sempre longo e silencioso acesso ao altar da Ficção. Talvez até algumas marcas tenham sido por mim deixadas e procuro sempre encontrar nas paredes um coração ideado e desenhado que seja parecido com o meu, um nome que fale de mim, como nas marcas nas árvores que na infância nelas recortava e perduram além dos amores e das permanências. Pois, nem garanto que não me repita nas reservas que a caneta traça nem se esqueça que os hotéis, esses coitos na Fuga, são todos iguais: leia-se um romance ou os folhetos das ilusões, ficcione-se um ponto A e um ponto B e há um solarengo hotel de permeio, feliz excepto nas noites tempestuosas dos policiais em que há uma porta que range, uma faca que brilha, um tapete manchado, chek-in e chek-out de casamento súbito em elegia à Ficção, essa fugitiva ao fugitivo.
É ali, no corredor que se abre e mostra a sua folha cã, atapetado de silêncios à porta das celas numeradas, que o sinto mais que em qualquer outro local como sendo ele igual a todos os outros, déjà vu mais visível que nos ovos mexidos com bacon mal-passado ou nas saladas de sempre, pequeno-almoço, almoço e jantar incluídos na Fuga em ração completa. Não paro num corredor de hotel, a exemplo para olhar a simetria capicua dum número de alcova ou o replay dos quadros nas paredes, sem que me sinta metediço no silêncio hirto das paredes que me olham em muda reprovação pelo atrevimento da intrusão. É o mesmo hotel; aperto o passo e sigo o trilho, fujo, fujo sem fim: eles são intermináveis porque se repetem, e reconheço na decoração passos que dei noutra caligrafia desta corrida de reinventar o inventado, esta espelunca da Ficção. Fujo. Corro, peço a conta e pago, fecho e abro o caderno e voo para outro, na viagem entre dois coitos tomo as asas doutras evasões, biberão de caneta-ficção com aparo rasurante à realidade.
É esta a segunda razão, pena eles serem todos iguais e ser difícil ao tédio não rasgar a folha quando, novamente, corro no silêncio do tapete dos seus corredores sem encontrar um traço meu, uma marca uma vírgula, uma letra-coração, coitos do jogo-de-escondidas de mim.
3 Comments:
Facto: já tinha saudade de te ler em português.
Pô que gostei mesmo...não tentei entender tudo como na arte, apenas que gostei, gostei.
Fazias falta...fazes sempre falta.
Eu, de sofá, a ler-te, th
Lindo. Que saudades do tempo em que acreditava que havia pelo menos um hotel, uma pequena residencial, que era diferente.
um abraço
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