quarta-feira, agosto 02, 2006

na gávea do olhar


O porta-aviões atracou no Maine, numa ilhota qualquer que Stephen King ainda não contou. Ideal para isso, porto lento e morno. É a segunda vez num ano, não é paragem habitual mas já há na memória da marujagem o suficiente sorrir de expectativa para o barco todo ser um zum-zum gigantesco antes de atracar: lembram-se da pequena cidade e das lindas raparigas, o fascínio que da outra vez foram as fardas e as sorridentes cabeças rapadas. Fizeram fila para a tosquia e foram ao ginásio dar um toque aos bíceps e aos peitorais, atracaram, atropelaram-se para o cais, a pequena cidade, telefonaram à família e aos amigos entre duas cervejas e um beijo, enquanto o velho barco ganhava fôlego para mais outro voo, já um nadar fatigado. Ele, suspirando entre jactos de fumo, resfôlego cansado, deitado ao longo do agora ainda mais pequeno cais, sua cama quando visita o Maine e as suas cidades que a ficção ainda não contou. Eles, suspirando olhos bonitos e quentes, pés na terra firme da côrte ansiosa dos vintes, fogosos vintes, ardentes vintes marinheiros, especiais. O porta-aviões apitou, resfolegou, satisfeito: os seus meninos estavam a brincar, felizes! Como é belo, até poético, o olhar do marinheiro que espreita a terra e solta planos de euforias à mistura com a sua cabeça rapada na farda branca... loucos e sequiosps por festa, cerveja, talvez sexo, os sonhos e os planos tão perfeitos e românticos como só um marinheiro de vintes, cabeça rapada, os poderá imaginar: é clássica a imagem mas sempre entusiasmante, injecção de adrenalina e de vida na linda e pequena cidade, o cais tão pequeno quando o porta-aviões lá atraca. Na memória dum galeão que recolhia as velas e soltava o seu brado no chiar das madeiras e das cordas por festa, mulheres, vinho, antes um drakkar vikingue, ou sempre que uma proa, saudosa, beija o cais e o barco e a cidade namoram.
Há um dar de mãos especial entre o romance e o mar, velha história de marinheiros e namoradas de marinheiros, porto a porto se conta uma tradição, soa a sirene do desejo, enfunam e enchem o horizonte as velas da aventura. Amor e mar, a mais bonita canção de marinheiro.
(gamei a foto do barquito aqui.)