terça-feira, agosto 08, 2006

papéis da vida

Odeio papéis. Vou explicar-me melhor: odeio o trabalho que faço, o que os papéis que produzo fazem às pessoas que os recebem. É um pequeno passo para o permanente e deliberado atraso, o pejo, o nojo que sinto em cada "processo" que pego, que me cai em cima da secretária. Esse pequeno passo já há muito que foi dado e, hoje, só um salto de gigante poderá acertar o passo aos (meus) papéis. Eu, metro e setenta e quatro e barriguita de cinquenta anos, duvido que o consiga dar.
Olho os 'montes' com ódio, as lombadas na estante que não são anónimas pesem os discretos números que as identificam. Sou o carteiro das más novas, o "filho-da-puta" da terra. Odeio também esse retrato que os papéis dão de mim, cada assinatura que faço, cada registo postal, cada molho de fotocópias que agrafo, cada raiva que em mim cresce quando trabalho nestes papéis. Desculpem o desabafo. Estamos em Agosto, época óptima para pôr "papéis em dia". Corri o Junho e o Julho pensando nisso e fazendo promessas a mim mesmo que, intimamente sabia, não iria cumprir. Não sou capaz, pela sua natureza e pela quantidade. Não tenho pernas para este salto, pequeno passo para assinantes de cruz e abismo para quem lê nomes e imagina caras antes de os assinar. Porque não desisto? porque não parto para outra, como soe dizer-se, outros papéis, assinaturas mais suaves, envios postais menos dolorosos? Porque não posso, o 'sistema' não o permite: só se passa a pasta a outro se "o serviço estiver em dia". Meio Agosto já lá vai e o pequeno passo permanece enorme, os montes olham-me, eu olho os odiados papéis.
O que aqui digo em voz alta (mas escondendo os papéis pois envergonho-me deles) disse-o em confidência a muito poucas pessoas, aquelas que entendi que poderiam compreender esta prisão, meu drama profissional que não tem horário nem descanso e vive comigo lado-a-lado cada minuto que passa, cada papel que me olha, cada relutante assinatura que expeço, devidamente AR e registada. O pequeno passo. Dei-o, já o disse. Hoje é um buraco e precisaria da vara do Bubka para o saltar. Agosto, mês de tréguas: depois virá Setembro, por certo o adiado mês da vingança dos papéis. Odeio-os, há papéis que são implacáveis.
Serei um mau saltador e pior profissional mas gostava de ser recordado como um bom homem.
(a papelada da foto estava aqui. a outra, a 'minha', anda por aqui... olho-a e ela olha-me)

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Teoricamente,faltam-te ainda 50 anos até, realmente, estikares o pernil. Pensa bem nisso e, depois, arruma o atraso e passa a pasta. Trata-se da TUA vida, não te esqueças, oh tu que mereces ser inteiro, e feliz - beijo, muf'.

10:51 da manhã  
Blogger th said...

Muito poucos de nós faz, profissionalmente, aquilo que gostaria de fazer ou se acomodou àquilo que faz...há sempre queixas, sempre um momento ou outro em que gostaríamos de mandar tudo às ortigas.
Outra coisa é estarmos de bem connosco mesmos, sentirmos que o que fazemos é para o bem comum, sejamos justos. Procura a satisfação do teu trabalho naquilo que por certo é justo que seja feito. Não há inocentes, tu sabes.
Segue o conselho da IO: "arruma o atraso e passa a pasta".
Um beijo cheio de cumplicidades, th

12:54 da manhã  

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