quarta-feira, fevereiro 21, 2007

óbito prematuro


Já dizia o Mark Twain que «as notícias sobre a minha morte são um pouco exageradas».

Esta tarde, curiosamente em Alpiarça e não em Almeirim, fui carinhosamente informado que correu há uns tempos atrás, cá no burgo, o boato que "o Gil tinha morrido". Parece que começou num café que eu até bastante frequentei até à minha actual 'fase' de eremita, e a mocinha do bar disse a alguém que "morreu o Gil", não especificou qual Gil ou quem ouviu não lho perguntou, houve passa-palavra e quem telefonasse para o 'Gil da Tapada' - atendeu, está de saúde, avé -, etc e tal, para mim ninguém telefonou (ainda bem) e não sei se à tentativa de funeral houve ou não muitas presenças: eu é que não estive lá, juro, até porque ninguém me avisou e, assim, a minha falta de corpo presente deverá ser considerada justificada por quem de direito e adiadas as exéquias sine die e hora marcada.
Pois esta tarde o Mocito fez uma cara alegre do tamanho da sua semi-careca ao ver-me, eu radiante por vê-lo rosado e recuperado duns tratamentos que fez, daqueles tais em que os químicos e a terapia deixam o doente com aspecto de mais para lá do que para cá, ele quase a dar-me um abraço e a dizer «ó Gil! ó Gil! sabe lá o que constou de si...» Enfim, lá se esclareceu a confusão acerca do meu fantasma e passamos a factos reais, tais como a feliz e espectacular recuperação dele.

Para mim não é estreia. Se desta vez em absoluto rebate falso, pois, conjugadas e adicionadas as minhas maleitas de momento não aconselham ainda visita a um alfaiate-carpinteiro (diarreia, rouquidão, tosse de fumador, 'brecas' e pouco mais físico, o longo resto é de foro psiquiátrico e acho que é como o Toyota: veio para ficar e sem taras já nem me identificava), há uns oito anos atrás, aquando da minha primeira crise grave de Crohn e em que passei quase um ano inteiro no entra-sai do hospital da região, aí mais fundamentado, correu por cá igual rumor e quando voltei às lides diárias durante as primeiras semanas era interpelado constantemente na rua: «ainda bem que o vejo! sabe que me disseram...", "eh pá! bons olhos te vejam! olha que...", outro etecétera que dá para calcular como era. Depois passou, naturalmente eu regressei à paisagem do quotidiano vivo e ainda por cá ando, mais um cadáver adiado.

É curiosa esta sensação. Se quando se está muito doente é natural que se pense na sua própria morte e, tendo-se desaparecido de circulação, os não íntimos tenham-no pensado e até ventilado como hipótese, também há outros momentos em que a qualquer um tais ideias mórbidas se alojam e anda-se pensativo por más razões. Mas não são pensamentos que se partilhem, há uma reserva natural em tornar públicos tão lúgubres exercícios que ficam na intimidade até um dia se ter um blogue, que é uma espécie de inconfidente bebedeira. Diferente é esta sensação de ser-se defunto sem menor aviso, ter-se noção de que houve quem nos riscasse da paisagem e 'encaixotado', daí os olhos, cara e palavras de surpresa e alegria - mútuas, acrescento, pois eu sou dos que gostam de "cá andar".
De Alpiarça até Almeirim vim a matutar no assunto e isso só podia ter um caminho: estou há um quarto-de-hora a contá-lo no canto de todas as confidências, a deixar pública fé da minha permanência e sobrevivência: este é o meu melhor post de já há bastante tempo!

PS: os meus pêsames aos familiares e amigos do vero Gil falecido, se o houve: não faço a mínima ideia de quem tenha sido o infeliz e, havendo-o, só quero dar-lhe um abraço solidário daqui por muito, muito tempo...

(túmulo daqui, visita que desejo longe de mim)

4 Comments:

Blogger Ana Saraiva said...

Bons matutanços e boa vida a de quem assim pensa e se pensa

11:35 da tarde  
Blogger th said...

eheheh, levantei-me do sofá...perdi o lugar!

1:17 da manhã  
Blogger Carlos Gil said...

lol

:-)

ass.: webito mangusso

1:27 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

está excelente o post, que escrita tão divertida.

10:07 da manhã  

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