sexta-feira, janeiro 19, 2007

Haikkus no Metro, atenta a Dinamização Cultural

(Fernando Grade)

Tenho a sorte de conhecer este 'maluco'. Há mais de vinte anos e com 'dezanove' de permeio, até ao ano passado, falados-encontrados casualmente na estação de Metro do Campo Pequeno após uma apresentação dum livro dum amigo comum, no Galveias, onde nos entreolháramos à distância: eu nas certezas tímidas de quem olha mitos vivos, ele nas dúvidas da cara vagamente reconhecida. Fizemos uma Festa! foi bonito de ver - há uma testemunha: minha irmã ia connosco. Na carruagem, a trautearmos velhos poemas - haikkus dele, eu a picá-lo com os que mais estimava na memória - e nesses "dezanove anos" nunca os esqueci, mesmo se com rimas 'atrapalhadas'!...


"Exclamativo às portas da cidade"

Não há tusa
para tanta musa!

.....
ou este...
......

"Estribilho para o nacional cançonestimo"

Quem diz prolixo
diz prò lixo.

.......
mais:
......

"O Último Manifesto"

O hipopótamo falava pelos cotovelos.
Então comeu as nuvens todas? Era fatal:
a erva não chega ao nariz do animal!

.......
(eu puxando alguns motes, ele completando na ponta da língua!...)
......

"Haikku contra a geometria romântica"

Nunca tive jeito para a geometria
porque vejo sempre na pirâmide
o suor de quem a construía.

......
mais dois de seguida:
.....

"Exclamativo Europeu"

Chiça:
que a menina aprendeu línguas
na Suíça!

....

"Perguntando sempre"

- E os crimes, meu general?
- Ah, isso foi há muito tempo... Já ninguém se lembra!

......
depois, em gargalhada já gritada em alegria, o Eleito:
.......

"Rusga no Bairro Alto com saias gritadas
correrias apitos estridentes (vão na ramona!)
e o que seria escrito no relatório
se (por obra e graça do Espírito Santo)
o polícia de costumes se transformasse
em mirone desapaixonado
ou cronista de ruas malditas"

A pega não deu o pito ao chui.

......

Apoteose. Mais que Passe foi Serviço Social: havia sorrisos no Metro das nove da noite, acreditam?

Eu e ela descemos para Alameda e daí para a Expo, ele seguiu para outro comboio e daí até ao Estoril (Madorna? p'raí...), nós já seguíamos a olhar para Santarém.

As "dezanove distâncias" não valeram puto. Santarém. Conheci o Grade nos tempos de fundação do Centro Cultural Regional de Santarém, tempos em que havia empenhos e apoios que se entendiam e improvisava-se o resto. Fui 'fundador', e só não assinei a escritura de constituição formal por estar nessa altura a estrear-me em hotéis-hospitais: tinha partido uma perna num acidente de viação a caminho de Tremez, num Fiat 850 daqueles que pareciam um ovo e tinham o motor atrás: fiquei 'abraçado' a uma árvore pois o mano Adriano não teve mãos para tanta lata em tanta curva e tanta chuva. Um dia re-conto, pois recordo-me de já me ter chibado nalguns posts lá para trás acerca das "maçãs do Malveira", e se calhar de mais coisas, tal como dos jogos de xadrez pela noite fora quando certa equipa de enfermeiros estava de turno: iam buscar-me à cama com o maior dos cuidados e silêncios, e lá ia eu na cadeirinha para a sala deles até às tantas, uma tábua enfiada debaixo do rabo para apoiar a perna mais a "antena de televisão" e os pesos pendurados na ponta. Era 'fixe', pois S.José, pelo menos à época, parecia um "hospital de malucos" tais os retratos e os espécimes que ali se amontoavam: havia momentos em que me parecia viver um filme à Fellini e, à hora das visitas, temia que aparecesse até o próprio Arrabal e déssemos para nos devorar uns aos outros ou a nós mesmos, tal como me lembro de ver num filme dele, já fins de '76 e no "Avenida" da baixa da então ainda Lourenço Marques, em que há um 'man' que, parece recordar-me que num deserto ou isso, come um bom naco da própria mão. Hospitais, as maçãs do 'Malveira' (assim porque era da Malveira, tal como na tropa a toponímica natal serve de nome) que já não tinha uma perna e estava à espera duma peça qualquer (que viria da Alemanha, bom aço) para levar finalmente a prótese do joelho para baixo embora, ele jurava, ainda sentisse comichão no pé que já não tinha: 'sentia' o volume da parte decepada. E rilhava as maçãs

(tema recorrente em mim de há uns dias para cá, infelizmente....) bem, o Grade

não: ainda há mais maçãs:... sempre que um avião passava lá por cima, nós para o Malveira: "- oh Malveira! é neste que vem a tua peça, os parafusos!" E o Malveira nada, nem resmungava pois estava permanentemente ocupado a rilhar dum cesto de maçãs que a mulher renovava sempre que lá ia à visita, umas duas à semana. E peidava-se muito, devia ser das maçãs. Na 'noite pesada' das noites hospitalares ouviam-se os dentes dele (chiça, não estudei na Suíça mas não me calo com a deixa!) a rilhar, a rilhar (palavra linda...) e havia sempre alguém que protestava: "- porra! já estou a sentir o cheiro! pára com essa merda das maçãs, ó Malveira!"
- o Grade:

Houve uma sessão de poesia que se organizou logo nos primeiros tempos, misto de sarau e conversa e com a presença de Autores, no auditório do Arquivo Distrital, em Santarém. Logo na primeira tarde, ao sábado, daqueles verões como só se sabem como dóiem a quem vive no alto de Santarém e olha o rio seco, minguado, mesmo assim tão grande para o (para ele) tão pequeno riacho que é o rio formado pelo suor de quem suporta os verões do planalto. Nessa estreia um dos Poetas era nem mais nem menos que o Fernando Grade. Que já tinha não só a boina e as barbas como também a áurea: era "personagem". E, precavidos e para receber bem, atento o estio, comprámos uma grade de minis para alívio e dessedentação à figura que íamos receber.

Chegou numa velha R4, sei lá conduzida por quem pois o Fernando não conduz, que eu saiba. Com sacos e saquinhos com livros, pronto a estender a sua banca de 'Viola Delta's mais as múltiplas edições do Mic - Movimento de Intervenção Cultural, cooperativa cultural de que é presidente honoris discussão desde a brilhante ideia da sua fundação. Enfim, estava calor e vivia-se, talvez p'raí, 1980 ou 81. Como ainda era cedo para irmos para o M. Distrital (insisto neste pois há outro em frente, onde a segunda parte se passa) que ainda nem estava aberto, acolhemo-nos no (vamos lá então...) quase em frente, o conhecido 'Museu dos Cacos' de Santarém, aquele que tinha à porta dois elefantes em certa pedra, sendo que do 'dessa' resultava que, o mais próximo do estreito passeio lateral à secular capela hoje museu arqueológico, tivesse a zona do dorso junto ao rabo todo escavado pois, toda a gente o sabia e lembrava-o a qualquer 'turista' que com ele ali passa-se, apresentando-o como uma curiosidade local, se se raspasse a pedra dela saía um cheiro desagradável: "o elefante peidava-se".

Bem, esse museu, para além da atracção aos gases do bicho cumpria outras funções, tumulares e numismáticas, turísticas: estava aberto nessa tarde. E era fresco lá dentro, também o sabíamos todos pois já nos acolheramos várias vezes à sombra da alta nave em pedra, a conversar com a Isabel que então lá trabalhava, por isso guardáramos lá a grade de minis, tudo na melhor das intenções de bem-acolher a personalidade.

E vieram os abraços de quem já se conhecia, e as conversas, ajudamos o Fernando a descarregar o carro e lá fomos para 'o fresco', para o museu dos cacos, até para apresentá-lo à Isabel. O Berto, hoje ou na RTP ou na SIC, nem sei bem (Alberto Serra); o Tózé Amaral, hoje ainda no CCRS, o sobrevivente; o Gomes Vidal do Banco e o velho Cunha anarquista (este, sozinho, dá para um livro de contos); o Zé Manel Leandro cá de Almeirim e então meu companheiro-cúmplice na travessia do anarquismo, também o Chona do teatro, a bela Cristina e o (?), pintores, então casal; a Eulália professora; um dos irmãos Quaresma talvez, o Zetho Cunha Gonçalves, esse outro 'ganda maluko', sei lá... nós éramos um grupo grande, os da primeira hora do Centro, e por certo alguns destes nomes estavam lá e, não interessa quem, segredou ao Grade que havia uma grade de minis, fresquinhas, guardada em baixo da secretária da Isabel...

Nada o demoveu de nos convencer a jamais abandoná-la, assim, entendeu-o como Missão... Quando a Isabel anuiu, sei lá como e a olhar para a porta, a deixar-nos subir por uma escadinha em semi-ruínas que ia dar a um terraço no telhado, zona inacessível aos visitantes e nunca utilizada - via-se pelas cagadelas de pombos -, ele foi dos mais lestos e empenhados na ajuda ao transporte da grade que, pela pouca largura do estreito corredor com os degraus, circular, não dava o mesmo jeito que lá em baixo, onde entre dois se transportou em volta dos sarcófagos dos mamutes históricos lá enterrados, ou dizem que estão ou estiveram (mas vejam as moedas antigas, são muito interessantes).

Lá, no alto, no terraço, houve, aconteceu, uma viagem de Metro como aquela que contei 'dezanove anos depois': enquanto a grade se esvaziou num abrir de cápsulas mais rápido que a sombra - que ali não existia, desculpa magna! - também houve Haikkus declamados do alto das medievais paredes, das muralhas caíam poemas e o gentio lá em baixo, atónito, esfregando o rabo do bicho na esperança de ele se lhe peidar na cara, no nariz, olhava para cima entrando-lhe poemas gritados, não do rabo mas do céu, turisticamente assessorados nalguns arrotes e, certo, muita gargalhada. 'Dinamização Cultural', chamar-lhe-íamos; hoje 'uma intervenção' e fazem-se exposições assim parecidas, uma grade de minis poetizada e já está.

Depois fomos lá para dentro, do 'Distrital', a poesia e os discursos, e o Fernando lá vendeu o seu peixe. Eu trouxe um saco cheio dele, de Mic's, já escalados, e ainda bem que o fiz. As heranças conquistam-se, nem que tenham o prémio dum abraço só "dezanove anos depois", metro das nove da noite, nesse sem hora de, campo pequeno-alameda, haikku-memória igual.

Depois disto, há coisa de há ano e picos atrás, convidei-o (e a outros amigos, poetas) a vir declamar em Almeirim: ainda hoje é recordado no café onde "aconteceu Grade", houve Poesia on road, again...

(com ela, memória, auxiliada por: "O Vinho dos Mortos", Edições MIC, 2ª edição de 1979, alterada; e "Serenata ao Diabo", também MIC, 1978; foto dele daqui)

2 Comments:

Blogger gisela cañamero said...

Gostei de passar por aqui. Hei-de voltar com mais tempo. Um abraço.

7:08 da manhã  
Blogger indigente andrajoso said...

muito boa aquela tarde no copo, obrigado

4:41 da tarde  

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