terça-feira, janeiro 09, 2007

anti-post: portas

Pensava em fazer um post e não sabia sequer sobre o quê: um post diário, o hábito; o aproveitar estas horas mansas, o sossego; o vício e também o gosto, pois. E a mania de rotinar calendários, assim dobrando-os e vingando-me deles, esclavagistas de mim ser sonhador, ladrões do meu melhor tempo. Ácido, este começo: a ver se adoço.

Muitas vezes, quando assim sem saber o quê ou como, "a folha branca", penso num título e logo se vê o que daí vem, o que dá. Geralmente dá. "Portas", foi o que pensei - e ou já não me recordo da razão porque alguma se fechou, ou, tendo-se aberto, nela deslizou a memória e, gostando, por lá ficou. Que fique: já não me lembro do porquê de "portas". E nem interessa: afinal, parece que uma ou outra das razões vão dar ao mesmo, sumiu-se o móbil mas a empreitada está em mãos. "Portas", é o que foi e saiu, voltou de chave à vista e assim fica.

Depois põe-se a questão da imagem. O sacro link do santo Google costuma arranjar milagres, pixels e formato à vontade. Na demanda saíram-me as habituais dúzia e meia mas o meu olho ficou-se nesta, de todas a que mais me puxou a mão à maçaneta. Aliás, confesso que ainda não a rodei, além dela não sei de nada que fique para lá da bonita parede caiada que a orla, mais de meio do encanto que me atraiu. Nem sequer sei se espreitarei pois, verifico, à sua sombra e cor, amenas, encontro repouso e escrita.

Que dizer sobre 'portas', em caso uma bonita e que ainda não se abriu e nada revelou? olhando-a criticamente reconheço-lhe ar de restauro, vêm-se os pormenores do cuidado de quem ama e tem orgulho na beleza da sua propriedade. O seu caseiro gostará de a atravessar, de subir (descer?) o degrau empedrado, empurrá-la e passar sobre o seu umbral, meio caminho entre o antes e o depois pois 'porta' não é nunca um local definitivo: tarde ou cedo abrirá e dará passagem, fuga ou asilo, alívio sempre. Uma porta é, além de local de passagem, mescla de dois mundos, fronteira e cavilhas de seguranças, temores, confidencialidades. Assim vista torna-se íntima, e olhando-a abusa-se na conjectura, invade-se o seu privado, o seu outro lado.

Olho-a melhor: se o muro parece genuíno e avoengo, filho de heranças antigas ou de necessidades falidas, já o madeirame envernizado, quase cheiroso, os ferros cuidados, os pormenores e a fechadura brilhante, a cal no pórtico, tudo mostra e cheira modernidade de uso e olhares, há passado em roupa nova.

Não a abro: só a olho, escrevo-a. "Portas" foi o tema e, aberto, tem-se mostrado bom. Até mais: sento-me no tal degrau e encosto-me ao muro, repouso a seu lado como se esperasse alguém que a ela há-de chegar ou dela sair. Como se esperasse. Como... - afinal não é assim a ficção? e que mais fazer se não ficcionar se a porta, mesmo fechada, é assim palradora? à sua sombra espero, repouso, cerro os olhos e imagino mundos além dela. Por exemplo, que é a casa dum escritor
(há um vago mas insistente ar árabe nas suas linhas: será a porta do Pamuk? foi aqui, será? já não saio, não me levanto daqui sem ela ranger, mesmo sabendo que óleo novo está cruzado nos seus veios e da mestiçagem não sai gemido nem se solta ferrugem, ela não range quando Ásia e Europa assim se cruzam, a ser ele, e, se será?... não, não é: eu sei que o Nobel seria outro se tudo fosse assim tão bonito e tão fácil, tão bem contado e escrito – e a porta está cerrada, ouvem-se toc-toc’s mas ela não se abriu)

Ou dá para um jardim com um lago, sobre a relva correm crianças que dedilham os dias eternos de ser-se feliz. A porta do Paraíso. Será? haverá um porteiro de túnica e barbas brancas, pesado livro de autorizações na mão? o seu fiel-de-armazém na Terra aboliu o limbo e há uma multidão de crianças que, rindo-se e gozando-o, passaram por ele por ela porta sem o visto de supressão ao original pecado que, elas, nunca cometerem nem ouviram falar. Será? a terra prometida para as almas vagueantes e, se sim, que faço eu aqui à sua porta, toco ou fico-me, a mão é velha mas tenho aqui uma criança escondida, meu limbo meu mim? ser ou não ser dizia outro, a minha dúvida é mais terrena mesmo que suspirada a porta celestial. E hesito.

Por exemplo que é uma porta falsa e não conduz a nada, nem se abre a mais nada que ao seu único espectador, eu, à sua sombra sonhada sentado e sonhador. Um cenário, paredes vivas da ficção. Lá dentro, 'atrás dela', estão as escoras que suportam o muro onde os seus ferros falsos se cravam, fixando-a. Martelados letra-a-letra, tac-tac. Quero esta porta, é minha: encontrei-a no Google mas a sua imagem foi construída por mim, pintei-lhe e martelei-lhe cada nó e cada veio, burilei as rugosidades, em lupa procurei-lhe a patine, envernizei cada pedaço do seu retrato. A propriedade não existe (Proudhon? foi isso mesmo que ele disse?) e o copyright é dúbio, curto quando se fala de portas e das suas sombras. Levanto-me.
Guardo o canivete e sigo, neste canto neste post nesta porta já entalhei iniciais, agora quem passa lerá que ela fala da sombra de mim.
(em Google - Imagens metam a palavra-chave "door" e encontrá-la-ão: depois cusquem mais se quiserem, abram-na; eu fi-lo sem o fazer e... agradou-me. um dia destes experimento palavras mais íntimas e logo se vê que imagens ele, santo, dará)
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Adenda:
Se falo em alfaces não estou necessariamente a dizer que sou vegetariano.
Quando refiro “eu sei que o Nobel seria outro se tudo fosse assim tão bonito e tão fácil, tão bem contado e escrito”, refiro-me ao Nobel da Literatura que o Pamuk ganhou em 2006, pela sua obra centrada na cidade de Istambul que é “a porta” natural que liga a Europa e a Ásia. Traduzido, que “se tudo fosse assim tão fácil” o prémio Nobel devido era o da Paz.
Acrescentando que seria um prazer multiplicado ver um escritor recebê-lo pelos efeitos das suas palavras.

2 Comments:

Blogger th said...

Hum, gostei!
muito embora pudesse vislumbrar aqui um desejo secreto de passar a ombreira da porta, o medo, a desilusão do que estará para além dela.
Estamos a falar em metáforas, claro...
A que kuska pelo buraco da fechadura,
th

2:16 da manhã  
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11:50 da tarde  

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