"Era uma vez um pintor que tinha um aquário e, dentro do aquário, um peixe encarnado. Vivia o peixe acompanhado pela sua cor encarnada quando, a certa altura, começou a tornar-se negro, a partir - digamos - de dentro. Era um pó negro por detrás da cor vermelha e que, insidioso, se desenvolvia para fora, alastrando e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário, o pintor assistia surpreendido à chegada do novo peixe.
O problema do artista era este: obrigado a interromper o quadro que pintava e onde estava a aparecer o vermelho do seu peixe, não sabia agora o que fazer da cor preta que o peixe lhe ensinava. Assim, os elementos do problema constituíam-se na própria observação dos factos e punham-se por uma ordem, a saber: 1º - peixe, cor vermelha, pintor - em que a cor vermelha era o nexo estabelecido entre o peixe e o quadro, através do pintor. 2º - peixe, cor preta, pintor - em que a cor preta formava a insídia do real e a abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao medidar acerca das razões por que o peixe mudara de cor, precisamente na hora em que o pintor assentava na sua fidelidade, ele pensou que o peixe, lá dentro do seu aquário, realizando o seu número de prestidigitação, pretendia fazer notar que existia apenas uma lei que abrange tanto o mundo das coisas como o a imaginação. Essa lei seria a metamorfose. Compreendida a nova espécie de fidelidade, o artista pintou na tela um peixe amarelo."
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Herberto Hélder
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