quarta-feira, março 15, 2006

O Tico


Quando estaciono o carro ao chegar a casa, a esta hora em que ao covil se regressa e mergulha-se na netpele, tenho sempre atenção para ver se vejo quer no passeio ou nos ‘buracos' de estacionamento, as suas sombras num recanto, ao Tico e ao Jacky, este um husky adulto que não se ouve na sua pele de lobo manso, aquele uma daquelas coisas baixinhas e cheias de pêlo sem raça definida, pêlo avermelhado nuns olhos castanhos-escuros que não me largam, falam-me.

São doutro andar no prédio e têm a sua história mas dela não vamos falar, à excepção do Tico e das nossas conversas mudas, cumplicidades de condomínio, meu companheiro ao regresso a quem sinto a falta quando não aparece. Este Inverno tem sido mau e o Tito está velho e não tem o pêlo lustroso do husky, que esse dorme em casa e só faz o serão cá fora. O Tito não, e seroa o antes das madrugadas nas escadas quando a minha mão abre a porta a ambos, ele olhando-me, falando-me e nós falando-nos, e seguia-o com o olhar enquanto ele se perdia no virar de lancis, mais lesto no trepar à porta que lhe é familiar que eu à minha. Depois, arfamos noites e equilibramos as coisas, já ele me deixava ombro-a-ombro no meu lancil, um longo olhar de despedida após segundos de repouso.

Hoje tive um estremecimento íntimo, pois houve um momento em que só não ultrapassei o Tico porque, surpreso, reparei no significado evidente do mais difícil que é a um short como o Tico trepar tantos, cada vez mais tantos, degraus de enfiada, da lentidão da idade e do seu peso. Gosto do Tico, e vejo nele um cúmplice que me dá a absolvição primária quando, pecador, caminho para este remanso de só contá-las. Ao princípio, quando passou da festa de abanar o seu felpudo rabo para o roçar-se nas minhas pernas, nas primeiras vezes ainda tive um evitar espontâneo, preocupado com o que dias, serões e muitas noites nos lindos passeios, ruas, jardins e baldios, farão á pele, especialmente à felpuda do Tico. Porém olhámo-nos quando ele parou a meu pedido na sua carícia: hoje ele é mais comedido e eu sempre saudoso, há sempre um leve toque físico e depois passita no silêncio até em defronte ao portão das escadas, e senta-se vendo-me meter a chave, abrir, olharmo-nos. Eu a acreditar que também sorrindo-nos.

Por isto tudo tive um momento de tristeza quando, por pouco, não ultrapassei o Tico no ascender a porta segura, a covil, e prestei especial atenção ao seu arfar e aos seus movimentos, triste a ver que sim, ele estava a esforçar-se por subir tanto degrau e não simplesmente a fazer-me companhia. E que sentirá ele de mim? teremos tempo para ele contar-mo, quando eu estaciono o carro e olho-o como das melhores partes da noite finda, simplesmente vizinhos do condomínio de viver?

O Tico, gosto dele e gosto de lho dizer, já agora contar-vos.
(imagem gamada aqui)

11 Comments:

Blogger th said...

Se a velhice entristesse, também enternece. Depois de ler o teu post de certeza que o Tico tem mais gente a gostar dele, pena é que não possam deixar que ele se roce nas nossas pernas, numa carícia. Carinho p'ra ti tb, th

1:48 da manhã  
Blogger Luisa Hingá said...

Adorei, adorei e adorei a surpresa.
Beijinhos

E a velhice é um estado de espirito. Acho eu.

9:55 da manhã  
Blogger ELCAlmeida said...

Mais um que me obriga a reformular as ligações, não é?
Um bichinho que morde, mói e não dá descanso. Já senti isso em férias ou mesmo em mini-férias. Socorro que começamos a precisar de um psicanalista...
Um grande kandando meu caro xicuembo.
Eugénio Almeida

2:07 da tarde  
Blogger Manuel Palhares said...

AH!AH!AH!

Meu caro amigo,

És um viciado nesta droga, na tua e na dos outros e depois pensavas que era só dizer que ias deixar tudo, assim sem mais nem menos, e voltar para o papel e lápis?!
É que quando anunciaste a "retirada" fiquei aborrecido, com pena, embora um pouco céptico. Felizmente o Xicuembo não te deixou!
Um abraço,

Manel

P.S.: Recebi o e-mail, por isso estou aqui, claro.

2:22 da tarde  
Blogger Cine-clube Komba Kanema said...

Obrigado pelo regresso.

Machado

2:46 da tarde  
Blogger Mitsou said...

Saúdo o teu regresso (obrigada pelo mail) e partilho esse amor pelos nossos amigos felpudos :)

Um grande beijinho, Carlos.

3:27 da tarde  
Blogger Madalena said...

olá, Gil! Cá estamos todas outra vez. Isto é uma legião de fãs!!!
Beijinho

3:55 da tarde  
Blogger None said...

Eu sabia que era por pouco tempo...
Gosto deste modelo, do fundo claro.
Gostei do Tico e do modo como o descreves.
Um abração para ti e uma festinha para ele.

4:20 da tarde  
Blogger Ana said...

Há uma ternura nos velhos, mesmo nos gatos e nos cães, que se aperfeiçoa com os anos.
Nos bichos, sente-se nos olhos e no roçar do pêlo pelas nossas pernas. Gosto do Tico. Gosto de bichos.

6:24 da tarde  
Blogger Nkhululeko said...

Grande abraço.

6:58 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Carlos

Senti que não seria por muito tempo, estás aqui e nos enches de emoção, sempre!
Não resisti, ehehehehehe e eu fiquei feliz por isso..
Jinhos grandes menino que de velho nunacterás enquanto brincares coma s palavras e porque não tb com as cores,

2:34 da manhã  

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