quarta-feira, maio 31, 2006

sonho piromaníaco


É uma imagem que me persegue, presente dia e noite: que os meus papéis "burocráticos" arderam todos e não sobrou um único. Nem um, não se dê o caso de o sobrevivente ser hermafrodita e multiplicar-se.
Sou incapaz de lhes chegar um fósforo. Pelo contrário, faço-lhes furinhos e arquivo-os, trato-os bem. Mas eles multiplicam-se, perseguem-me, não me dão nem descanso nem me deixam 'ter cabeça' para trabalhar noutros papéis que têm para mim muito mais valor, seja à noite ou em fins de semana: os papéis "burocráticos" não me largam as canelas nem se calam fora das ditas horas de expediente. Daí este sonho piromaníaco, no fundo a idealização do seu desaparecimento definitivo.
Impossível. Mas eles afogam-me, castram-me, irritam-me, roubam-me tanta coisa que prezo, se calhar a faceta de mim que tem mais valor. Odeio-os. Pagam-me as contas mas matam-me simultâneamente porque me reduzem a uma relação com eles de furinhos e arquivo, números e letras, carimbos sem sentido além da sua burocrática existência. Que fazer? não sei. Entretanto sonho, sonho pironicamente.
(a linda fogueira estava aqui. sortuda...)

segunda-feira, maio 29, 2006

ainda em volta das estantes - XII



(Na fila de cima já falei na imagem anterior. Na de baixo está a poesia, muito menos do que eu desejaria que estivesse: eu e ela somente nos cruzamos em momentos especiais que, como todos os que merecem esse nome, são raros. Saio eu a perder, saiem igualmente as estantes: falta-me e falta-lhes poesia, facto)

ainda em volta das estantes - XI



(Em cima vêm-se bastantes Torgas, alguns primeiras edições dos anos cinquentas.

Por baixo está a secção de Teatro, fazendo-me recordar os 'meus tempos' de encenador e director no teatro amador local.

Nos de baixo, dois Céline e um Aragon atraiem-me os olhos)

domingo, maio 28, 2006

ainda em volta das estantes - X



(Colonialismo, anticolonialismo e lutas de libertação, história dos novos países e (plurais) visões sobre este processo histórico. Pano para mangas como soe dizer-se, nestas duas filas.
Lá no meio vejo uma edição de '74 de 'karingana ua karingana" de José Craveirinha: um dos orgulhos da minha biblioteca. Ah! e recomendo o 'ébano', dum polaco que tem um nome complicado de se escrever sem erros. Mas fixem o nome do livro e se puderem leiam-no, actualíssimo no ajudar a entender a chuva de (des)informação que os medias nos dão quando falam dos conflitos africanos)

ainda em volta das estantes - IX


(Na fila de cima o lado direito é de livros de mangussagem: nunca escondi de ninguém, muito menos numa estante, que aprecio o género. Ao centro três Kerouac sendo que só o 'pela estrada fora' vale a leitura; mais ao lado um Bill Bryson, belíssimo escritor de viagens e quatro livros de Luis Fernando Veríssimo, das letras brasileiras que mais aprecio.
Em baixo entra-se no mundo da literatura africana. Não cito nem nomeio, são mesmo todos para ler. Uma referência aos dez números que tenho da revista literária 'África', esgotadíssima há décadas)

ainda em volta das estantes - VIII



(Nestes sobressaiem logo os da trilogia 'o senhor dos anéis' de J.R.R. Tolkien: que não assuste o tamanho: quando comecei o primeiro não consegui parar até chegar à última folha do último, já lá vão uns vinte e tal anos.

Na fila de cima, topo do lado esquerdo, um curioso manual que ensina a construir abrigos nucleares domésticos. Coisa útil, e reza o registo que o comprei na década de oitenta. No outro lado, direito, alguns Livros 'B', aqueles pequeninos de capa preta. Por eles fui introduzido a Baudelaire, Merrimé, Flaubert, na minha juventude. Em homenagem a esse tempo houve uma altura, já cá, que comprei alguns: eis os sobreviventes.

Consigo ainda ver um Breton (mas há mais) e os dois volumes de 'o pacto', de James Michener: no registo dos 'romances históricos' trás uma visão muito pormenorizada do nascimento da África do Sul enquanto país e dos seus povos.

Ainda na de cima mas encoberto deverá estar o 'rififi' de Auguste Le Breton, um dos primeiros - senão mesmo o primeiro - policial "negro" da história deste género: é-me livro de culto, lado a lado com os Hammet e mais alguns de que ainda falarei)

ainda em volta das estantes - VII




(Mais hard core. Destaco Eric Hobsbawm e Furet, e a antologia de textos da Internacional Situacionista. Mais a biografia de Cunhal/do PCP por José Pacheco Pereira, uma obra única e magistralmente documentada)

ainda em volta das estantes - VI



(Clássicos, clássicos, clássicos. Mas pelo meio vejo Gluckman e também Berlin. Não há critério, eles amontoam-se naturalmente e conforme as leituras dum certo momento)

ainda em volta das estantes - V




(Na fila de cima ainda muita ficção científica e alguns policiais de bolso.
Na de baixo começa a secção hard core. Mas é preciso ler tudo, não acham? e além de Rawls também se divisam uns Reich, não é? ok, aceito que sou eclético demais nas minhas leituras mas...)

ainda em volta das estantes - IV


(aqui uma amálgama: vejo um monte de Antº Lobo Antunes, Heminghway, e muitos thriller's: Crighton com força nesta zona, ao que vejo.
E até um monte de book's de jogos sociais, em cima o meu adorado livro de xadrez do D'Agostini, que já possuíra em África e foi das primeiras compras livrescas que fiz quando cheguei a Lisboa: por ele aprendi o "mate de Légal", meu supra sumo de artimanhas se alguém se puser a jeito. Por baixo estará um de bilhar e outro de snooker, mas essa já é outra estória e já há muito tempo que não abro a caixa do 'taco especial' :-)

ainda em volta das estantes - III



(Nestas duas filas manda a História. História que encontrei quando, aos trinta e tal anos e quando resolvi continuar a estudar, vi que me faltava um ano escolar que no 'meu tempo' não existia: o 12º. Fui fazê-lo ao liceu de Santarém, à noite.

Foi assim que encontrei os 'annales' e apaixonei-me pelas diversas formas de ler a História; durante anos mergulhei que nem estudante em vésperas de exame na leitura de livros de História, muitos teóricos do tema do seu estudo. São estantes que hoje pouco visito mas muito por falta de tempo para tudo: o amor ao estudo da História não morreu e gosto de sentir ao alcance da minha mão os objectos que me dão esse prazer e ajudam-me na interpretação do resto das leituras)

ainda em volta das estantes - II


(Na fila de cima, atrás, também é ficção científica. Muito Heinlein, Robert A. Heinlein: um criador nato.
Na de baixo, na 2ª fila não tenho a certeza mas será o começo da secção 'História'. Á frente um molho de Barthes, minha delicía no princípio dos 80's. Ao lado muito Lodge, autor que tem alguns livros bem esgalhados: 'a troca' fez-me dar muitas e boas gargalhadas, e 'o mundo é pequeno' é muito mais que um simples romance de humor britânico, refinado: no seu refinamento retrata tiques que rapidamente identicamos com (outra) gargalhada. Mais ao lado um bom Mailer, 'o fantasma de harlot'. Por baixo de dois Malraux vejo um livro duma bloguista, quem será?)

ainda em volta das estantes - I


(Lembrar-me de comprar o 'papillon' do Charriére assim que calhar. Tenho p'ráqui tanta "porcaria" que nunca li nem deverei ler que é obrigatório existir neste banco físico da minha memória um que tanto prazer me deu quando o li.
As coisas boas conservam-se ou renovam-se se forem perecíveis. O é um livro, de todos o mais feliz: de mão em mão e encontrando a sua maior glória nas saudades que elas sentem quando o 'perdem'.
Alguém quer ler Sven Hassel? Hans-Helmut Kirst? e Arthur Marchen ou David Balducci, já para não falar no ataque de consumismo que me levou a, em saldos de livros de bolso, recordo-me, comprar as versões escritas daqueles épicos, os "Rambo"? também se vêm bordas de Diana's e parentela, mas estão muitos títulos que me fazem sorrir: uns pela escrita e pelo que ela conta, outros apenas pelo período/idade em que os conheci. Mexer nos livros é revisitarmo-nos)

sexta-feira, maio 26, 2006

Outro...


Há bocado escrevi isto e não sei o que é, saiu simplesmente assim. Um princípio dum conto, talvez. Ou mais um que não dá em nada, um talvez mais provável.
Gostei, tive prazer em correr atrás duma ideia e brincar um bocadinho com ela. Depois ela deixou-me e vim a correr escrever, contar:
........................................................
"O Estanislau foi presidente da câmara vinte anos. Quando soube que tinha Alzheimer reformou-se e para se esquecer harmoniosamente das coisas boas e das coisas más, divorciou-se e abriu um bar de alterne. Morreu passados quatro anos via fatal enfarte, tendo sido feito um grande elogio público às suas qualidades de homem público. Em surdina de meias idades muitos houve que lhe gabaram o bom senso privado. Da Revolução saltou do balcão do banco, onde preenchia requisições de cheques e ouvia enternecedoras histórias de incumprimento de reforma de letras, para a cadeira mais alta da cidade. Via eleições, claro está, sendo que se esta é uma das partes bonitas desta e de qualquer estória que folheie a história, não é de longe nem de perto a que lhe garante o acesso aos anais.

Podia começar assim um romance que não se sentiria leitor algum defraudado pelo cartão de visita da primeira página. Mas se o é romance, foi-o o do Estanislau com a Dª Odete, matrona do tasco e encarregada do pessoal que rodava, em levas de loiras eslavas que amavam mais as notas de euros que qualquer outra bandeira e suas colegas e concorrentes sul-americanas, mais morenas e ladinas e com falares que eram cantares de sereia ansiosa por ser fecundada: houve uma altura em que saíam da má vida directamente para colos de Mercedes, ao (seu) volante atenciosos choferes que se viam futuros papás numa altura da vida em que há que pegar ou largar. Era isto que pensava Matias, reformado bancário, enquanto mirava de esguelha o balcão onde, em calma conversa daqueles meios de tarde em que o Sol evita ócios de rua e é perfeito olhar as garrafas alinhadas, a meia luz, o ‘barmem’ de sempre que é amigo de sempre, ao lado um antes desconhecido que, milagre tão natural naquele entardecer!..., comunga de todas as grandes opiniões que há que confidenciar sobre a Vida, o Universo, e assim a cerveja cai perfeita e o grande e perfeito Nada emerge. Gastava a reforma nestas tardes e neste observar e pensares.

Ser-se presidente de câmara tantos anos traz vantagens pois há uma altura em que ninguém nos imaginará a fazer outro trabalho e, assim, também ninguém estranhou que quando se reformou o Estanislau não voltasse ao Banco, onde, igual tempo atrás, ele e o Matias foram colegas na secção de letras da sucursal local, uma já grande pois era a capital do distrito e dela dependiam organicamente muitas agências locais. Noutros tempos, que hoje as ordens vêem da capital e desta muitas vezes hesita-se em apontá-la no mapa. A globalização, dizem. Via isso e porque foi num tempo em que as letras ainda não tinham perdido popularidade e trocavam-se alegremente como se de cartas de jogo se tratassem, era frequente virem ‘à sede’ problemas que as agências não conseguiam resolver seja por escolhos naturais de vidas comerciais agitadas, então muito frequentes, seja pelos valores que exigiam análises mais (des)responsabilizantes caso a coisa desse para o torto, então e como hoje e sempre o pesadelo mais comum dum bancário e, supõe-se, igualmente dos banqueiros, esses grandes clientes e accionistas de não menos anafadas companhias de seguros.

Portanto quando o casal Elsa e Luís Martins lá entrou, casados em comunhão de adquiridos e sócios-gerentes duma empresa em que eram os únicos empregados e tinha problemas contabilísticos com as despesas de representação, e pediu para falar com alguém ‘das letras’ por causa duma proposta que estava pendente, ninguém estranhou e, respondidos de onde vinham e feito um telefonema interno subiram ao primeiro andar acima do “marmoramente majestático” hall e grande sala de atendimento. Então fora ele, Matias, que ao balcão e com rápido olhar pelo vidro redondo transparente mas mirando o contorno do corpo de Elsa pelo opaco, os atendera. Ela era bonita, naqueles trintas e tais que fazem refulgir uma mulher, preparada para dar luta aos ‘entas’, sem imaginar a fogosidade dos quarentas e a ternura dos cinquentas… Adiante, que a conversa agora é outra.
E adianta-se que a Elsa é irmã da Dª Odete, sua mais velha e avalista num crédito hipotecário em incumprimento. Enfim, a Elsa sorria como se estivesse num casting e o Luís suava como quem não tem um tusto no bolso e os credores a rondar a perna. E era verdade, da aprovação daquela livrança dependiam muitos desafogos além de quinze dias longe daqui e há muito prometidos. Ora o Estanislau, quando a política o deixava trabalhar, gostava de se preocupar com as questões sociais e esmerava-se no atendimento de possíveis eternamente gratos futuros eleitores: sempre fora visto como um rapaz esperto e a sua ascensão na política local já era assunto em jornais e mentideros, tardes como aquela em que se corta na casaca do mundo e do vizinho, ou simplesmente olha-se para as moscas, também elas extenuadas em vontades pelo calor.

O Matias recordava-se que a conversa fora longa e que fora por via disso que ele se foi aproximando, até que o Estanislau entendeu por bem pedir-lhe a ele conselho técnico sobre que mais papéis eles haveriam de apresentar para ‘desenrascar’ a situação, coisa habitual a quem depois de dar a cara e os apertos de mão soltava o dossier na secretária mais próxima pois, infelizmente mais uma vez, ia ter de fazer trabalho político e não podia vir ao banco durante uma semana. Muitas, muitas vezes, até que foi para presidente da câmara e, aí, não precisou de faltar mais pois, ora serviço público, uma constante dos seus mandatos foi a germinação da cidade com todas as que se pusessem a jeito, se possível exóticas e de amenas estadias. Bem, foram apresentados e ele herdou o dossier da Elsa e Luís Martins, casados em comunhão de adquiridos e sócios-gerentes duma empresa que tinha graves problemas de tesouraria e duas bocas para alimentar. E da já então "Dª Odete", pois uma senhora trata-se sempre por senhora, principalmente quando se percebe que ela é a única com juízo numa trindade cliente assídua de letras protestadas e, até já disso havia na conta da empresa, cheques devolvidos por falta de caroço. Lá se arranjaram os papéis, e os comícios eleitorais do Estanislau ganharam adeptos de fidelidade eterna.

Numa vez em que soube deles, anos depois e já o Estanilau governava cheio de energia, contaram-lhe que após o costumeiro divórcio cada um vendeu os tarecos que sobraram, e a Dª Odete, então já respeitável solteirona danada para a brincadeira e de olho vivo e moral ligeira, recolhia as benesses da expansão comunitária e importava alegremente brasileiras a cada seis meses, altura em que ia lá passar uns dias de férias e renovar stock minimamente documentado e elegantemente ambicioso para uma temporada enriquecedora na velha Europa, esse destino mítico a quem pensa no azar da puta da vida, quando nasceu. Enfim, safava a vida tentando fugir a braços baratos demais quando a alugavam. Depois, novamente daí a anos deste ouvir falar, viu-a no parque de estacionamento em frente à Câmara: pararam os carros quase lado a lado e ao mesmo tempo, o que levou a que viessem a cruzar passos no caminho até à máquina das moedas. Os óculos escuros dela combinavam bem com o vermelho dos lábios, melhor ainda tudo combinava bem naquele vestido de verão, florido e generosamente aberto à alegria estival dum corpo animal, que o grita numa sensualidade em pontas. Ela reconheceu-o, e por certo recordou-se de onde o conhecera também. Foi luminoso o estender dum convite sorrido, o quente das palavras foi amigável quando o abordou e se identificou, fazendo-o engasgar-se na sua notória admiração avaliadoramente predatória. As palavras foram pouco mais que as habituais naqueles reencontros, mas antes de ela subir a escadaria para os gabinetes e ele mergulhar na secção das licenças ainda lhe contou tudo o que ela quis saber, penas alçadas tanto inábeis como vistosas no seu bailado vaidoso.

Duas moscas levantam voo simultaneamente e zumbem urdindo incursões que lhes retomem instintos. Ao balcão a conversa já passou o clubismo e o futebol, e discutem-se outras soluções mais prementes para o Grande Mal que grassa lá fora – e eles ali naquela tarde sem ar condicionado, ambos Messias desperdiçados e injustiçados. Matias seguiu-as, atento, tal o fenómeno de movimento quando tudo está previsível e lento, morno até no recordar. O Estanislau era recorrente naquele recapitular da vida onde deitava o ócio da reforma, esse ópio que o conduzira a um tempo sem tempo, um nada constante excepto cafés e moscas, e conversar o vivido. "
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Como disse deu-me prazer e há partes prometedoras para 'esticar'. Fica; e mostro-o aqui, contente por tê-lo feito.
( o 'lp' estava aqui. Não resisti à imagem, memórias!..., e trouxe-o para cá)

mistakes


Desculpa blogue, mas tem sido uma semana com outras prioridades. Hei-de compensar-te, verás.
(mistakes daqui, calhou)

domingo, maio 21, 2006

Miss Tufas






(as imagens aumentam, clicando sobre elas)

dos jornais



Lá nas páginas do meio a contenda semanal de troca de argumentos. JPCoutinho é mais convincente que Daniel Oliveira. Algures no centrão estarão a medida e a crítica justas. Mas numa coisa há que dar inteira razão a Ayaan Hirsi Ali: ficar na Somália é que não.
E ponto, pois o resto é peanuts e há tantos que são comidos por quem nunca mexeu uma palha para mudar o 'estado das coisas', mais além do seu pessoalíssimo interesse.

África

Não há cão nem gato com jeito para o gatilho que não teça loas à cultura africana, sua necessidade de preservação e nosso enriquecimento colectivo via maior conhecimento da dita, parlapiê parlapiá (eu me confesso).
Se eu fosse 'preto' mandava à merdinha quem me quisesse 'adoptar': foi também contra isso que surgiram os movimentos de emancipação ao colonialismo económico e administrativo, tendo ficado em falta, parece-me, a alforria que tire à cultura africana a canga de todos a utilizarem para serem vistos mas muito poucos a olharem.
(o mapa estava pendurado aqui. e eu sou um cleptomaníaco - é público)

uma dúvida


A Web é a mítica "5ª dimensão" dos romances e filmes de FC da nossa juventude?
(gamei o monitor aqui. não se chibem)

o manipulador

Aos dois três anos levava-a para o café aos domingos de manhã e gozava os favores da ternura que ela inspirava aos matutinos da meia torrada e do jornal domingueiro. Um figurão, portanto. Hoje tem treze e já há muito tempo que não quer ir ao café comigo. Azar meu.

Mas agora tem um cão. Em rigor é uma cadela, a Tufas, que já aqui apresentei (e mais aqui), bicha que em casa a todos seduziu tão facilmente como o faz a qualquer um que a veja: é bonita a cachopa, com aquele ar traquinas e meio gremlin, e 'fofinha' é o adjectivo mais ouvido embora não imaginem que o seu maior prazer é... morder; será da mudança de dentes - nossa grande esperança.

Há dias atrás (e contra os conselhos da veterinária que acha que ela só deve sair à rua aos quatro/cinco meses, quando lá vamos neste peregrinar penoso dum bichinho minúsculo que, em seis meses, tem de levar mais vacinas que eu levei em cinquenta anos), bem, dizia, há dias levei-a à socapa à loja onde nos conhecemos, comprei-lhe uma 'coleira' que não é coleira mas sim uns mini arreios que enlaçam o corpo, modelo de gato pois são os únicos possíveis para o seu tamanho mini-mini. Tirou-se logo lá o guizo, está claro, pois não quero que alguém pense que a minha Tufas é arraçada de gato, nada dessas mariquices: é mesmo "fera" (mas é 'fofinha') E comprei aquela maquineta de desenrolar e enrolar frio: uma destas trelas modernaças com aspirações a telecomando, cinco metros de fio e uma mola.

Se na ida para lá a viagem já fora prometedora pois a carita peluda e curiosa que eu levava ao colo despertou sorrisos, o regresso foi um sucesso. Sem estar a comparar performances e gracinhas duma com a outra, senti-me como nos domingos de café de há dez anos atrás. Não era a miúda que corria de mesa em mesa e em todo o lado lhe queriam fazer uma festinha e meter conversa, agora era a bichana que corria alegre da vida, cheirando o tanto mundo novo, novo como ela nunca imaginara que existisse. Zangando-se com as formigas que faziam um carreiro que mexia ou dando as corriditas que a sua pouca força permitiam, nunca mais de dois três metros de trela pois não tem forças para fazê-lo mais longe, sem incómodo. E regressa para mim, ela contente pelas suas infanto-caninas razões e eu por estar obrigatoriamente incluído na fotografia: grupos de estudantes no jardim paravam de galhofar, namorados de namorar, velhotes de ver correr o ar, e todos a apontavam e a chamavam para lhe fazer uma festa: "é tão fofinha!" Foram trezentos metros de glória local como antes nunca conhecera, em sete ou oito anos que já levo deste bairro.

Daí o título: um manipulador. Como aqui: quem leu e não teve um bocadinho de inveja de mim?

:-)

sexta-feira, maio 19, 2006

A boa colheita continua



Pergunta e resposta. Posso dizer "também minhas"? oh, quantas vezes (também) respondo antes de fazer(-me) a pergunta...
(descobri a moto do Easy Rider aqui e achei que ia bem com o post)

a ler


Ando eu com tretas de inter-rails e de escritores. Leiam aqui: gabo-me de ele ser meu amigo e visita cá ao tasco.
(se esta imagem - que repito e fanei já não sei onde - "pertence" a alguém, é ao Miguel)

quinta-feira, maio 18, 2006

18 de Maio













Filha, esta tarde fiz-te um post mas o pc bloqueou e perdi-o. Dizia muita coisa mas não estava completo. Dizia que se tive sorrisos lindos na vida o primeiro dos três foi quando tu nasceste, pois foi contigo que eu conheci a palavra Pai, ouvida. Falava em como eras doce, mas ainda não tinha dito como me sinto quando tu o dizes novamente: "pai".
Obrigado, meu amor. 25 anos. Dura há vinte e cinco anos este olhar que se suaviza quando penso em ti. Um beijo especial hoje, Filipa, dia do nosso aniversário especial.

quarta-feira, maio 17, 2006

subscrevo

(...)



Um blogue não é uma vida. Nem é a vida. Entendo. Também a pensar nisso estes brancos dias, todos e tantos que foram. Também como que num luto: o meu blogue preferido suicidou-se e isso magoou-me. Muito. Porque penso em mim, no meu, em mim em mim em mim, ponto.
Nesta semana escrevi sem escrever, sei lá... setenta posts? e depois? não os editei, não lhes rasurei os erros, ninguém os leu além de mim. E depois? não é assim, sempre assim? não era assim, antes? Está na altura de, talvez. E o pior, o pior de tudo, é que entendo mesmo...
(imagem daqui)

quinta-feira, maio 11, 2006

da estante

(a capa é do 'Estranhos Perfumes', de Marie Darrieussecq, edição de bolso da ASA)

Um dos tais casos em que a primeira obra 'asfixia' o Autor: a boa da Marie nunca mais escreveu nada que se comparasse, e há uma data de franceses a concordarem comigo. É tema que ainda não puxei à conversa aqui por terras gaulesas - amanhã entro em Espanha -, pois também não quero recordar-me muito deste livro enquanto por aqui andar, não vá desatar à gargalhada se vier a ver (bastante provável) espécimes com parecenças com o retratado na obra. Aquele nojento-cómico que nos faz afastar do sexo por quinze dias, mas que rápidamente se afasta com um "bah!.... esses escritores são mas é todos uns granda malucos", e fogo à peça que se faz tarde. Também não o puxo mais além da memória pois 'aquela metade' da Humanidade é mais bonita que a Marie conta - magistralmente, e eu estou aqui em turismo, a "ver as vistas".
Recomendo pois o enredo é... original, e já falei foi demais.

?

(não consigo editar imagens, devo ter passado mais que um fuso horário e o 'blogger' flipou. já agora... que terra é esta?)

da estante

('vejam' aqui a imagem de "Mangas verdes com sal", Rui Knopfli, numa edição que me parece de Autor, constando ter sido impresso na Tipografia Globo e com distribuição da Europa-América. capa de António Quadros)
É uma edição de 69 mas tenho registado o ano de compra, 1981. Que só podia, pois em 69 tinha quatorze anos e por certo não lia poesia, ainda por cima Rui Knopfli e não Bocage.
Na página 154, tem assim:

"SEM NADA DE MEU"
Dei-me inteiro. Os outros
fazem o mundo (ou crêm
que fazem). Eu sento-me
na cancela, sem nada
de meu e tenho um sorriso
triste e uma gota
de ternura branda no olhar.
Dei-me inteiro. Sobram-me
coração, vísceras e um corpo.
Com isso vou vivendo.

da estante

(aqui, supõe-se que esteja a capa de 'O Adversário' de Emmanuel Carrère, edição da Gótica)

Assustou-me. O irreal transplantado para o quotidiano, décadas a fio.
E não tinha net...

terça-feira, maio 09, 2006

ai as minhas costas...


A minha próxima viagem não vai ser em comboio, não... ó p'ra ele!

"A" crónica de viagem nº 4


Estou há dois dias numa cidadezinha chamada Auvignons-sur-qualquer-coisa, no sopé dos Alpes. E teso. Eu explico:
Lá, em Paris, num arondissement qualquer ou lá como raio chamam aos bairros, numa noite em que a mochila pesava demais, as horas não passavam e os pés já doíam, o anúncio pareceu-me impossível de ignorar: "french can-can". Havia toda uma Paris que eu imaginara e ainda não vira, embora com a certeza íntima de que ela existia. E doíam-me os pés.
Finda a noite e adeus às princesas - de todas destaco a vamp Rose, na glória do seu ocaso marlene-dietricheano, - disse adeus à Holanda e pensei em como regressar à partida em regime definitivo de hamburgueres e croiassants. Adieu, até outro dia eu agora vou mas é descansar, Paris no papo.
Ainda podia voltar pelo Sul embora com muito menos paragens, mas havia baús abertos e à espera de serem cheios de arquivos que só ao Mediterrâneo cabiam. Apanhei o primeiro comboio nessa direcção.
O mapa foi-se inutilizando ao ritmo da minha descoberta das letras pequenas dos mapas grandes. Umas vezes porque há que mudar de comboio, outras apenas porque se tem o impulso irresistível para sair 'na próxima', numa noção vaguíssima de onde nos situamos.
E caí aqui. Passo as tardes sentado na beira do passeio lá na praça grande, de vez em quando escrevo noutras desenho, às vezes até dormito. Estou assim há dois dias e acho que ainda aguento mais um ou dois.
Depois sigo o mais directo possível a Cannes, agora que já tive um cheiro e um olhar (algo longínquo mas é um olhar) dos Alpes. E da praça - vejo-a e escrevo-a constantemente.
Daí... sei lá! depois conto, até porque a única coisa que se faz capaz dentro dum comboio é ler e escrever. Mas antes do fim-de-semana estou em casa.
(o lindo comboio estava estacionado aqui)

segunda-feira, maio 08, 2006

Ser pai (também) é...

domingo, maio 07, 2006


O meu desejo é que a equipa na próxima época seja a mesma desta. Sem tirar nenhum nem contratar mais ninguém. Todos: a equipa técnica e os jogadores, o Bola de Prata e todos os seus colegas do 'deixa andar', mais os seccionistas e os dirigentes, os enfermeiros e os empresários deles todos, que não haja uma única desistência ou substituição.

Para quê? para perceberem (e sentirem) aonde conduziram um clube que é maior que as suas carreiras e glórias, e ainda o será quando deles ninguém se lembrar além das chorosas viúvas e demais herdeiros. Para aprenderem a lutar pelos seus próprios resultados e não ficarem à espera dos azares dos outros. Para. Para. E ainda Para. Que nenhum se balde ou seja 'baldeado'. Todos, sem excepção, a cumprirem penitência que lhes amaine os tiques de prima-donas e os faça ter (ao menos essa...) dignidade de profissionais.

Hoje é o meu desejo. Hoje, ainda a digerir a má notícia. E apressei-me a escrever pois, sei-o, amanhã fá-lo-ia de forma pior. Se hoje falo em 'humildade' e 'brio', a dura realidade do amanhã poderá trazer-me palavras menos simpáticas.

Fim de história.

o que trás o pó






Continuo nas 'arrumações' à biblioteca. E a surpreender-me, conforme folheio.
Este descobri-o na cave da Galileu, em Cascais. Provavelmente o melhor local do mundo para viver, a quem não for asmático. Tem dada de aquisição de 31 de Março de 1999, e paguei por ele cinco contos e quinhentos pois o sortudo sabe o valor dos papéis que tem para vender.
Cada livro cada estória. E, alguns, com História contada, mesmo que gramaticalmente camuflada em 'conselhos & civilidade'.
(as imagens ampliam, clicando nelas)

sábado, maio 06, 2006

as vírgulas


Hoje, agora e eternamente, ando em volta das vírgulas, peste de que é preciso desinfestar qualquer texto com cuidado pois delas há um mínimo - e só este! que lhe faz falta, algo como um semáforo que é preciso para ordenar o trânsito mas nunca para engarrafá-lo.
Está a dar-me conforto, muito, a soberba escrita de Carneiro Gonçalves nas crónicas compiladas no A escrita de Anton: também pelo seu sábio virgular são textos soberbos.

Recomendo. Assim como a leitura deste post de Eduardo Pitta, onde aliás gamei a foto, e recordo-me de o Miguel ter deixado uma 'nota de leitura' de que gostei, mas andei a vasculhar os seus arquivos e não a encontrei, para linká-la.

sexta-feira, maio 05, 2006

da estante



No meu livro, o "Xicuembo", entrego-me bastante à recordação das traquinices da infância e da adolescência, reinventando o seu humor no contá-las, do hoje em idade e dum mundo que é tão diferente. O puto que fui, é o puto que nós todos fomos, e desejei que o livro contasse disso.
Mas quem me dera duas coisas: ter tido memórias destas para contar, e fazê-lo assim. E penso em como eram felizes, então, os leitores dos jornais desportivos que tinham cronistas desta qualidade e não tarefeiros de pena fácil e algum jeito para contar fait-divers, que é o que por lá se lê, hoje.
Livro já antigo e penso que agora reeditado, provavelmente dos primeiros de Fernando Assis Pacheco, e que descobri recentemente. Que recomendo para quem gosta do estilo crónicas, de sorrir à meninice e de boa escrita, poesia em prosa. Tudo junto, entre capas a conservar: é por momentos destes que eu tenho uma grande satisfação por gostar de ler, tanto e tão bem que um livro nos pode dizer e fazer, e também ensinar em como bem se escreve; e tantos, tantos os que já me deram esse prazer, a que muito recentemente juntei o "Memórias de um craque" de Fernando Assis Pacheco.
Lembrei-me disso ao andar a mexer nos livros, por outra razão. Achei que devia contá-lo, pois um livro de que tenhamos gostado recomenda-se e não se esconde: tenho umas 'filas de cima', nas estantes, que são a minha vergonha: às vezes ponho-me a olhar para eles e a pensar que raio me terá atingido para ter comprado certas coisas... mas, este, está guardado ao alcance do meu orgulho por tê-lo: é dos bons.

quarta-feira, maio 03, 2006

Crónicas de viagem - III


"Interrompi a viagem e saí aqui, nesta cidade a que não fixei o nome, e procurei um net-café (em Bordéus eram imensos, deve ser coisa geral) para deixar editado este esclarecimento em relação à crónica anterior, para quando voltar a Portugal e for ler pausadamente os mails acumulados não ter protestos com a má ideia que um comentário menos preciso, pode causar.
Aquela conta disparatada que paguei numa pastelaria na tal praça de Bordéus, à volta de seis euros por uma bica e um croissant, foi caro mas só seria um roubo se o croisant não fosse recheado. Já não sei ao certo com quê, mas penso que não foi com doce. Por aqui, as vitrines estão cheios deles, assim ou assado, recheados com tudo ou mais alguma coisa: nas maiores croissanterias - já entrei numa, lá em Bordéus - escolhe-se o tipo e tamanho do croissant (há desde minis a uns do tamanho dum frango assado), e o recheio: há uma variedade tal que se olha com esperança a carta, à procura dum jámon ou coisa parecida. Arraçado de pastéis de nata por aí, não há vão d'escada que não os tenha. Tenho fugido até ao momento aos Mc Donald's, pelas sopas da Inez (a de cenoura com agriões e sementes de liósfines estava óptima) e também pelos croissants... E que raio é que se comerá na Holanda? bolo de arroz?
Bem, feita a explicação do não-roubo-mas-quase, passo ao meu amor pelos franceses e encerro esta parte. Tenho comboio às 17:44 para Paris, e tenho de lembrar de mandar o toque de telélé para casa. Quando chegar a Amsterdão e parar uns dias para ganhar fôlego para a viagem de regresso pelo Sul, depois acerto o que se passou em Bordéus com a Pauline e a Vivian, ela luso-francesa, e esta, sua prima, mais francesa-lusa que outra coisa. Foi uma tarde bem agradável em que conversamos de muita coisa, eu na minha ignorância do vivido em França, e elas do sabido acerca de Portugal. Vivendo-se no "estrangeiro", em muitos casos a escola toda feita lá (cá), sem relação familiar com "o país dos pais", vejo como muito natural que Portugal se lhes seja o 'estrangeiro' menos estrangeiro, mas a sua realidade social é do país onde vivem, viveram, e mais conjugações ao verbo 'sentir-se em casa'.
Ando por aqui há dois dias e meio, e o meio não conta pois foi passada de comboio a atravessar Espanha, noite, e toda a gente dormia; mas mesmo em tão pouco tempo já olho para Portugal e imagino-o como uma terra longínqua, tão longe como quando um cão se perde e cheira todos os cantos, à procura do seu forte e paraíso. Daí, e da conversa com elas, o ouvi-las e vê-las nos pormenores da acção natural de viver ali, naquele espaço que é o 'seu país', o meu entendimento pelo seu afastamento ao conhecimento do que se passa em Portugal, para além de quem ganhou as eleições, alguma música, ou título de jornal ou coisa que passe na tv cabo de cá.
Hoje comprei um jornal, um diário pois a imprensa é mais cara que aí, e os semanários upa upa, e até tentei uma ligeira 'conversa com o vendedor, meras banalidades cortezes para ensaiar o banal. O problema ainda é o 'falarem depressa demais'. Ainda estou a traduzir 'o que ele disse' e já a conversa vai adiantada, e perco-me. Quem sabe se não chego a Espanha poliglota, e ninguém suspeitará que o cota está de regresso a casa mas, sim, um espião turco em visita exploratória, disfarçado de cigano romeno. E venha o Kusturica, fazíamos um filme sobre um inter-rail cigano, que era uma maravilha!
Vou fechar o post. Cada hora de net não é cara: um euro e meio, está nivelado com os preços daí, mas já aqui estou há quase uma. Só quero dizer que tenho dormido menos mal: as duas primeiras noites foram em comboios, e não tenho termo de comparação pois já nem me lembro da última vez em que dormi num comboio, em Portugal. Não são maus, principalmente este último. As cabines são modernas, e os bancos deitam-se um bom bocado, ao mesmo tempo que rodam ligeiramente, os fronteiros de forma inversa: permite ganhar uns bons centímetros para esticar os pés, coisa que para quem vai lá passar uma noite inteira, é conforto, é precioso, e agradece-se a lembrança.
Sigo para a estação, para apanhar o de Paris. Tenho já escritos quatro posts enormes."
(a mesa estava posta aqui, e eu servi-me)

Crónicas de viagem - II


"... em Bordéus, fui logo tratar dos afazeres programados, pois antes da paciência se esgotar corri a net em busca de informação que me pudesse interessar nas paragens previstas. Quando cheguei a Amsterdão desisti, a cidade é mítica demais para ousá-la com planos. Ainda na estação telefonei para casa, inaugurando o primeiro dos cinco 'credifones' que levava. O telemóvel também ia, estava na mochila de mão, mas combira utilizá-lo só para dar 'um toque' para os de casa, todos os dias às seis da tarde. Acordou-se com ironia que, a essa hora, eu deveria estar acordado e 'apresentável'. Depois aluguei um cacifo e comecei a fazer contas - uma constante na viagem, de todos! acho que os maus alunos a matemática são os que não fazem o Inter Rail! - pois somava dados ao que já vira pelos preços na outra estação... "subir" a Europa não é muito favorável a carteira sem forro falso. Pelo período de doze horas, fracção que tive de engolir pois o comboio para Le Mans era só à 1:37 da madrugada, daí a pouco mais de sete horas, e a fracção anterior era para... seis horas, paguei oito euros. Em Portugal andava dois dias a falar sózinho, e até escrevia alguma para o blogue, pensei... mas, aqui, eu mal entendo o que eles dizem e o giro vai ser quando eles me ouvirem a mim, que hei-de eu dizer? para equilibrar a consciência não apanhei nenhum autocarro e meti-me a pé no que me pareceu ser o caminho do centro, após estar atento às conversas da multidão que entreva e saía constantemente. É que esta estação, Bordéus, parece-me ter mais movimento que Santa Apolónia, e vou buscar a velhinha e não a do Oriente porque esta também é antiga e faz-me mais pensar naquela, quando extrapolo mentalmente a minha presença para memórias minimamente coincidentes. E se calhar a diferença é até maior, pois não me lembro de ter voltado a Santa Apolónia desde que a da Gare do Oriente abriu, ali com o Metro à porta.
Do grupo que vinha 'comigo' só o Eric saiu também - é Eric o inglês, soube-o em conjunto com um Sven e dos outros nada me apercebi que lhes fosse dito e que tivesse som remoto a nome próprio, mas perdi-o de vista ainda no cais. Por isso segui, atento a todos os sinais que me mostrassem diferenças, tentando num aperitivo sorver tudo o que desejava para conseguir sinais identificadores com as ruas que, afoitamente, decidira pisar. As caras, as conversas, as montras e o que lá se vende, os carros e as matrículas, as diferenças nos sinais de trânsito, terei feito uns três quilómetros entretido a beber o ambiente até que cheguei a uma praça movimentada, com as arcadas dos prédios com muito comércio, e várias esplanadas no largo passeio. Àquela hora a maioria das mesas estava ocupada com leitores de jornais, pormenor que reparei por contraste com os cafés 'de lá', em que um lê o jornal da casa e três ou quatro mandam-lhe olhares de ódio, impacientes pela sua vez. Entrei e procurei se havia máquina de café, e também olhei a vitrine para ver se aligeirava a ração das sopas da Inez e de chocolates. A brincadeira custou-me quase seis euros, uma bica e um croissant aquecido. Vive la France, ai mas é de mim!
A arquitectura daquela zi«ona da cidade parecia-me antiga, prédios certamente dos anos vinte/trinta do séulo passado, do tempo das guerras. Mas eu pouco olhava para os prédios pois as pessoas andavam é cá em baixo, e eu fixava as caras e os movimentos como se estivesse num concurso televisivo. Foi ai, nessa praça, que vi um casal que não eram por certo nórdicos, baixos e morenos, tudo ar latino, mas que eram duas coisas: da minha idade ou mais velhos, e malta do Inter-Rail: as mochilas e o seu 'ar' não deixavam qualquer dúvida. Confortado com o opíparo pequeno-almoço (dejeuner? ou petit dejeneur? tenho de descobrir...) , entretinha-me nas pesquisas nas laterais à dita praça e depois de ter estado a observar uma caixa automática 'multibanco', e ter-me convencido de que conseguia perceber as instruções, quando ouço por uma porta aberta duma loja que, pareceu-me, era uma boutique de roupas para jovens, sem a menor dúvida falarem em português.
(...)
(o comboio vinha por aqui, e eu apanhei-o)

(sussurro)


(um dia o meu sentido estético será entendido; e o meu 'abecedário da cor' fará as ruínas de museus, que competirão por mais e mais letras)

(para que não deixe impressão errada, este pensamento profundo tem a ver com o post de baixo, esse por sua vez tem a ver com até lá ao fundo, depois o outro e o outro, e o outro ainda, e aí pelo meio estou eu, já meio perdido. percebido? ah!... a imagem veio deste blogue)

flyer papers



Estava para escrever um post e procurei uma imagem. No Google escrevi "flyer papers" e apareceu-me este quadro. Já não escrevo: 'perdi-me' acerca da ideia original e fico a olhar para ele, a pensar que, este, eu gostava de o ter pintado! que festa de cor!

(foi aqui)

segunda-feira, maio 01, 2006

Crónicas de viagem - I


"Foi lá, na fronteira com a França e quando mudei de comboio, que comecei a aperceber-me do Inter Rail, e a identificar'-nos', a fauna do Inter Rail no sul da Europa. No cais e no bar as mochilas de grande volume, com armações em alumínio e cores berrantes, são o primeiro sinal que me guia e me leva a tentar uma aproximação à 'tribo', verificando com grande agrado que ninguém parece reparar especialmente em mim por causa da idade. Mas, mesmo assim, suspiro por encontrar alguém com barbas brancas e uma mochila às costas.

Mais tarde, depois de ter passado o tempo entre cigarros e uma espreitadela ao movimento da rua em frente à estação, duas visitas preventivas às casas de banho e uma primeira miradela aos jornais e revistas à venda fora do meu mundo antigo, fui 'ler' horários dos comboios mas depressa desisti. Ainda mais complicado que os de cá: milhares de números e nomes que não conheço de lado nenhum. Sabia qual o meu, antes de chegarmos a San Sebastian o revisor espanhol foi simpático e veio avisar-me, mais a três miúdos que iam lá em frente na mesma carruagem, que o 'nosso' comboio era na linha F. Meia hora antes da marcada já estava sentado, conferido e reconferido o número da cadeira, e a minha mochila e o saco-cama guardados numa divisão à entrada da carruagem que, não há que enganar, tinha 'valises' em letras bem grandes.

À minha frente e ao meu lado sentou-se um grupo de rapazes de aspecto inglês ou nórdico. Lá, na estação e enquanto fazia as minhas primeiras mini deambulações em 'território estrangeiro', atento a todas as conversas que viessem de grupos da brigada da mochila, percebera que o inglês era a língua dominante. Estes, os da minha cabine, raramente a usavam, embora quando um deles participava nas conversas, sardento e de óculos e que dormitava constantemente, os outros recorriam à língua dos bifes, a universal. A que entre eles falavam não a conseguia identificar. Parecia-me menos agressiva que o alemão, mas, em princípio de tournée após 51 anos de calmaria militante, ainda me era impossível distinguir os sons graves dum sueco ou dum dinamarquês, mais cantado.

Eram dez e meia quando fui até à carruagem-bar, mais para fumar um cigarro que para beber alguma coisa. Antes, aproveitando a embalagem dos meus companheiros que fizeram umas sandes enormes de salpicão, queijo, pepino e regaram aquilo com um molho que não percebi o que era: duma bisnaga, amarelado e cremoso, mas já estou a ver que não identifico quase nenhum rótulo das coisas usuais; senti-o na estação quando fui a uma máquina que vendia snacks e latas, e não havendo 'Nestlés' à venda - verifiquei mais tarde que é marca omnipresente em todo o lado, conforme mais se penetra no centro da Europa - a única coisa que reconheci foram as latas de Coca-Cola; tudo o resto é por dedução e atracção pelas cores, mais nada... bem, aproveitando a happy hour que se instalara, lá abri uma das tupperware-terrinas da Inez e sorvi uma sopa de albroengas com chouriço, perante o mal disfarçado espanto geral. Não lhes passei cartão e até me apeteceu arrotar no fim, para perceberem de vez que, eles, a sandes daquelas, não iam longe. Mas não o fiz, fui lavar a caixa de plástico ao wc e fumar um cigarro rápido entre carruagens, e depois li quatro páginas dum livro que levara. Eles, se liam alguma coisa, era mapas e guias de viagens, ao que eu tivesse visto. E tudo em inglês, não era por aí que ia descobrir-lhes a nacionalidade.

Quando cheguei à carruagem-bar estava uma grande farra em duas mesas ao meio, com um grupo que me pareceu de estudantes mas nada de viajantes do Inter Rail. Já me sentia um veterano (estava em França! em França!) e, naqueles, não identificava os sinais do railtrotter, a roupa não condizia, nem sequer o barulho que faziam. Viajar de comboio cansa, e vim mais tarde a descobrir que são os longos caminhos entre as cidades-cais que se aproveitam para descansar de paragens onde as novidades e o pouco tempo para vivê-las levam a esticar constantemente as noites até se misturarem nos dias, também eles sempre intensos.

Até agora tenho tido uma preocupação obsessiva com os documentos e o dinheiro, e o recordar-me de que tinha trezentos euros escondidos na mochila não me sossegava quanto à carteira que, constantemente, apalpava no bolso do colete. Por isso não me demorei e rapidamente voltei para o 'nosso' cubículo, onde fiz como os outros e adormeci.

Assim que desci em..."

(a belíssima imagem veio daqui)

:-)



... e não esquecer a hipótese Torino, 18ª! faço aquele bocado de Itália a preços normais e almoço por lá, pode ser que arranje uma ideia para melhorar a minha versão do esparguete à João Carapinha, quem sabe se por lá encontro inspiração para melhorar os temperos!?
(o esparguete estava aqui)

inter sonho



Com 51 anos não é um exagero este sonho de 17 cidades em 22 dias?



E porque é que os sonhos terão limites?

Ao documentar-me, traçar planos, contar imaginariamente os tostões, inicio o feeling da viagem. Uma noite destas, que já aquecem, vou contar da em que fiz toda a Espanha e entrei em França por San Sebastian, direito a Bordéus onde dei a minha primeira 'volta' noutras Europas. E se lá encontrar um net café e os horários da CP lá do sítio o permitirem, escrevo um post do que vi e de como me sentia.

Haja calma pois blogue e sonhos não faltam.

a capoeira e os ovos


Fui visitar a grande capoeira do Euro Milhões. Vi galitos e galarós, bastantes poedeiras prontas a inundar as estradas com ovos iguais uns aos outros, gemada que antevejo terá mais a cor de Portugal, “cinzento metalizado” (irra!), que o arco-íris que fabricantes bem intencionados tentam promover-nos para animar e dar alegria ao nosso triste terreiro, pago a prazo de sessenta meses. Debalde. No Salão o carrito é muito bonito em amarelo torrado ou azul celeste, mas na hora de ‘largar a nota’ opta-se pelo “cinzento metalizado” pois assim fardado será mais fácil vendê-lo daí a sessenta meses, tal como a única vaidade quando se estaciona ao pé de casa é ter uma matrícula mais recente que a do vizinho. Repito o irra, mas prometo conter-me nas linhas que se seguem.

Claro que não andava por lá sozinho, e era inevitável virem-me da multidão ecos , mesmo cerrando defesas ao gentio. É mais difícil encontrar um verdadeiro gourmet, até porque, esses, estão por demais atentos ao degustar que em perderem tempo em abrir a boca a garfadas de miudezas, que a tal agulha no tal palheiro, vizinho deste terreiro da nossa capoeira. Ora, daqui e como já deverão ter entendido, mas deixo escrito para qualquer incauto by Google vir a ler o que gosto de ovos mas sou complicado quando toca a omoletes: falo da FIL pavilhões 1 a 4, do Salão Automóvel de Lisboa, 2006. Escrever é deixar registos, não segredos escondidos.

Se entendo que um aficionado esporádico, bem intencionados que compram a revista semanal e sonham-se actualizadíssimos especialistas em design auto, confunda o muito recente 599 GTB Fiorano com um 612 Scaglietti (enfim… vistos de ‘caras’, ninguém dirá que não são irmãos germanos), já me complica a centralina ver uma multidão em volta dum Enzo (clap-clap-clap, o bruá da multidão) mas poucos prazeres à mesa com o Ford GT. Cegos ao universo para além dos néons.

Reparo e não evito, mais que incómodo, irritação, que as formigas correm os cestos para ler nos rótulos o P.V.P. sem cuidarem de saber o que é um carro com 450 cv, ou 600, ou qualquer outra característica técnica que justifique o que vale o número que lêem, babando-se. Os velhos cifrões a fazerem brilhar os olhos, relativizando se o objecto de cobiça lhes serve à refeição ou se será indigesta. Ou escalfados, até. Nada disso conta pois o único sonho é o mais caro, se possível em cinzento metalizado. É a capoeira do Euromilhões, não!, eu não me enganei no rótulo à porta: a ambição em ‘ter’ não tem critério de qualidade ou de necessidade. Basbaques que se sentam à mesa dum 3 estrelas Michelin e escolhem, na santa ignorância e no medo de serem ‘descobertos’, o prato mais caro da ementa, sem cuidarem se os espargos lhes podem cair mal ou as trufas não serem bem aquilo que pensavam que eram, órfãos da fiel tasca onde se estaciona o Punto ou o Clio, e se come um “frango à cafreal” à maneira… Diz-me como comes a vianda e eu te direi se te faço ou não um esparguete…

Assim, continuei a visitar as aves, altamente preocupado com a sua gripe. Tanta avidez insensata, tanto menosprezar da qualidade, que preocupante cegueira aos pormenores que fazem a diferença entre um beijo ou uma ternura, da salivosa sofreguidão do cio ou da animalesca palmada nas nádegas da fêmea que se oferece, ciosa sim mas duma carícia. Falta elegância, há um excesso de monótonos pronto-a-vestir nas galerias mais populares.

Por falar em Euromilhões, ao chegar ao Pav. 4 da mostra (até bem recheada atendendo ao micro mercado que somos), paro a olhar o stand da Mercedes e ponho-me a pensar como é possível os dois irmãos avicultores de Moreira de Cónegos, bolsos a alagar em €uros, conseguiram minguar a criatividade de novo rico a servirem-se dez vezes seguidas do mesmo menu, transformando um banquete em dieta. Dez. Os manos do €uro Milhões compraram 10-dez-10 Mercedes-Benz. Dez… sendo mau e malandro, até me pergunto de quantos em ‘cinzento-metalizado’… Imagino como serão as suas relações com as aves de rapina bancárias, por esta tendência em porem tantos ovos no mesmo cesto… e também pelo critério: além de malta que ficará desiludida se num improvável dia visitarem um Museu e não virem preçário para, então, soltarem ahs de admiração perante a galinha mais gorda do aviário, também prenunciam um medo de arriscarem além do seu universo que, correndo bem um investimento exploratório num apartamento que compraram para revenda, logo soltam amarras e compram o bairro inteiro. Enfim, que sejam felizes, mas que não desertifiquem demais a paisagem pois isso costuma ser muito mau para a existência de oásis: ficam muito raros, principalmente quando precisamos de nos acolher num.

Os pés doíam-me mas só me sentei uma vez. Este ano eu sabia que estava safo de apanhar ataques de cólera, pois não deixaram entrar o lobo mau, o inarrável e abominável Chris Bangle. Avé pela ausência do terror da minha capoeira! Gostei do Skoda Yeti e do Moovie, como concepts, do Altica assim assim. E espantei-me por na multidão em volta do Nissan Terraplane os olhos não largarem os pormenores decorativos e nenhuns se perderem no seu pormenor mais revolucionário e quase inovador: os pneus, que mudam a configuração do seu traçado, o ‘piso’, conforme as circunstâncias de rolamento. O ovo recheado que é cobiçado pelo laço, não pela clara e pela gema do seu conteúdo. Estão a ver? Eu lá para cima avisei que tenho uma relação complicada com as gemadas.

E agora a minha escolha, não podia terminar sem contar dos sonhos pessoais: o Bentley Continental GT ainda não foi destronado. Tem ‘pinta’, é bom e faz qualquer um que o conduza sentir-se bem, e tem quatro desenrascados lugares. E é caro, descobrirão os vizinhos, já agora… Enlouquecendo com o Euromilhões nas unhas, aí ia por dois, um egoísta e outro familiar: este é fácil, e o Maserati Quattroporte fazia delícias com ovos que nem os conventuais. O outro…. Bem, é assim: dos que lá estavam hesitaria entre o Gallardo descapotável e o Cayman S, da Porsche, que descobri com grande satisfação num canto dum pavilhão e a fazer pub sei lá a quê, desapontado que estava de não ver por lá a Porsche, quem sabe se um Carrera GT… Mas havia um ausente, o Morgan, que é sonho eterno desde que nos vimos.
No registo dos tão invocados “sonhos terrenos”, fazia as sessenta prestações na Volvo V50, azul clarinho e interior creme. Não é um Mulliner: "paciência…", pensei, quando me atirei à Telma.
(encontrei o cartaz pendurado aqui, e gamei-o)